sábado, outubro 30, 2004

Sobre os concursados do governo de Roraima

Com toda a alegria que consegue transmitir por estar cumprindo suas obrigações, o governador Flamarion Portela (licenciado há cerca de um ano do PT , ou como diz o André, vítima de uma expulsão branca, por conta de um suposto envolvimento no Caso dos Gafanhofotos) convocou mil pessoas que havia sido aprovados no concurso público do Estado.
O total de vagas ofertadas no concurso passou das oito mil em diversas áreas. Com validade de dois anos, muitas pessoas têm medo de que o prazo expire e ninguém mais seja chamado.
O medo, a princípio injustificado se Roraima tivesse um histórico político diferente, baseia-se no aparente receio do governo em chamar os profissionais aprovados. As convocações vêm sendo feitas à base de pressão e reclamações, muitas reclamações na mídia.
Vale lembrar que Flamarion tem a seu favor o fato de ter quebrado com uma omissão que durava 12 anos. Os ex-governadores Ottomar Pinto e Neudo Campos (outro citado no escândalo dos servidores-fantasmas) preferiram deixar de lado essa bobagem de cumprir o que determina a lei e montar esquemas de contratações precárias que a Justiça considerou como feitos à medida para uso político-eleitoreiro.
Ao assumir e fazer o concurso, Flamarion ordenou uma limpa de mais de 12 mil nomes nos quadros do funcionalismo estadual, gerando revolta entre os aliados e os demitidos, mas encorpando o discurso do ajuste da máquina governamental ao que manda a Lei.
Mesmo assim, tem-se a impressão de que a coisa não foi bem assim.
Nesta semana, dois dias antes da convocação feita pelo petista licenciado, as informações de reportagem veiculada no jornal Folha de Boa Vista demonstram a quantas anda a vontade do governo em organizar a casa. Ou falta alguém que informe melhor e controle a secretária estadual de Educação, conhecida pela postura firme com que defende seus posicionamentos, na hora das entrevistas ou o concurso foi de fato uma balela.
Na matéria "Concursados denunciam ocupação ilegal de cargos na Educação", algumas pessoas reclamam da demora em serem chamados e da preferência dada a outras que sequer aprovaram no concurso e não teriam a escolaridade necessária para tanto.
Diz a matéria da Folha:
"Não fizemos concurso para quadro de reserva, mas para provimento de vagas", disse Matheus, lembrando que a elaboração do concurso público teve todo um custo para o Estado. "Inclusive, houve gastos com o assessor técnico que elaborou o planejamento por mais de R$ 250 mil, demonstrando a necessidade da contratação para o quadro do Estado", reforçou. "E agora dizem que não tem sequer local de trabalho para esses funcionários".

Aí vem a parte engraçada:

SECRETÁRIA - A Folha procurou a secretária estadual de Educação, Lenir Veras, que informou de início não ter nada a responder. Questionada sobre os direitos que estão pleiteando, ela disse que os concursados têm apenas "expectativa de direito".

Logo em seguida, a paulada:

Quanto à necessidade de mais servidores, Lenir disse que esse número está dentro do orçamento disponível na secretaria, embora tenha afirmado que o cargo sequer exista no quadro atual.
"Esse profissional será muito bem-vindo na secretaria, mas teremos que fazer algumas adaptações já que a função da qual eles fizeram o concurso não existe na secretaria, e acredito que farão mais o papel de assessoria", afirmou.
Sobre ao fato do concurso ter oferecido 201 vagas para essa função, Lenir Veras ressaltou que ela não estava à frente da secretaria e nem participou da comissão que aprovou o planejamento.
"Não sei qual o ânimo da comissão quando elaborou esse número, mas hoje o Estado tem a necessidade de diminuir o número de funcionários e de potencializar os recursos humanos, e uma pessoa fazer o serviço de dez", afirmou.
Ao ser questionada sobre as declarações de que funcionários estavam exercendo ilegalmente o cargo de analista educacional, ela foi incisiva: "Não existe ninguém, porque esse cargo não existe e não vamos inventar cargos para 201 pessoas", afirmou.
Diante das afirmações, ela foi indagada então do porquê de contratar os dez funcionários. "Por respeito à sociedade e à comissão que elaborou o planejamento. Mas que fique claro que não foi por pressão de ninguém e, como já falei, eles estão na expectativa de direito e temos que chamar alguém para dar satisfação à sociedade", frisou.

A matéria é isso. A parte interessante de tudo é esta declaração: "esse cargo não existe e não vamos inventar cargos para 201 pessoas", afirmou (a secretária).

Desorganização? Falta de comunicação entre quem pagou pelo concurso e as secretarias de Planejamento, Administração e Educação? Quem poderá saber, se todos estão satisfeitos com a convocação?

Em tempo, nenhum dos reclamantes na matéria está entre as 10 pessoas que foram convocadas pelo Governo para o tal cargo inexistente.

(este cronista foi um dos convocados. Mas como o salário é muuuiiiiiito baixo e não dá para bancar as contas fixas de cada mês, vai esperar a chamada para o cargo de nível superior em que foi aprovado. Outros jornalistas estão organizando uma campanha judicial para serem chamados rapidamente. Afinal, todas as vagas de Analistas de Comunicação Social estão ocupadas por não-concursados mas o atual governo insiste em falar que precisa primeiro organizar a casa para depois contratar quem vai tomar conta de sua imagem)

quinta-feira, outubro 28, 2004

De Zanny Adairalba, inspirada no post anterior.

O suicida

Um homem prestes a cometer suicídio.
CENÁRIO:
Janela de um apartamento no 27º andar.
O PENSAMENTO:
Minha mulher não liga mais pra mim!!
Minha mãe não liga mais pra mim!!!
Minha amante não liga mais pra mim!!!
Meus amigos não ...
O TELEFONE TOCA:
Por coincidência está em cima de sua mesa de estudo; bem próximo de suas mãos.
O PENSAMENTO:
Bolas!!! Quem inventa de ligar pra mim numa hora dessas???
UMA VOZ DESCONHECIDA:
Sr Djalma??
Sim!!???
Aqui quem está falando é Karla, do Serviço de telemarketing SPS (Salvamento a Possíveis Suicidas ) NÃO VÁ AGORA. O CÉU É APENAS UMA POSSIBILIDADE. O INFERNO SIM É UMA CERTEZA S.A.
Se o senhor está tentando suicídio com arma de fogo, tecle o número 1. Se for com arma branca tecle o número três. Se for no trilho do trem, tecle o número 5. Se for pular de algum edifício, tecle o número 7. Para outras opções mais criativas, tecle o número 9.
UMA AÇÃO:
O dedo inquieto aperta imediatamente o número nove.
A MESMA VOZ DESCONHECIDA:
Aguarde um momento. Vamos encaminhar o senhor para uma de nossas atendentes.
A MÚSICA DE ESPERA:
Tururururururulalaalalrurururtututu
UMA VOZ:
Serviço de telemarketing SPS (Salvamento a Possíveis Suicidas ) NÃO VÁ AGORA. O CÉU É APENAS UMA POSSIBILIDADE. O INFERNO SIM É UMA CERTEZA S.A., Bete, Booooom diaaaa!!!
UM SUÍCIDA CONFUSO:
B-bom di-a.
A PERGUNTA:
No que posso lhe ajudar???
UM INDÍVÍDUO INDIGNADO:
Ma...Mas foram vocês que ligaram para mim, ué!!!!!
A FORMALIDADE DAS ATENDENTES DE TELEMARKETING
Com quem estou falando Sr, por gentileza??
A IRA:
Djalma!!!!!!
Sr. Djalma, a sua vizinha nos ligou dizendo que o senhor está prestes a cometer suicídio. O senhor confirma?
A CALMA:
Sim. É ... é verdade!!!!
O senhor pretende fazer isto como, Sr. Djalma??
Pulando da janela de meu apartamento, ué!!!
Sr Djalma, eu estou aqui para lhe ajudar .... o Sr. está me ouvindo bem???
A ÚLTIMA ESPERANÇA:
Sim, minha filha. Estou lhe ouvindo muito bem.
Sr. Djalma, não se desespere. Confie em mim.
AS LÁGRIMAS:
Minha filha... então me dê um bom motivo para eu continuar vivo!!Todos me abandonaram!!!
Sr Djalma. Tenha fé. Eu não vou lhe abandonar. Acre...
O SOM:
Tu tu tu tu....
UMA LIGAÇÃO QUE CAI
UM OLHAR DE DESESPERO
UMA ÚLTIMA FRASE:
Ninguém liga pra mim. E quando liga...desliga na minha cara.

terça-feira, outubro 26, 2004

Coisas da vida

Há dias em que o corpo e a alma ficam mais suscetíveis a uma paixão.

Nesses dias, nem sequer as atendentes de telemarketing ligam para você.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Domingo de teatro na praça

Por pouco, a oficina de interpretação realizada pela turma do Erro Grupo não acabou na delegacia. Os catarinenses, que estiveram em Roraima a convite do Sesc, promotor do projeto Palco Giratório, levaram os alunos para mostrar na rua à noite o que haviam aprendido durante a tarde.
Após receberam chamadas de supostos pais inconformados com a performance do ator Anderson, um dos participantes da oficina, Policiais Militares e Guardas Municipais apareceram no Portal do Milênio, uma das praças mais freqüentadas de Boa Vista, para saber qual o motivo daquele rapaz estar deitado sem camisa no chão e gritando como um louco na noite de domingo.
Convencer os Guardas foi fácil. Eles só queriam saber se aquilo ali era mesmo teatro. Pergunta até justificável no contexto, pensariam, afinal, gritar é atuar? Uma das atrizes do Erro, a (ai, ai) bonitona Dayana Zdebsky, já enfezada com a discussão, ameaçou mostrar a registro da DRT para provar a verdade de sua profissão. Não precisou.
Ao lado, um dos rapazes do grupo, com uma barba à Los Hermanos, travava um debate com um dos sujeitos que aluga carrinhos elétricos para as crianças passearem na praça. O rapaz queria a retirada dos atores, alegando que estavam assustando as crianças e que os pais haviam reclamado da performance. Com a sensatez de quem estava perdendo fregueses para o teatro, invocou a bíblia para justificar seu pedido-ordem. "Isso é coisa do diabo. As crianças não podem olhar isso", disse. O catarina barbudinho, coitado, ainda tentou ter uma conversa racional, citando arte, liberdade de ir e vir, direito de escolha...
Nesse momento, dois Policiais Militares já estavam a perigosos centímetros do ainda deitado no chão e berrante Anderson, que espertamente olhava para a noite de lua crescente em vez de encará-los.
Os PMs queriam parar tudo, sob a alegação de perturbação da ordem pública. Mas quem havia reclamado, além dos donos dos carrinhos? Pais, vários pais, respondeu o policial, sem ter em conta que estava rodeado por adultos e crianças em êxtase querendo saber o que estava acontecendo. As mesmas crianças que alguém alegara estarem com medo minutos atrás.
É um projeto teatral, é arte, alguém explicou. Isso é arte?, inquiriu com um sincero ar de desconhecimento. A explicar que comedia dell arte não é Casseta & Planeta e coxia nunca foi parente de quibe, é melhor ser pragmático na argumentação. É sim, é o encerramento de um curso, responderam outro clone de Los Hermanos, ops, ator do Erro, e Rosana, do Sesc Roraima. "Ah, mas então vocês deviam avisar as pessoas, explicar o que estão fazendo. É melhor parar e explicar", pediu.
Dayana, você, que tem uma voz forte, pede um segundo para o Anderson parar e grita bem alto que isso aqui é teatro? Ah, não. Não tenho como fazer isso, respondeu a (ai, ai) enfezada bonitona.
Quase nesse momento, o berrante Anderson, que talvez nunca tivesse visto tantos pés e pernas em torno dele, levantou como se nada, saiu andando com calma, não sem antes fazer uma debochada pose de Madame Satã, e foi aplaudido por todos os presentes. Fim do espetáculo, que ficou mais rico com a participação dos representantes da lei.
As outras intervenções transcorreram tranquilamente. Ninguém ameaçou o Renato (louco orientador), a Lidiane e o Marcos (a chorosa e o filósofo), a Joelma (noiva abandonada), a Kywsi e a Carol (animadoras) ou o restante dos 17 participantes da oficina.

Conclusões:

Deveríamos ter deixado os PMs levar o Anderson e a turma do Erro. Ia ser engraçado ler/ouvir a justificativa da idiota prisão na mídia. Sem contar que poderia ter vendido a matéria para o Diário Catarinense (manchete: atores catarinas são presos em Roraima por apresentar-se na praça) ou para o Diarinho do Litoral (Fim do mundo: Em Roraima, meganhas enfiam caras do teatro catarinense no xadrez).
No final, foi concluído que tudo pareceu uma briga do capital contra a arte. Venceu a arte, graças a Deus.
Surpreendeu-me como as pessoas questionaram os atores sobre o conhecimento, fé e obediência às leis de Cristo. Pus-me a pensar que ou o Filho do Homem não gostava de teatro ou fazia performances muito melhores de que as apresentadas no domingo.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Declarações noturnas




Chega a noite na terra de ninguém
Batem sinos e botas. Hora de ir.
O cheiro de borracha mancha a mão.
Um velho fumante encosta a cabeça na parede.
Garrafas de aguardente tiram a sede.
Soldados com frio pagam por amar.
O som de carros vem de longe.
A moça mostra à irmã como enganar o pai.
Sorrisos falsos reforçam o combate.
Adjetivos declaram guerra a substantivos.
A queda d'água é como a queda da bolsa.
Crianças jogam basquete no cesto de lixo.
Completa-se a morte do sol.
Termina o tempo dos escritórios.
Gente contente mostra para todos:
Chegou a noite na terra de ninguém.

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Comerciais da Fronteira

O companheiro Marlen Lima republicou o post "Conversas Possíveis" no seu site. Alguns comentários dos leitores deste blog estão lá, além de uns acréscimos que podem ajudar a desvendar um pouco sobre a personalidade de Orib Ziedson.

Ainda na linha divulgação gratuita, recomendo lerem o fotolog da Adenice, integrante do desfeito Trio Barraco, para lerem suas reflexões sobre minha querida pessoa.

quarta-feira, outubro 20, 2004

Histórias

Patrícia é uma garota de família decente. Nunca transa com estranhos. Por isso sempre pergunta antes o nome das meninas e meninos com quem se relaciona.

Airton é contumazmente religioso. Ele conta que cada vez que queima um baseado, está a conversar com Deus.

Pedro está decepcionado com a indisposição juvenil para o estudo. Há dias não consegue convencer nenhum rapaz a estudar sua anatomia.

Helena é um poço de dúvidas. Não sabe se volta para o antigo namorado ou assume o romance com o colega de trabalho. Na incerteza, optou pelo rapaz que conheceu no pagode de domingo.


segunda-feira, outubro 18, 2004

Aplausos na noite quente de Boa Vista

Calor. Boa Vista abafada. Os próximos se afastam. Os distantes morrem. Pouco a pouco. Ou de vez. Mas todos os dias e sem deixar saudade.
Baudelaire, Marx, Milton Santos. Um pouco de The Commitments, The Doors e cinema peruano.
Vírus de computador. Placas-mãe defeituosas. Filhos problemáticos. Arquivos e vidas corrompidas. Memórias apagadas.
Religião. Fé. Intermediações entre o abstrato e o real...player.
Interpretações. Correções. Ciência. Racionalização. Novos tempos.
Teorias. Pragmatismo. Evolucionismo. Positivismo. O nada coletivo. Etnocentrismo. E histórias fantasiosas sobre relações harmoniosas entre os desiguais nos lavrados de Roraima.
Projetos. Ambições. Preços. Cada um, um preço. De preferência em dólar ou em euro. Melhor proposta. Melhor negócio. Aplausos. Coletivas. Um ébrio na noite aplaudido pelas baratas.
E Boa Vista continua quente. Até nas madrugadas.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Conversas possíveis

Para e inspirado em Orib Ziedson.


- Oi! Tudo bem? Passei alguns meses fora da cidade. Sentiu saudades de mim?
- Não.

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- Fulana não gosta de ti. Diz que tu és muito arrogante e grosseiro.
- E eu com isso? Dependo dela por acaso?

......................

- E aí, como vão as coisas?
- Quer saber por quê? Tens alguma coisa a ver?


quarta-feira, outubro 13, 2004

(Para melhor compreensão, a gerência recomenda ler antes o post do dia 22 de setembro)


Me dê uma cerveja. Hum, muito bom matar a sede nesse calor, né? O senhor é o dono do bar? Bonito estabelecimento. Por acaso o senhor conversou com um rapaz parecido com o desta foto nos últimos dias? Quem sou eu? Eu trabalho para a família desse rapaz. Eles querem saber onde ele está metido. Afinal, há anos que não se tem notícias dele.
O senhor viu? Sim, claro, na foto ele está bem mais novo. Não, se ele falou que mantém contato periódico com a mãe, mentiu. A última vez que a pobre senhora ficou sabendo dele foi há uns oito anos.
Como eu cheguei aqui se ninguém sabe dele há tanto tempo? Ora, eu sou uma detetive muito bem treinada, filiada à Central Única Federal dos Detetives do Brasil - Ltda há vários anos. Venho na cola dele há umas vinte cidades. Já topei com ex-mulheres dele, com ex-patrões, com amigos. Todos têm uma história interessante para contar. Qual é a do senhor?
Como assim o senhor não revela as conversas com outros fregueses? O senhor é padre, por acaso? Desculpe, não quis ofendê-lo. Mas deixa eu adivinhar o que ele falou. Contou que largou os estudos, juntou um dinheirinho e foi rodar o mundo? Que já fez todo tipo de serviço para conseguir o dinheiro da próxima passagem? Certo, certo. Ele só não falou que é herdeiro de uma das maiores fortunas da América Latina, né? Nem tampouco que é considerado um gênio em física quântica pelos maiores doutores de vários países? Ele comentou que conseguiu o doutorado com menos de vinte anos de idade?
É, o homem é tudo isso. E um pouco louco, é claro. Largar os luxos da família para conhecer o mundo da maneira mais dura possível é coisa de quem estudou muito e ficou maluco.
Ele comentou para onde ia? Litoral? Estranho. Pelo jeito dele viajar nos últimos anos, água não deveria ser o próximo destino. Sim, eu tenho um banco de dados,com todas as informações cruzadas. Sei o que gosta de comer e de beber, tenho a média de permanência em cada lugar e...Como? No máximo, sete meses por cidade. Mas é o suficiente para arranjar confusões ou ser amado por todos. Ele é simpático, pelo que me disseram. Bonito eu sei que ele é.
Vai ser um prazer encontrá-lo. Mas me conte mais sobre a conversa que tiveram. Ele falou em algum livro também? Parece que vem com essa idéia há alguns anos. O engraçado é ele reclamar da falta de dinheiro para viabilizar a produção. Como assim o senhor não vai comentar nada? Tá bem, tá bem. Se eu pagar uma rodada para todo o bar, o senhor me diz pelo menos o nome da cidade para onde ele foi?

segunda-feira, outubro 11, 2004

12 de outubro.
Enquanto no Brasil, as atenções estão voltadas para as missas em homenagem a Nossa Senhora de Aparecida e para a entrega de presentes às crianças, a América espanhola rememora a chegada oficial dos espanhóis ao continente.
Foi em 1492 que as embarcações de Cristóvão Colombo atracaram na ilha denominada Guanahaní, rebatizada de San Salvador e atualmente ilha de Watling.
Como fariam os portugueses oito anos depois, quando "descobriram" o que hoje chamamos de Brasil, Colombo decretou a ilha como propriedade de um reino além-mar sem consultar seus habitantes, que olhavam admirados o brasão e a cruz, símbolos de seus novos governantes e de sua nova religião.
O resto da história, pelo menos em parte, todo mundo conhece.
Para ilustrar melhor o começo de tudo, uma canção do guatemalteco Ricardo Arjona, do disco Galeria Caribe:

Carabelas

Carabelas cargadas de malos presagios
emisarios de la trampa y de la colonización
tocan tierra provocando un gran naufrágio
cargados de demonios y una nueva religión
pisaron tierra de Guanahaní
bienvenida la desolación.

Esos sueños de estafa y de saqueo
ese gusto por el oro y esas ansias de poder
es el cáncer que aún enferma al heredero
es la historia de una tierra condenada a padecer.

Pero el negro, el indio y el español
se mezclaron para darle un gusto a Dios.

Pero el negro, el indio y el español
se mezclaron para darle un gusto a Dios.


quinta-feira, outubro 07, 2004

Cenas de bar

Duas da manhã. Éramos quatro, bebendo e ouvindo uma banda tocar velhos clássicos do rock. O balcão estava sujo. Na hora não percebi isso. Mas no dia seguinte, as provas estavam na manga comprida na camisa.
Nos intervalos entre uma música e outra, o burburinho predominava. E o cheiro de fumaça de cigarro industrial e de outros tipos tomava conta do ar. Estava quente. O calor só diminuía a cada cerveja. A necessidade de refrescar-se fazia que todos se aproximassem do nosso pedaço de balcão, congestionando o espaço.
Ele estava perigosa e estrategicamente bem posicionado entre o caixa e os garçons. Com a direita pegava a bebida e com a esquerda pagava. Quando saia do lugar, alguém ficava de guarda. Sempre o mais animado, estranhamente naquela noite era dono de uma calma que poderia ser chamada de melancólica ou perigosa.
Entre nós, as apostas sobre as coisas de sempre subiam. Mulheres para conquistar, garrafas a serem esvaziadas, o corpo da bailarina mais atraente.
E ele, quieto, apenas observando o movimento.
De repente, ela se aproximou do balcão. Vestido curto preto molhado de suor, cabelo longo e castanho, bonita. Cumprimentaram-se. Pareciam velhos amigos. As apostas agora haviam duplicado. Pelo estado de ânimo dele, joguei tudo no lance da conversa não durar mais uma canção.
Conversaram um de frente para o outro por três minutos, o tempo de um velho blues. Ele ainda aparentando distância. Eu, próximo de ganhar a aposta.
No intervalo, ela sussurrou uma frase no ouvido dele e sorriu. Ele respondeu, sorrindo também. Consegui ouvir ele dizendo "não me faz pensar bobagens. Há dias em que o coração de um homem está mais vulnerável que em outros e a cabeça e o corpo não se entendem."
Trocaram olhares e duas novas frases, afastaram-se do balcão, deixaram o bar e eu perdi a aposta.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Divagações sobre o existir

Existem sentimentos que são um embaraço de pernas, um emaranhado de cabelos, de dedos e toques, olhos e corpos...Porque há sentimentos que se confundem com o nosso próprio eu.

Érica Figueiredo, jornalista e mãe de Bia, afilhada querida.


Quando nos distanciamos de nós mesmos, devemos voltar às nossas origens, porque lá pode estar a resposta que precisamos para o nosso próprio reencontro.

Professor Roberto Ramos, doutor em Ciência Política e reitor da UFRR.

quinta-feira, setembro 30, 2004

Ele disse:
- O corpo é o verbo da alma.
Ela respondeu:
- Conjuga-me, então.
Pronomes, substantivos, adjetivos e onomatopéias misturaram-se sem regras gramaticais a noite inteira.

segunda-feira, setembro 27, 2004

"Setembro

Setembro chegou e o pouco de felicidade que eu guardava se foi em uma mala e uns sapatos na mão."

O Vandré não explicou se foi largado ou não pela namorada ou se é apenas um comentário aleatório sobre a vida.
O fato é que o post no seu blog me lembra que setembro é um péssimo mês para manter a felicidade, seja qual for a área ou motivo.
É claro que sempre há os do contra, lembrando que grandes amores e conquistas profissionais foram obtidas nesta época do ano. Esperar mais o quê dos otimistas?
Para justificar minha aversão a todo setembro, confirmada ano após ano (é quando geralmente volto das férias - folgas no sul-sudeste do País), vamos a mais uma da etapa da auto-proclamada bem-sucedida série Escritos para mulheres especiais:

Primeiro de setembro

Hoje minhas paixões
Vão reencontrar-se
Com seu pares.
Continuarei só,
Perguntando aos passantes
Se viram a estrela brilhante
Do crepúsculo.
Hoje minha história
Perde mais uma personagem
Uma mais que abandona
O palco da minha vida,
Uma co-protagonista
Do teatro mambembe
Praticado por mim.
Hoje estou um pouco
Mais triste,
Um muito mais eu.


sexta-feira, setembro 24, 2004

Era dona de uma racionalidade infeliz e fatal como um beijo de despedida no início do dia e detestava minha abstração. Rumou para o sul e eu fiquei aqui.

quarta-feira, setembro 22, 2004

Pois é, meu senhor. As coisas não são como parecem. Basta a gente olhar de baixo para cima e tudo muda. É sério. Tem gente estudando isso. Esses doutores da universidade, esse povo que vive com a cara enfiada nos livros. Eu? Não. Eu nunca consegui passar na prova do vestibular. Depois perdi a vontade de estudar. O que fiz? Ah, eu era jovem, tinha umas economias, não gostava da minha cidade e decidi sair pelo mundo.
Passei uns quinze anos viajando por uns três continentes. Sabe aquele filme que passou um dia desses no cinema, aquele do livro, caderno, diário da moto? Então. Não tem aquela parte do deserto que os caras vão caminhando? Eu trabalhei ali pertinho uns cinco meses.
Como, o senhor só assiste jogo de futebol? Ah, mas eu também adoro. Todo domingo vou para um bar ou lanchonete qualquer para ver o campeonato brasileiro. Já foi melhor, sabe? Na Itália eu...sim eu já estive na Itália. Faz muito tempo. Quase que peço a cidadania de lá. Mas briguei com o dono da pizzaria onde trabalhava, quebrei a cara dele e tive de sair fugido do país. Os policiais devem estar me procurando até hoje.
Mas como ia lhe contando...Sim, claro, pode servir mais uma cerveja. Sim, sei que o senhor não tem como ficar só me ouvindo sem vender nada. Me diga, o movimento por aqui é bom? Ah, depende do pagamento do governo para agitar as coisas. Nossa, parece coisa de cidade pequena do interior. Desculpe, não queria ofender o senhor nem a sua cidade. Que legal. O senhor nasceu e se criou aqui, assim como os seus filhos? Poxa, eu não tenho filhos. E da minha família faz uns 18 anos que perdi o contato. De vez em quando ligo para minha mãe para avisar que estou vivo. É verdade. Mãe é uma das melhores coisas do mundo. Bem, não me casei por não encontrar nenhuma mulher que tivesse coragem de me acompanhar nas minhas viagens. Sim, amiguei várias vezes. Teve a Luisa, que era dona de um bar como o senhor. A Matilde era artista, fazia caixinhas de papelão colorido e vendia nas praças. A Joana era professora e escritora. A conheci num coquetel de lançamento de um livro. Tava lá só para filar comida quando começamos a falar sobre música da América Central. Mas eu gostei mesmo foi da Fernanda, balconista de uma farmácia. Adorávamos brincar de doutora e doente.
Mas sabe como é. Tudo se acaba na vida, a estrada chama de novo e a gente tem que seguir os instintos. Acho que eu nasci caminhando, sabe? O que faço aqui? Não, só parei por conta do ônibus. Parece que quebrou uma peça e vamos ficar aqui esta noite. Amanha sigo rumo ao litoral. Dizem que a temporada de pesca tá rendendo um bom dinheiro para quem tem as manhas das redes. É, também fui pescador quando estive no África. Já fiz de tudo na vida para ganhar o dinheiro da passagem do próximo trecho.
Nossa, tá tarde, né? Vou descansar agora naquela pousada da esquina. Não preciso pagar nada? Muito obrigado, senhor. Vou lhe contar mais uma coisa. Quando se chega na minha idade, a gente começa a repensar a história da nossa vida. E eu estou querendo escrever um livro sobre tudo o que vivi. O que o senhor acha?



segunda-feira, setembro 20, 2004

Foi a primeira que viu seu espaço visitado por ela. O que fazia lá, não trabalhava em outro setor da empresa onde raramente havia tempo para visitas sociais? A empresa até que tentava, mas o departamento de Recursos Humanos não era comandado por pessoas capazes o suficiente para implementar uma boa política da excelente vizinhança.
Apertos de mãos, como vai você, como vai o trabalho, nossa que projeto legal, como estamos cansados, vai piorar e outras frases de efeito foram ditas e repetidas. E o diretor do RH ali, supervisionando o intercâmbio entre os setores.
Venha conhecer minha mesa, olha que lindo o meu mouse, pois é não tenho vista para o horizonte, que bacana o teu ar-condicionado, faz um mal para a gripe que você nem imagina, dizia a visita, respondia o visitado.
Pois é vou embora, mas agora que ia te mostrar meu arquivo de piadas, volte sempre que puder, apareça também, falaram os dois, numa tentativa desesperada de retornar aos seus postos de trabalho e de sair do campo de visão da chefia.
E o diretor do RH, ali, explodindo de felicidade com o sucesso de sua política de integração entre os funcionários.

sexta-feira, setembro 17, 2004

Agora que o frio roraimense começa a deslocar-se para outros lugares, nada como uma opinião sobre ele. De Zanny Adairalba, escondida poeta do cotidiano:

Dias frios... cama quentinha, lençóis limpinhos, meia nos pés... (Um computador em algum canto da casa esperando ser usado. Alguém enrolado num cobertor e com uma xícara de chocolate quente à mão, pronto a expor os pensamentos a serem tatuados no universo...) Lápis, papel... letras... frases... histórias...
É... dias frios são deliciosos!!




quarta-feira, setembro 15, 2004

As questões do mundo

Todos os seres humanos cobram, querem ou pedem algo de quem os rodeia. Isso é da sua natureza. Agiotas sempre querem mais juros dos credores. Mães exigem dos filhos boas notas no colégio. Filhos querem ser os preferidos dos pais. O governo não se cansa de cobrar e criar impostos. Países pobres imploram o tempo inteiro por ajuda. Líderes, mesmo que não diretamente, querem ser seguidos. Religiosos, fé. Novos amantes, que se abandonem os antigos. Homens e mulheres, fidelidade de seus parceiros. Já alguns filhos de pais separados conformam-se com o pagamento das consultas do analista. Professores, mesmo que nunca demonstrem, cobram atenção. Sobrinhos pedem presentes. Velhos amantes desejam a permanência do outro no leito. Prostitutas se conformam com um rápido gozo do freguês. Garçons, indelicados como só eles, pedem apenas uma gorjeta e os 10% da conta.
Sogros são mais moderados. Exigem apenas o impossível dos genros e noras. Artistas reclamam se não há palmas no final do espetáculo. Ambientalistas cobram respeito ao meio ambiente. Estudantes são despretensiosos e conformam-se em ser aprovados. Políticos exigem ser votados e reeleitos.
Melhores amigos querem compreensão e aceitação. Os traidores, que nunca sejam descobertos ou julgados. Vendedores cobram de São Pedro que sempre faça sol e nunca chova. Chefes exigem apenas lealdade e sacrifício. Grevistas, aumento salarial. Certas empresas, a concordância com a semi-escravização. Governadores pedem, vez ou outra, trégua à oposição. Caloteiros, não ser enganados. Cineastas pedem aos céus salas de cinema cheias e críticas favoráveis. Oradores, o dom de nunca engasgar.
Deus, até ele, cobra dos seus filhos exclusividade na preferência. Solitários sentem-se felizes quando o mundo lhes dá paz. Já os ninfomaníacos são menos exigentes. Muito sexo, com todo mundo, lhes basta. Esposas e namoradas insatisfeitas cobram orgasmos múltiplos. Mulheres sempre pedem ser tratadas com igualdade e receber salários iguais aos dos homens. Estes, por sua vez, querem dividir a conta do jantar e do cinema. Motoristas querem mais agilidade do governo para resolver o problema dos engarrafamentos. O governo só quer ser esquecido. Animadores de auditório querem ser assistidos. Pregadores, ouvidos. Escritores, inspiração.

segunda-feira, setembro 13, 2004

Meio-dia e meia

No restaurante, Aurélio come apressadamente. Tem de voltar à empresa para acelerar a entrega de um relatório de atividades e começar a escrever um projeto. Entre uma garfada e outra, pensa nas paisagens que viu numa revista de viagens. Como ele gostaria fazer os passeios que os jornalistas descrevem. Mas Aurélio não tem dinheiro suficiente para viajar. Além disso, a pensão das duas filhas leva boa parte de seu salário. Sua única opção de lazer fora da rota casa-trabalho é a banca de revistas do tio, que o deixa folhear as novas edições.
A um quilômetro, Fátima prepara-se para sair dos braços do namorado. Quase esquecia do almoço de família marcado para hoje. Se não bastasse estar um pouco atrasada, nunca aprendeu a maquiar-se em motéis. Para ela, as luzes nunca estão bem posicionadas. Certa vez perguntou a um empreiteiro se iluminação era item menor nestes projetos. Depois do último beijo, sai do quarto e vai para o restaurante. Pelo celular, avisa ao marido que está chegando e culpa o trânsito pelo atraso.
No banco de uma praça, Nina e Mateus terminam as anotações do diário de viagem. Já são 15 estados visitados desde que caíram na estrada. Ainda têm duas semanas para viajar. Calculam que dará tempo para chegar na estréia do grupo teatral dos amigos. A viagem os ajudou a ficar mais próximos, acreditam. As anotações serão fundamentais na redação de vários artigos para o jornal de sua cidade natal e, quem sabe, de um livro. Agora, porém, é hora de comer, não de sonhar.
Na calçada do restaurante, Aurélio espera o carro que vai levá-lo para o trabalho quando vê Fátima chegar. "Essa aí deve ter tudo o que quer, sem precisar preocupar-se com horários. Que inveja", pensa.
Fátima passa sem notá-lo, questionando-se se vale a pena ficar sem tempo para si, ocupada com o marido, a casa, o namorado e a gerência da loja de roupas. "Acho que chegou a hora de pensar em mim. Vou fazer como esses garotos, que não têm tanta responsabilidade e são felizes".
Nina e Mateus, parados em frente ao restaurante, contam o dinheiro para saber se poderão almoçar hoje. Dá para encarar o preço. Vamos almoçar, decidem.
Enquanto isso, novas histórias procuram o seu espaço nas mesas do restaurante.