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quarta-feira, maio 31, 2017

Ensinando o Edgarzinho a dominar as manhas do dominó e das damas



Eu nunca passei muito tempo com o meu pai. Em parte porque ele sempre trabalhou abrindo e pavimentando estradas longe de casa, em parte porque os meus progenitores se separaram quando tinha uns 6 ou 7 anos de idade e a parada foi tensa nos afastamentos até eles se reconciliarem, mais de uma década depois. 

Lembro que uma das poucas coisas que ele parou para me ensinar foi a escrever os algarismos romanos. Por conta disso era um dos poucos moleques do bairro a entender aquele monte de letrinhas que representavam valores e datas. 

Este ano, quando decidi fazer o mesmo com o Edgarzinho, descobri que ela já conhecia os números romanos. Havia aprendido sobre eles jogando Minecraft no celular...Dei muita risada quando soube e parti para a outra parte de transmitir saberes que havia me proposto: ensinar-lhe dominó e damas. 

Comecei com o dominó, mostrando que os pontinhos se encaixavam até alguém ganhar. Depois partimos para o jogo com os múltiplos de cinco. A minha meta era, na verdade, estimulá-lo a somar mais rapidamente e garantir que o seu pensamento matemático avançasse. No começo ele não curtiu e sempre pedia para voltar a jogar só o de encaixar as pedrinhas com pontinhos iguais.

Sua mamis e eu optamos por reforçar o conhecimento dele na tabuada. Quando percebemos que estava mais seguro, parti novamente para o dominó dos múltiplos de cinco, ajudando ele quando as somas ficavam altas. Resultado: o moleque hoje está uma fera nas somas e cálculos de probabilidades sobre as jogadas que lhe garantem pontos e mais pontos. 

Além da gente em casa, ele já jogou com o avô paterno, seu Juca, e com minha avó, dona Maria José, que aos 91 anos ainda é a rainha familiar do dominó, montando combinações e somando pontos numa velocidade absurda para o que se espera de alguém de sua idade. 


Edgarzinho jogando comigo, sua bisavó Maria José e seu avô Juca. Percebam que ele cresceu tanto que já usa de boas as minhas camisetas...

Outro jogo que decidi ensinar-lhe, aqui pedindo ajuda da mamis Zanny Adairalba, foi o de damas. Esse demorou mais um pouco, sobretudo por exigir mais concentração de sua parte. Mesmo assim, na segunda semana ele já chegou contando que havia jogado com uma colega na escola. Na outra já estava jogando com a avó materna.

Pensando a estratégia para o jogo de damas


Ainda fica nervoso quando está perdendo e nessas horas a gente pega leve, dando aquela chance bacana para ele comer uma ou duas peças e ganhar confiança. Além disso, reforçamos o tempo todo que ele precisa aprender a montar as jogadas na cabeça e meio que prever o que o outro jogador vai fazer.
Assim vamos, fortalecendo os conhecimento do moleque. O próximo passo é ensinar xadrez, mas aí será uma história entre ele e a mãe, porque eu não manjo disso aí.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Dias de Edgarzinho: de declamador a vaqueiro

Seguinte: sou babão com o meu filho, sim. Mas só quando ele respira. Fora isso...

Bem, na verdade, sou bem menos babão que a mãe e os avós de todos os lados. Mas tem coisa que merece ser babada mesmo, como quando ele decide, sozinho, encarar um microfone, pede para arrumarem na sua altura e, mesmo que não se entenda tudo, declama os dois poeminhas que sabe. Foi isso que o Edgarzinho fez na VI Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em Roraima. Lá  o Coletivo Arteliteratura Caimbé ajudou a organizar um encontro de cordelistas e poetas entre os dias 18 e 20 de outubro.

Edgarzinho Borges Bisneto, que já havia declamando em um sarau do Sesc, não teve vergonha e mandou várias vezes os versos que sua avó Neide lhe ensinou.





 
 No último sabadão, dia de não fazer nada (um nada que incluiu não ir à feira, o que significa que vai ter pouca comida nesta semana), o moleque montou no Dourado, um “cavalo selvagem que vive na casa do vovô Adair”, como ele diz, referindo-se à parte materna que lhe toca.

A princípio com medo, encarou o perigo como só um índio corajoso o faz. Em poucos minutos já estava segurando na crina apenas com uma mão, levando carona e até guiando o animal.


 Com o avó materno, escritor e ex-fuzileiro Adair J. Santos


 
 Se fosse especular como muita gente boba o faz, diria que esse lance de montaria está “no sangue”: meu avô paterno, o finado Santos Figueira foi vaqueiro, dono de várias fazendas e adorava corridas de cavalos. Meu pai, seu Jucá, foi o único dos trocentos irmãos que ficou na fazenda. Rodava Roraima inteiro em suas montarias e chegou a ser jóquei quando jovem e magro. Dizem que fez seu Santos ganhar muitas apostas.

Seu Adair, avô materno, foi criado em um engenho de Palmares (PE), de propriedade do trisavô e bisavô de Edgarzinho. Desde pequeno montou, costume que passou para todos os filhos do primeiro casamento, de onde vem a mãe do Edgarzinho, dona Zanny. Ela diz que monta bem. Nunca a vi fazer isso. Aliás, ontem ela estava apavorada com o moleque dando uma de ginete.

Eu? Bom, basta dizer que aprendi a andar de bicicleta aos 14 anos. Para não dizer que nunca montei num cavalo, tenho uma foto num carrossel e outra sobre um bicho de verdade, mas só fazendo posse, lá pelos meus 2, 3 anos de vida. Essa é a prova da falibilidade do ditado “tal pai, tal filho”.

quarta-feira, dezembro 30, 2009


Calma, que 2010 ainda não chegou


Não. É a última postagem do ano. Ainda amanhã, apesar de piegas, quero falar sobre metas para 2010. Não para compartilhar, mas para poder me lembrar depois. Se ficar só na cabeça não sai nada.


Voltando esta semana ao trabalho, às calças compridas, aos sapatos e tênis o dia inteiro e ao acordar cedão 5 dias por semana. Já ganhei novamente a dor nas costas. Fruto de horas e horas mexendo com computador.


Passei as férias na cidade, vendo coisas da casa e do apartamento. Ou seja, não tirei férias. Foi mais como um sábado estendido. Ainda bem que choveu em Boa Vista durante alguns dias. Isso aliviou um pouco o calor deste pedaço quente da Amazônia.


E o rolo no Suriname? Que coisa. Os relatos nos jornais me lembram imagens de chacinas na África. E o meu pai, o velho Juca, quase se tocava pra lá dia desses. Sem trabalho aqui e na Venezuela, achava que era a melhor opção.


Meu indiozinho deve ser o único bebê que passa até 14 horas sem dormir e depois disso ainda está pilhado. Também deve ser o único que dorme só um cadinho e acorda cedo depois de um dia agitado desses.


Janeiro já jogou as malas na sala e está prestes a se deitar no sofá. Tempo de começar a preparar o dia da poesia 2010, lá pra março. Mas antes disso vem o aniversário do Edgarzinho, 10 de janeiro.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Grávido na cidade

Esse pessoal de cidade, acostumado a muito conforto trazido pela ciência do homem branco, acaba por ficar um pouco molenga. Falta-lhes um muito da fibra indígena. Até para ter um filho precisam de mil e uma coisas.

Já nós, índios, não temos tantos caprichos assim. Se é para ter um filho, tem-se um filho até no intervalo entre uma caçada e outra.

A história da minha chegada ao mundo é mais ou menos essa. Contam os mais velhos da família que quando nasci meus pais estavam em uma aldeia pemón, visitando nossos parentes índios no sul da Venezuela. Era por volta do meio-dia, o seu Juca estava pescando e dona Neide tinha acabado de colocar a panela no fogo para aquecer a água e iniciar o preparo da damorida.

Ao sentir as primeiras contrações, dona Neide mandou uma menina chamar meu pai e depois entrou na cabana. Quando o (naquela época) jovem índio chegou, esbaforido, com a vara de pesca numa mão e os peixes na outra, eu, apesar de ter nascido com oito meses, já havia tomado meu primeiro banho e estava mamando tranqüilo.

Minha mãe, índia nova, formosa, cheia de energia, ainda teria reclamado da demora de seu Juca em trazer o pescado. Comeram a damorida, beberam um cadinho de caxiri e foram dormir la siesta. Eu, o indiozinho, herdeiro das tradições, já fiquei por ali, tranqüilo, dormindo sobre o tapete de palha no canto da cabana, sentindo o calor da fogueira.

Depois de um tempo, voltamos à cidade dos brancos e seus costumes estranhos, como o resguardo de não sei quantos dias para a mulher enfraquecida pelo parto e o impedimento de comer um monte de coisas.

Já falei para a Zanny: se ela fosse ter o indiozinho nas aldeias ianomâmis, o moleque ia nascer no meio da selva, onde teria o cordão umbilical cortado com uma folha de árvore. Nada de muito tecnológico, com certeza, mas eficiente até hoje. E o moleque ainda seria mais saudável que muito menino de branco.

Mas ela insiste em quebrar as tradições de minha família e ter um filho no hospital, com anestesia e um monte de médicos. Coisas de mulher criada na cidade dos brancos.