quinta-feira, maio 29, 2008

Me ouça, seu moço...


Não, seu moço, não há nada que você possa fazer. A vida é assim mesmo e a razão diz que pode piorar. Quem sabe o senhor consiga sair dessa pra uma melhor, mas quem sabe não. Afinal, o moço já viu chuva cair sem molhar? Tudo é conseqüência, mas sempre precisa de um pouco de ação para criar a reação. É simples, facinho, facinho, mais do que sentar na praça ao meio-dia.


Seu moço, fique assim não. Deus tá vendo que é do mundo e não do céu isso que tanto lhe aperreia. Quem sabe se você rezar um pouco não solucione? Mas também é aquilo que minha senhora mãe dizia: se não der, ou não faz ou insiste até dar. A história é ser persistente, não ter medo de cara feia e parar de se apaixonar pela primeira cara bonita que aparecer na sua frente.


Seu moço, pare com isso. Veja que as horas não estão para tanto. O senhor já percebeu que em outras partes desse nosso mundo as pessoas se entristecem por tristezas de verdade e não por essa que o senhor inventou? Já pensou se não fosse assim? Era tanta gente se consultando para deixar de ser criativo, para deixar de ser inventor. Aprenda com elas, seu moço, aprenda um pouco que mudar nunca fez mal a ninguém.


É verdade, o senhor tem razão. Tem dias que o mundo, mesmo com o maior sol, parece que fica cinzão, feito restos de madeira queimada. Se assoprar, as cinzas voam, né? Mas se deixar quieto, se assentam e endurecem. Daí tem que fazer força se quiser mexer com elas. O senhor sabe, aqui nas minhas bandas a vida pode não ser tão agitada como a sua, mas é vida e a gente tenta aprender todo dia um pouquinho mais. Tentar não custa nada, né?


O senhor já viu como o sol bate naquela árvore? Sabia que ela precisa dele todo dia, mesmo sendo esturricada no verão? Acho que o senhor tem que ver se precisa de alguma coisa que lhe bem mesmo lhe fazendo mal. O senhor não é árvore, é? Como não é, pode se mexer se perceber que não faz tanta falta. Eu não acho legal ficar queimado, prefiro a sombra.


O senhor sabia, seu moço, que nas sombras as coisas ficam mais fáceis? Experimente viver de noite, esqueça isso do relógio um dia só e veja como até sorrir é melhor quando bate o frio da madrugada. Já sentiu? Hum, por isso que tá desse jeito, né? Sente saudade do frio da noite e das noites de frio. Coisa boa essa, pena que não está mais pros lados do senhor...

terça-feira, maio 20, 2008

Oia a chuva, pessoar!!!!

Falaram que o mundo ia acabar. E os boa-vistenses acreditaram:


O Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) emitiu um alerta para o Governo de Roraima, sobre a previsão de fortes chuvas vindas da Guiana, para esta segunda (19). Imagens emitidas por satélites e verificadas pela equipe de meteorologia do Sipam, reforçaram a preocupação quanto ao volume de chuvas previsto, acima do normal.


Liberado do serviço, fui fazer fiado na praça, xinguei meu chefe, chamei de gostosa a menina que é gostosa mesmo, fiz barbeiragem e atravessei sinal fechado. Não foi nada extremo de minha parte. Quase todo mundo estava assustado ontem.

“Vai para casa ficar com a mamãe. Vai ser forte”, disse a filha ausente.

“Vai ser um furacão”, contou o açougueiro.

“Tromba d’água? Precisa ver a tromba de meu namorado quando falo com meus amigos”, lamentou-se a menina.

“Ouvi falar que nevou no sul do estado”, falou a moça.

“É bom fazer logo as compras do supermercado”, avisou minha avó.

“Dizem que vai cair muito raio”, comentou um colega.

“Cara, o vento vai chegar a 100 km por hora. Vai ser irado”, alegrou-se o sem-juízo.

“Alguém me ligou e disse que alguém ligou para ele dizendo que varias casas caíram com o vento”, confirmou o vizinho.

“Isso é coisa dos ingleses. O tufão vem da Guiana. Os caras querem invadir”, disse o camelô.

“Os arrozeiros que chamaram a tromba d’água”, comentou o índio.

“Pajelança na reserva. Tudo para estragar o desenvolvimento de Roraima”, declarou o deputado.

“Porra, só fiquei sabendo disso quando cheguei no trabalho. Gastei gasolina em vão”, reclamou meu amigo.

“É bom uma tarde de folga para agilizar outras coisas”, afirmou um conhecido.

“Vou pedalar. Raios não caem em quem tem fé”, disse eu.


Quando chegou o aviso desmentindo o fim do mundo, ninguém mais estava ligado nas notícias:

O Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) negou agora há pouco pelo telefone, que tenha feito alerta de tromba d’água em Boa Vista, como divulgado esta manhã pela Femact (Fundação do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia).

Segundo o técnico que emitiu o alerta, a chuva prevista pelo sistema foi esta que terminou agora há pouco na Capital. O Sipam afirma ainda que estes alertas são comuns e que houve “equívoco” na sua interpretação.


Aí, já era tarde. Tudo o que não era para fazer havia sido feito. Parecia a música do Paulinho Moska:


Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?

Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia?
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?

Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?

Corria pr'um shopping center
Ou para uma academia?
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia?

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?

Andava pelado na chuva?
Corria no meio da rua?
Entrava de roupa no mar?
Trepava sem camisinha?

Meu amor
O que você faria?
O que você faria?

Abria a porta do hospício?
Trancava a da delegacia?
Dinamitava o meu carro?
Parava o tráfego e ria?

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?

Agora, como o mundo não acabou e o cartão está vencendo, só me resta esperar as conseqüências de meus atos.

Será que a menina gostosa ficou com raiva ou gostou?..


Quer outra visão sobre o tufão que não veio? Leia a crônica do Aroldo Pinheiro.

sexta-feira, maio 16, 2008

8 notas

  1. Este cronista está na nova edição da revista portuguesa Minguante. Acesse e leia textos que dificilmente vou colocar aqui. O tema da próxima edição é ‘desejo’, seja lá qual for o que você tenha.

  1. Coisas que somente como professor poderia viver: ser “obrigado” a ceder a minha aula de Técnicas e Gêneros Jornalísticos para uma palestra de Ricardo Kostcho, repórter e ex-assessor de comunicação do presidente Lula, e depois ir comer carneiro com ele, meu chefe Damião Marques e uma equipe da Folha de S. Paulo que estava havia 10 dias na reserva Raposa-Serra do Sol. Boas histórias e a certeza de que, se me esforçar muiiiiiiiiiiito, ainda posso ser um bom repórter.
  2. Uma nuvem de mais ou menos uns 10 km cobriu de chuva ontem à noite a cidade.
  3. A semana de trabalho continua: entrevistas e edições no sábado.
  4. Semana que vem: novas edições a fazer.
  5. Há mulheres que marcam pela feiúra. Outras que marcam pelo cheiro.
  6. Tentei, tentei e tentei, mas o haloscan parece não querer mesmo aparecer no blog.
  7. Músicas do Maná que sintetizam o que sinto pelo cabeção aí embaixo: “Eres mi religión” e “Bendita tu luz”. Se você nunca ouviu, baixa no You Tube ou busca a letra.


Meu pequeno índio

terça-feira, maio 13, 2008

Conversa reservada



- Ah, Edgar, me conta aí, descendente de índios, qual é a tua posição nesse negócio da reserva Raposa-Serra do Sol?
- Bicho...depende...
- Como assim, depende do que? Tu é a favor ou contra a demarcação em área contínua?
- Olha, eu sei que os índios têm direito, que são 500 anos apanhando no Brasil e uns 300 e poucos pegando porrada por aqui, que os caras estavam aqui antes de todo mundo.
- E então?
- Mas sair todo mundo? Até os descendentes de mãe índia com pai branco?
- Hum...
- É claro que citar esses exemplo só fortalece a causa de quem pretende entrar no bolo e não sair para não ter seus interesses econômicos atingidos.
- Traduz.
- Seguinte: arrozeiro não está preocupado com o filho de dona Maria que vai ser impedido pelo Conselho Indígena de Roraima de ficar na reserva. Tá preocupado com os seus interesses, com manter a propriedade e tal.
- Mas os caras produzem, geram emprego, pagam impostos, estão aí há trocentos anos. Eles têm direito a ficar lá, Edgar!
- Claro, mas todos estão recebendo indenização. O lance é que ninguém se agrada do valor.
- E então, vão ter que sair como todo mundo?
- Eles fazem tudo isso que tu falou, mas também tem isenção por décadas de alguns impostos, pagam mais ou menos 30% a menos em tudo que compram, se forem da cooperativa dos produtores, poluem pra caramba...E além disso, o arroz aqui não é tão barato como deveria ser.
- É o preço do progresso.
- Não, negão. Eu não vou bancar a vida mansa de ninguém que compra tudo com subsídio e ainda tira onda de coitado.
- Mas tu não acha que ficar ninguém naquele tanto de terra, só os índios e os padres e o pessoal das ONGs, é um perigo? Tem até avião dos gringos voando na região para fazer o mapeamento dos minérios e ninguém faz nada! É a internacionalização da Amazônia!
- Mermão, já começou faz tempo. Os mesmos políticos que chiam por conta da reserva nunca se coçaram antes para reverter esse processo e são os primeiros a bater palma quando chegam os estrangeiros prometendo comprar terras e fazer indústria. Qual é a diferença de fazer reserva indígena onde o branco não entra e dar terra para o gringo onde a gente também não vai entrar?
- Mas é diferente. A gente vai ser invadido e tu não se decide.
- Invasão fizeram os índios na fazendo do prefeito de Pacaraima. E pegaram bala para deixar de serem apressados. O STF não tá julgando o caso? Pra que fazer furdunço?
- Pois é, né? Mas e aí, de que lado tu tá?
- Bicho, nem os índios se entendem nessa briga e tu vai querer que eu tenha uma opinião definitiva?
- Mas tem que ter, Edgar. É a soberania do País o que está em jogo! Todo mundo já se decidiu!
- Sei: metade odeia os arrozeiros e todos os que moram lá e não são índios. A outra acha que a terra vai ser entregue às ONGs assim que sair o último branco e mestiço.
- Pois é, mas e tua opinião?
- Velho, em qualquer um dos casos eu não vou pegar um naco de terra. Então, deixa rolar. A história vai dizer que lado estava certo: os pró ou os contra a reserva em área contínua.