Uma foto
À direita, o Monte Roraima, na fronteira tríplice Brasil, Venezuela e Guiana, lar da Macunaíma, deus dos índios macuxi. À esquerda, o monte Kukenan.
quarta-feira, agosto 31, 2005
terça-feira, agosto 30, 2005
Detrás dos vidros
A dona da dor
Esquece sua força e
Baixa a guarda.
Seus olhos, protegidos pelo vidro,
Mostram pedaços de fragilidade.
A postura continua a mesma
Por alguns segundos. De repente,
Deita a cabeça e ri. Riso triste,
Parecendo um grito de socorro.
Dona da sua dor, conversa
Sobre o presente.
Lembra do passado, desanimada com o porvir.
Escudos abaixados, coloca
As armas em riste - não esquece
Por completo a sua situação - e sorri.
Maliciosa, molha os lábios com
A ponta da língua e eu,
Que me julgava senhor,
Viro uma criança dominada
Pela dona e sua dor.
Making of:
Feito de um tiro só, numa aula de história da Amazônia no milênio passado, quando cursava Jornalismo, pensando numa conversa tida uns dias ou horas antes com uma menina que muito me atraia. Classificado e interpretado num concurso de poesia, o texto foi parar numa coletânea poética impressa pelo Sesi Roraima. A palavra dor é repetida várias vezes devido ao nome da menina: Maria das Dores.
segunda-feira, agosto 29, 2005
Coisas de Roraima
Domingo, 17h30, tarde tranqüila, vento frio, o verão deu uma recuada. Nas arvores à margem do igarapé Mirandinha, muitos papagaios fazem a sua arruaça vespertina enquanto se alimentam. Na rua sem tráfego, voltando para casa, apenas eu, eles e o vento frio.
Muitas vezes é bom estar aqui.
Domingo, 17h30, tarde tranqüila, vento frio, o verão deu uma recuada. Nas arvores à margem do igarapé Mirandinha, muitos papagaios fazem a sua arruaça vespertina enquanto se alimentam. Na rua sem tráfego, voltando para casa, apenas eu, eles e o vento frio.
Muitas vezes é bom estar aqui.
quinta-feira, agosto 25, 2005
Pensamentos
Ela disse, brincalhonamente manhosa:
- Faz tempo que não te dou prejuízo nem dor de cabeça, né, amor?
Ele respondeu carinhosamente:
- É, querida. Faz tempo que você não me dá prejuízo ou dor de cabeça.
E pensou, triste e ressentido:
- Na verdade, faz tempo que você não me dá nada...
terça-feira, agosto 23, 2005
segunda-feira, agosto 22, 2005
quinta-feira, agosto 18, 2005
Atentado
Foi assim: saquei a grana na terça à noite para tocar um pouco do muito que falta do mês. Na quarta, 18h, procurando um número de telefone na carteira, o vazio. Em vez das cédulas, o nada, o agoniante nada, a maior agressão ao corpo humano que se conhece na história.
O golpe certeiro, calculado, foi frio. A carteira estava dentro de uma pochete, que estava dentro de uma mochila. Nada estava fora do lugar.
A única alegria é que não foi no começo do mês, senão o ladrão ia levar muito mais que os R$ 120 da semana.
Foi assim: saquei a grana na terça à noite para tocar um pouco do muito que falta do mês. Na quarta, 18h, procurando um número de telefone na carteira, o vazio. Em vez das cédulas, o nada, o agoniante nada, a maior agressão ao corpo humano que se conhece na história.
O golpe certeiro, calculado, foi frio. A carteira estava dentro de uma pochete, que estava dentro de uma mochila. Nada estava fora do lugar.
A única alegria é que não foi no começo do mês, senão o ladrão ia levar muito mais que os R$ 120 da semana.
terça-feira, agosto 16, 2005
terça-feira, agosto 09, 2005
segunda-feira, agosto 08, 2005
Coisas de Roraima
1- Motoristas fazem protesto na rodovia que liga Boa Vista à Venezuela. Motivo: As autoridades estão reprimindo o contrabando de gasolina, que lá no outro país custa cerca de 10 centavos de real o litro. O combustível é transportado em pampas com tanque duplo ou carros com tanques adulterados e vendido a um real ou a R$ 1, 50 aqui na cidade. Os ?pampeiros?, como são chamados, dizem que a fiscalização atrapalha, que assim não dá.
2- O governo estadual anunciou que vai fechar 171 escolas por falta de alunos. Deve ser o único Estado do Brasil onde todo mundo já passou pelas salas de aula. O número, entretanto, é sugestivo e lembra outra coisa.
3- O governo estadual investe alto na manutenção dos empregos públicos. Depois de aprovar uma reforma administrativa que extinguiu várias secretárias, decidiu continuar pagando o salário dos secretários das pastas defuntas sob alegação que a reforma havia sido muito repentina e que alguns projetos devem ter continuação. Tipo namoro estica-e-puxa: a gente termina mas continua se beijando e passeando de mão dada.
4- Três guianenses, um adulto e dois adolescentes, se envolveram em um acidente de trânsito e foram pegos com 4,647 kg de maconha recém-colhida, o que estragou o final de semana do trio e dos futuros compradores. A República Cooperativista da Guiana é a grande fornecedora da erva para o mercado local. Muitos pais não entenderam o motivo de tanto desânimo.
1- Motoristas fazem protesto na rodovia que liga Boa Vista à Venezuela. Motivo: As autoridades estão reprimindo o contrabando de gasolina, que lá no outro país custa cerca de 10 centavos de real o litro. O combustível é transportado em pampas com tanque duplo ou carros com tanques adulterados e vendido a um real ou a R$ 1, 50 aqui na cidade. Os ?pampeiros?, como são chamados, dizem que a fiscalização atrapalha, que assim não dá.
2- O governo estadual anunciou que vai fechar 171 escolas por falta de alunos. Deve ser o único Estado do Brasil onde todo mundo já passou pelas salas de aula. O número, entretanto, é sugestivo e lembra outra coisa.
3- O governo estadual investe alto na manutenção dos empregos públicos. Depois de aprovar uma reforma administrativa que extinguiu várias secretárias, decidiu continuar pagando o salário dos secretários das pastas defuntas sob alegação que a reforma havia sido muito repentina e que alguns projetos devem ter continuação. Tipo namoro estica-e-puxa: a gente termina mas continua se beijando e passeando de mão dada.
4- Três guianenses, um adulto e dois adolescentes, se envolveram em um acidente de trânsito e foram pegos com 4,647 kg de maconha recém-colhida, o que estragou o final de semana do trio e dos futuros compradores. A República Cooperativista da Guiana é a grande fornecedora da erva para o mercado local. Muitos pais não entenderam o motivo de tanto desânimo.
sexta-feira, agosto 05, 2005
Histórias de índio: sangue e frio
Madrugada do dia 24 de dezembro de 2004. Estou em Puno, cidade peruana que fica às margens do Titicaca, o mais alto lago navegável do mundo. São 3.827 msnm, muito mais que os 90 msnm de Boa Vista, pertinho da Linha do Equador.
Completo 10 dias de viagem pelo Peru. Daqui a pouco vou para La Paz, começando uma jornada que vai demorar quatro dias de muitos quilômetros em ônibus e trens até Florianópolis, onde desfrutarei de sol, praia, ostras e camarão à milanesa.
Puno foi a cidade mais fria que já encontrei nesta viagem. Iquitos, Lima, Cuzco, Arequipa e vários vilarejos não me empurraram às cinco da tarde para o quarto do hotel, fugindo da vento e da chuva.
Acordo com falta de ar. No banheiro, depois de assoar o nariz, vem uma mistura de sangue e muco que suja a pia. Consigo respirar melhor e volto a dormir.
Quando acordo, o nariz está entupido de novo. Mais sangue e muco. O bus me pega no hotel, pegamos a estrada, paramos em Copacabana e no final da tarde, com mais uma mudança de fuso horário, estou na capital da Bolívia, construída num vale e rodeada de favelas.
Mais um bus e amanheço em Cochabamba, numa região bem mais tropical, à qual estou acostumado. No caminho para Santa Cruz de la Sierra, não há mais sinal de nariz entupido. O melhor de tudo é que não tive soroche, o mal de altura causado pela falta de oxigênio.
Update: depois de estranhar que todos estivessem pensando no futuro, percebi que coloquei a data errada nestas Histórias de Índio. Foi em dezembro do ano passado. I'm sorry...:-(
Madrugada do dia 24 de dezembro de 2004. Estou em Puno, cidade peruana que fica às margens do Titicaca, o mais alto lago navegável do mundo. São 3.827 msnm, muito mais que os 90 msnm de Boa Vista, pertinho da Linha do Equador.
Completo 10 dias de viagem pelo Peru. Daqui a pouco vou para La Paz, começando uma jornada que vai demorar quatro dias de muitos quilômetros em ônibus e trens até Florianópolis, onde desfrutarei de sol, praia, ostras e camarão à milanesa.
Puno foi a cidade mais fria que já encontrei nesta viagem. Iquitos, Lima, Cuzco, Arequipa e vários vilarejos não me empurraram às cinco da tarde para o quarto do hotel, fugindo da vento e da chuva.
Acordo com falta de ar. No banheiro, depois de assoar o nariz, vem uma mistura de sangue e muco que suja a pia. Consigo respirar melhor e volto a dormir.
Quando acordo, o nariz está entupido de novo. Mais sangue e muco. O bus me pega no hotel, pegamos a estrada, paramos em Copacabana e no final da tarde, com mais uma mudança de fuso horário, estou na capital da Bolívia, construída num vale e rodeada de favelas.
Mais um bus e amanheço em Cochabamba, numa região bem mais tropical, à qual estou acostumado. No caminho para Santa Cruz de la Sierra, não há mais sinal de nariz entupido. O melhor de tudo é que não tive soroche, o mal de altura causado pela falta de oxigênio.
Update: depois de estranhar que todos estivessem pensando no futuro, percebi que coloquei a data errada nestas Histórias de Índio. Foi em dezembro do ano passado. I'm sorry...:-(
quarta-feira, agosto 03, 2005
Madrugada
Acordou de madrugada sem saber onde estava. Ao seu lado, uma pessoa sem nome. Corpo cansado, levantou e foi ao banheiro. Voltou para a cama e dormiu. Quando abriu novamente os olhos, estava só. No tórax, marcas de uma noite passada com alguém de unhas compridas. Ouviu Sunday Morning no rádio de um carro que passava na rua . Nunca soube o que aconteceu nas horas anteriores, mas a possibilidade de ter sido algo muito bom o atormentou até o último dia de sua vida.
Acordou de madrugada sem saber onde estava. Ao seu lado, uma pessoa sem nome. Corpo cansado, levantou e foi ao banheiro. Voltou para a cama e dormiu. Quando abriu novamente os olhos, estava só. No tórax, marcas de uma noite passada com alguém de unhas compridas. Ouviu Sunday Morning no rádio de um carro que passava na rua . Nunca soube o que aconteceu nas horas anteriores, mas a possibilidade de ter sido algo muito bom o atormentou até o último dia de sua vida.
terça-feira, agosto 02, 2005
Frases infantis
Na praça:
Adriana, você é sensacionalisticamente sensacional!
(Duvido alguém falar de primeira sem engasgar.)
Na rua, esperando um táxi para não pegar ônibus:
Mãe, não agüento mais essa tua mania de luxúria.
(Luxo, para maus entendedores.)
Na rua, comentando sobre a casa dos amigos:
A casa do Marcelo fica duas vezes depois do fim dessa rua.
(Sem comentários.)
Na praça:
Adriana, você é sensacionalisticamente sensacional!
(Duvido alguém falar de primeira sem engasgar.)
Na rua, esperando um táxi para não pegar ônibus:
Mãe, não agüento mais essa tua mania de luxúria.
(Luxo, para maus entendedores.)
Na rua, comentando sobre a casa dos amigos:
A casa do Marcelo fica duas vezes depois do fim dessa rua.
(Sem comentários.)
sexta-feira, julho 29, 2005
O belo...
Quinta-feira, mais uma edição do projeto Pixinguinha, que leva música de qualidade a todo o Brasil. Músicos de primeira no palco, Palácio da Cultura lotado, pessoas em pé, chegando apressadas ao espetáculo.
O show começa. Primeiro, Chico Saraiva, acompanhado de Verônica Ferriani. Um violonista de primeira e uma garota com uma voz maravilhosamente harmônica, cheia de nuances que encantam.
Depois, veio Kátia Freitas, com suas misturas de rock com ritmos do nordeste e outras influências. A noite já estava quente, o público encantado com a sonoridade já cantava ?Coca-colas e iguarias? como se fosse um grande sucesso e o cara do som insistia em atrapalhar a apresentação. Engraçado e irritante ver os músicos todos olhando para os bastidores, praticamente implorando para que tudo saísse bem.
A noite terminou com a energia de Marina Machado, mineirinha cheia de sonoridade, alegria e belas letras. E tudo isso sendo transmitido ao vivo para todo o Estado por duas emissoras de rádio, contribuindo para levar o show à grande parcela da população que não tem acesso a este tipo de evento.
...E o grotesco
Sexta-feira pela manhã, pronto-socorro estadual, visita a um amigo saído de um enfarte. Corredores do pronto-socorro cheios de macas e doentes. O cheiro insuportável do suor misturado com o de remédios. Papéis na parede do corredor dizem ?maca 1, maca 2, maca 2?, evidenciando a que ponto chegou a estrutura do Governo. A unidade semi-intensiva parece uma sala qualquer, suja e descuidada. Enfim, as cenas só reforçam minha aversão à hospitais.
Quinta-feira, mais uma edição do projeto Pixinguinha, que leva música de qualidade a todo o Brasil. Músicos de primeira no palco, Palácio da Cultura lotado, pessoas em pé, chegando apressadas ao espetáculo.
O show começa. Primeiro, Chico Saraiva, acompanhado de Verônica Ferriani. Um violonista de primeira e uma garota com uma voz maravilhosamente harmônica, cheia de nuances que encantam.
Depois, veio Kátia Freitas, com suas misturas de rock com ritmos do nordeste e outras influências. A noite já estava quente, o público encantado com a sonoridade já cantava ?Coca-colas e iguarias? como se fosse um grande sucesso e o cara do som insistia em atrapalhar a apresentação. Engraçado e irritante ver os músicos todos olhando para os bastidores, praticamente implorando para que tudo saísse bem.
A noite terminou com a energia de Marina Machado, mineirinha cheia de sonoridade, alegria e belas letras. E tudo isso sendo transmitido ao vivo para todo o Estado por duas emissoras de rádio, contribuindo para levar o show à grande parcela da população que não tem acesso a este tipo de evento.
...E o grotesco
Sexta-feira pela manhã, pronto-socorro estadual, visita a um amigo saído de um enfarte. Corredores do pronto-socorro cheios de macas e doentes. O cheiro insuportável do suor misturado com o de remédios. Papéis na parede do corredor dizem ?maca 1, maca 2, maca 2?, evidenciando a que ponto chegou a estrutura do Governo. A unidade semi-intensiva parece uma sala qualquer, suja e descuidada. Enfim, as cenas só reforçam minha aversão à hospitais.
quarta-feira, julho 27, 2005
Poesias venezuelanas
Na falta de tema próprio, poemas da poeta venezuelana Maria Jesús Silva Inserri, 83 anos. Quem não entender alguma palavra, é só perguntar.
Si nuestro amor es eterno
Entonces
¿Por qué tanta prisa?
...................
Sí
Te debo todo lo que soy.
No soy nadie
............................
No sé quién soy
Cuando me nombro.
Cuando me llamas me descubro
Na falta de tema próprio, poemas da poeta venezuelana Maria Jesús Silva Inserri, 83 anos. Quem não entender alguma palavra, é só perguntar.
Si nuestro amor es eterno
Entonces
¿Por qué tanta prisa?
...................
Sí
Te debo todo lo que soy.
No soy nadie
............................
No sé quién soy
Cuando me nombro.
Cuando me llamas me descubro
quinta-feira, julho 21, 2005
Cartesianos
Ela disse:
- Te dispenso.
Ele respondeu:
- Não concordo. Logo, insisto.
Racionalistas, encontraram seu vértice depois de avaliar suas exatidões.
terça-feira, julho 19, 2005
Reações
Ela disse, sedutora:
- Provoca-me e te devoro...
Ele respondeu, achando que era brincadeira:
- Êêê, vai brincar de jibóia, heim?
Nunca entendeu o porquê dela passar a chamá-lo de boboca depois daquele dia.
sexta-feira, julho 15, 2005
Dom da distância
O poeta fugitivo viaja pela terra
Escondido num carro,
Dentro de um trem cortador
De vales, serras e vales.
Seus amigos o esperam
Dentro de um bar,
Todos alegres com suas conquistas.
Mas nenhum
Consegue definir o conquistador
E o conquistado.
O homem e a sua poesia
Caminham por pontes,
Banham-se em rios, lagos
E banheiros imundos,
Desses colocados ao lado de uma lanchonete
De beira de estrada.
Seu grande amor muda a cara
Todos os dias.
Parece uma difícil canção
Com muitas notas,
Do tipo amada e odiada,
do tipo por todas escutada.
Com sua arte carregada nas costas,
O fugitivo poeta às vezes
Pensa na sua terra,
Nos amigos de infância
No motivo de sua fuga.
Pensa nos seus livros,
Nos seus discos,
Nos seus alguma coisa,
Em tudo.
Suas maiores conquistas
Resumiram-se a elogios.
Seus grandes fracassos
Construíram verdadeiramente
A vidinha levada naquele
Local chamado lar.
A inconformidade o fez sonhar.
Sua covardia o fez esperar
Sentado na cama.
O vivo poeta,
Transbordantemente melancólico,
Rascunha letras enquanto
Espera um ônibus,
Qualquer ônibus, desses
Que o levam a lugares
Mais alegres, mais tristes,
Sem flores ou corvos.
Sua pequena vida cabia
Naquele quarto horrível
Habitado por ele, seus irmãos,
Pais, amigos, amantes,
Inimigos e não sonhadores.
Ele não sente falta de nada.
O poeta prepara-se para fugir
Mais um dia,
Uma noite toda.
Sonha com a sua poesia,
Com o seu grande final.
Sonha, sobretudo, com
A manutenção da sua capacidade
De ser poeta e sonhar.
( Making off: escrito em 1998, foi parar numa coletânea de poesias do Sesi Roraima. Redigido no meu antigo quarto, vendo o pôr-do-sol pela janela, céu vermelho, lembrando de um filme sobre um sujeito que se descobre poeta depois de encarcerado e sonha em ter o seu bar para declamar as poesias. Há quem goste dele.)
O poeta fugitivo viaja pela terra
Escondido num carro,
Dentro de um trem cortador
De vales, serras e vales.
Seus amigos o esperam
Dentro de um bar,
Todos alegres com suas conquistas.
Mas nenhum
Consegue definir o conquistador
E o conquistado.
O homem e a sua poesia
Caminham por pontes,
Banham-se em rios, lagos
E banheiros imundos,
Desses colocados ao lado de uma lanchonete
De beira de estrada.
Seu grande amor muda a cara
Todos os dias.
Parece uma difícil canção
Com muitas notas,
Do tipo amada e odiada,
do tipo por todas escutada.
Com sua arte carregada nas costas,
O fugitivo poeta às vezes
Pensa na sua terra,
Nos amigos de infância
No motivo de sua fuga.
Pensa nos seus livros,
Nos seus discos,
Nos seus alguma coisa,
Em tudo.
Suas maiores conquistas
Resumiram-se a elogios.
Seus grandes fracassos
Construíram verdadeiramente
A vidinha levada naquele
Local chamado lar.
A inconformidade o fez sonhar.
Sua covardia o fez esperar
Sentado na cama.
O vivo poeta,
Transbordantemente melancólico,
Rascunha letras enquanto
Espera um ônibus,
Qualquer ônibus, desses
Que o levam a lugares
Mais alegres, mais tristes,
Sem flores ou corvos.
Sua pequena vida cabia
Naquele quarto horrível
Habitado por ele, seus irmãos,
Pais, amigos, amantes,
Inimigos e não sonhadores.
Ele não sente falta de nada.
O poeta prepara-se para fugir
Mais um dia,
Uma noite toda.
Sonha com a sua poesia,
Com o seu grande final.
Sonha, sobretudo, com
A manutenção da sua capacidade
De ser poeta e sonhar.
( Making off: escrito em 1998, foi parar numa coletânea de poesias do Sesi Roraima. Redigido no meu antigo quarto, vendo o pôr-do-sol pela janela, céu vermelho, lembrando de um filme sobre um sujeito que se descobre poeta depois de encarcerado e sonha em ter o seu bar para declamar as poesias. Há quem goste dele.)
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