sexta-feira, maio 08, 2020

Diário da Covid-19: rotinas, lives e aquele desconforto de dois meses distanciado do mundo

Sábado, 02.05

Osvaldo voltou para o seu galho. Me lembra uma música do Nicola de Bari esse seu vaivém pelo mundo. (Sim, música de velho. Nicola de Bari me relembra meus pais e um disco que tínhamos quando vivíamos na Venezuela). 

Saí para correr eram 6h30 e o céu estava bem nublado. 


Vi milho na avenida de barro, a chuva me pegou e dei um pique violento para voltar à casa. No meio da corrida lembrei das aulas de educação física na escola primária. Nunca fui bom de pique e sempre era o último a chegar. 




Chuvisca e do conforto de minha casa penso nas filas na frente das agências da Caixa Econômica Federal. Desde ontem, pelas fotos que vi nos grupos, tem gente esperando para sacar a grana do auxílio emergencial. Tenho sorte de não precisar disso. Poderia alegar meritocracia, como muitos, mas não. Sei que tive sorte de ter apoio para poder estudar em paz.  

Balu, fiel companheiro das manhãs. Quem vê, não sabe o quanto me perturba querendo me lamber na hora das flexões. 



Almas sebosas fizeram um card espalhando que havia mais contaminados em Roraima pela Covid-19 do que o número real oficial. O pessoal no grupo dos jornalistas comentou, perguntou e só de noite a galera da comunicação do governo se coçou para arrumar. Antes tarde do que nunca.

Dia de filme em família. O ator é o amoreco da Zanny, Will Smith. "Focus" tem cenas rodadas em Buenos Aires e eu reconheço algumas locações por conta da viagem para lá em...2017, 2018...Faz tanto tempo. Aproveito e explico/digo para Edgarzinho que os autores de certa música que toca no filme é a banda Rolling Stones. 


 
Domingo, 03.05

Oswaldo (com W, como sugeriu a Vanessa), voou. 

Finais de semana são dias longos quando não se tem para onde ir. Zanny desde ontem à tarde está chapiscando o muro. É minha poeta-pedreira ou é pedreira-poeta? De noite, depois da labuta na obra, botou um vídeo no Youtube com a Regina Lima cantando um xote que compôs. Minha compositora-pedreira-pedrita. 

E eu? De uma cadeira para outra. Incomodado com o calor e dores na cervical e nos braços não faço nada além do normal obrigatório. Não varri nem passei pano e o banheiro só lavo segunda ou terça agora. Era pra gente ter ido no APT arrumar, mas não rolou disposição. Só achei forças para ver uns vídeos sobre o uso das serras tico-tico. Está na hora da gente mexer na que compramos há meses e nunca testamos. 

Sobre planos e 2020: 


A agonia de não ter o que fazer me fez fazer o que há meses queria: fui do lado de casa, peguei um pedaço de cerâmica e pintei. Passei o tempo e me diverti. Acho que nasce um novo Basquiat.



Segunda, 04.05.20

Oswaldo não voltou para o seu galho. 

Preguiça + frio= sem coragem para sair cedo de casa e ir correr. Melhor puxar a nêga para dormir no meu peito. 

Morreu o cantor e compositor Aldir Blanc. Motivo: Covid-19. Hoje é dia de ouvi-lo muito, sobretudo Catavento e Girassol. Aldir se soma a outros 7.025 mortos até ontem no Brasil por conta do coronavírus. Norte e Nordeste registram maior número de mortes e contaminados. Roraima tem 806 casos confirmados e 11 mortes. Até ontem eram 32 pessoas internadas. Enquanto uns morrem, o que o presidente fez? Foi para manifestação em BSB a seu favor e a favor de um golpe de estado. Levou a filha pequena e bandeiras dos EUA e de Israel (subserviência que fala?) para o protesto. 


Que merda o Brasil fez? Que merda o brasil (assim, minúsculo mesmo) continua fazendo?

Jornalistas foram agredidos. O mundo político e social reage, mas o bolsonarismo não recua. Em Roraima o povo acha que jornalista deve apanhar também. Basta ser da Globolixo ou e qualquer veículo que não elogie o genocida. Todo mundo é especialista em pauta e cobertura agora.

Me diverti: fiz uma live no instagram com o Timóteo. Era para ser 20 minutos apenas e a primeira hora passou voando. Só percebemos quando o sistema do IG nos expulsou. Voltamos e ficamos quase outra hora. Algumas pessoas queridas ficaram nos acompanhando em nosso papo de boteco. Ah, sim. Não falamos de nada e falamos de tudo. Tipo aquela série de humor do Seinfeld. 



Terça, 05.05.2020

Acordei animado para ir correr, tipo umas cinco horas. Murchei quando vi que tava garoando. Só parou de chover lá pelas 9h. Saco.

Oswaldo, o viajante, voltou para seu galho. Ou será que é outro, um primo, um sósia, um irmão gêmeo? 

Oswaldo tá lá, meditando, e dois periquitos e outro passarinho no maior converse na árvore dele (ou nossa?). 

Dia de pintar cerâmica. Fiz mais uma de manhã. Acho que foi esse esforço que me deixou com dor de cabeça. 

Tarde meio quente. Trabalho remoto eu, Zanny mexendo com as mudinhas de pitanga, Edgarzinho já fez as tarefas e fica conversando com a vovó Alba sobre o jogo de celular.

Chegou e-mail de uma revista dizendo que tive um poema selecionado para a próxima edição on-line. Fiquei contente. 

Vanessa passou um som cantado em espanhol dum cantor daqui, o Murilo Modesto. Fui ouvir o EP todo e gostei. Eu passei sons que falam de migração para várias pessoas. Hoje teve música que só nos inbox da vida.

Corri de noite na escuridão da rua de barro. Minhas pernas doeram e faltou ar. Não rendeu. Não rende quase nunca.

Lua cheia na rua de barro

Pintamos, Edgarzinho e eu, cerâmicas.

13 mortos por Covid-19 em Roraima 

Quarta, 06.05.2020

Balu me acordou, Oswaldo amanheceu no galho do abacateiro, choveu até umas 9h, 10h. Pesquisei concursos literários, discuti a relevância musical de Los Hermanos com a Vanessa, trabalhei quase sem net à tarde, vi uns vídeos de matemática com Edgarzinho (minha memória de peixinho dourado para números continua a mesma). Fechei com o Timóteo para fazer uma live de noite.

Live do ano

Fizemos a live. Matamos um pouco a saudade e fizemos o povo rir um pouco. Ficou numa média de 10 a 12 pessoas, mas repetíamos para o público que eram 10 mil. Faltou energia no final e rolaram efeitos especiais. A Jéssica mandou prints pra a gente lembrar como foi. 









Quinta, 07.05.2020

Fui dormir umas 23h30. Acordei não sei que horas, mas quando cansei de tentar voltar a dormir, eram 5h06. Corri. Não queria, mas manhãs sem chuva serão raras. No grupo dos jornalistas, Cyneida compartilha matéria sobre a idiotice de um general da operação Acolhida. O cara prega a imunidade de rebanho.   

Quero, mas não consigo produzir literatura. Fico a manhã toda entre o Whatsapp e as redes sociais conversando e vadiando. A casa toda está em slow. Sobretudo o Edgarzinho, aproveitando a TV nova que lhe comprei com suas economias de mesada e outras granas recebidas dos avós durante meses. (Receber um produto em casa nunca mais será simples: eu peguei a caixa na varanda com todo o cuidado do mundo e Zanny limpou até os pés do aparelho, mesmo tendo chegados embrulhados. Desconfiança nunca é demais.).

Estou cansando da situação, do todo. Ontem a Isadora me perguntou como andavam as coisas e lhe disse:

Entre a felicidade de ter um emprego em que posso fazer trabalho remoto, a agonia de ver meia Boa Vista ignorando a pandemia e a ansiedade de ver tudo isso passar e poder fazer compras sem achar que vou pegar e passar a doença para minha mulher e filho. Ah, e com saudades de minha mãe e avó, que não visito há quase 50 dias ou por aí.
Basicamente assim ando.

De tarde, no grupo dos escritores, ficamos sabendo que a filha da Jacinta teve Covid-19 e está em recuperação. Febres intensas e outros sintomas durante dias, conta. Assustador. Fez um poema sobre isso. 



Estamos todos quebrando sem querer.

Às 18h, Oswaldo não estava na árvore. A noite está fria. Edgarzinho usa meu gorro dos Andes e boto uma manga comprida pela primeira vez no inverno. Minha mãe não atende a ligação, o vizinho prepara uma carne cheirosa que só e bebo uma cerveja na varanda. A noite e a vida ainda continuam. Vejo mais um capítulo da série Peaky Blinders, algo curto no Youtube e vou dormir.  

Sexta, 08.05.2020

É madrugada, acordo, chove, como, Zanny faz yoga, Edgarzinho e dona Alba dormem. Temos conforto, mas isso não impede o desconforto. Como será o retorno à normalidade? Quando será o retorno à normalidade? E digo normalidade porque acredito que não melhoraremos enquanto mundo. Falimos. Somos um país binário e quem está no centro é para sentir-se superior (mesmo não havendo centro que dure duas chuvas). Sabe a cabeça pesando? Sabe o tempo pesando? São nove semanas assim já. Domingo é dia das mães e eu, que nunca liguei para datas assim, morro de vontade de passar o dia com a minha velhinha, de pedir a benção de minha avó Maria José. Comemos, temos o que comer, mas isso não impede outras fomes. Somos mais que um estômago, mais que necessidades físicas. Ontem teve forró em alguma das casas por trás da nossa. O povo não aceita ficar quieto, isolado. Roraima é fronteira, terra de ninguém, terra de oportunidades. Lembro que um perfil de humor no instagram me bloqueou porque comentei que estava fazendo piadas xenofóbicas com venezuelanos e a questão do auxílio emergencial. Replicou dizendo que era crítica social. Respondi dizendo que não e apontei a outra piada do dia, homofóbica. Ganhei block... Roraima, terra onde gente se apropria de referências indígenas para repetir o discurso opressor. Quantos casos teremos hoje registrados? Essa nossa curva deveria estar caindo, mas somos irresponsáveis, somos semideuses vacinados contra tudo e contra todos depois de tantos anos de dengue, malária, paludismo, viroses sem nome e sem destino. Choveu de tarde, apareceram umas goteiras onde não havia goteiras. Um dia, quando a pandemia baixar, chamarei o rapaz que fez o conserto das outras goteiras. Quando será que voltaremos à normalidade? O que será a nova normalidade? Estou cansado deste diário e pode ser que seja o último, pode ser que não. Leila disse para ler A peste, de Camus. Baixei no celular, baixe no computador, mas tenho preguiça de ler muito em PDF. A peste, apeste, peste. São quase 18h, termina mais uma semana de trabalho remoto, minhas costas doem e não vou revisar o que escrevi hoje. Quem ler, que ache os erros. Zanny, preta linda, fez bolo e eu fiz suco de limão. 

Oswaldo não dormiu, mas amanheceu no abacateiro. E pegou chuva o dia todo.


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Este é o oitavo registro dos meus dias de quarentena e distanciamento social durante a pandemia da covid-19. Tem outras postagens aqui.


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sexta-feira, maio 01, 2020

Diário da Covid-19: oferendas, promessas de chuva e mais mortes pelo coronavírus em Roraima

Domingo, 26.04

O passarinho continua na mesma posição há quase uma semana. Só penso na sede e na fome que deve estar passando.

Cheguei aos seis quilômetros e não tropecei com ninguém nas ruas. Agora quero 6,5 km.

Metas são engraçadas. Parei de traçar a sério as metas há anos. As anotava e não cumpria pq outras coisas apareciam e as solapavam. Vamos levando. Não se chega a lugar nenhum, mas também não há dramas por isso.

Metas na quarentena: tirando correr, não tenho, não quero, não sou obrigado. O papo coach de mantenha o foco na produtividade me cansa. Se fosse mantenha o foco na criatividade talvez fosse melhor.

Cedasso li no grupo dos jornalistas que morreu mais pessoa em decorrência da Covid -19. Logo hoje que acordei pensando que talvez fosse bom a gente retomar a vida. Paramos tudo em casa no que se trata de continuar mexendo na eterna reforma. Nas últimas semanas queimaram um ventilador e um chuveiro. Não queremos chamar nem levar para evitar riscos. Estamos cansados mentalmente já. O bom é que não brigamos por isso.


O Rui falou no Facebook sobre o senhor que morreu. Na quarta foi no Palácio do governo trabalhar, no sábado deu entrada no HGR e morreu em poucas horas. Só penso no choque pra família. De uma hora para outra nessa condição.

A Isadora me mandou um lindo texto dela no wpp. Uma crônica de esperança na passagem segura pela pandemia misturada com histórias sobre suas filhas. Eu gosto dos textos dela. O dia que for a Belém vou comprar um livro de sua autoria e pedir o autógrafo enquanto tomamos um açaí.

Segunda, 27.04.

Passamos a tarde ontem no escritório, Zanny desmontando as caixas que o entulhavam desde que voltamos para casa. Eu, fiscalizando para saber onde ia colocar o que tirasse delas. Podia não parecer, mas havia uma ordem no caos. Balu nos acompanhou fielmente. Ou acompanhou o ar condicionado, nunca sabemos.

Hoje não tem corridinha, tem varridinha e passada de pano na casa. É tipo fazer remada. No final, saio esgotado.

Troca de stickers com a Adenice. Me divirto. É ela e a Cláudia para aumentar meu arquivo. E a Mirella.

O passarinho sumiu. Não está no chão, não está nos galhos abaixo. Será que o gavião pegou ou conseguiu voar? Acho que deve ter sido o gavião. Tantos dias parado...de onde ia tirar forças para voar?

Lembramos hoje dos planos que tínhamos para o Edgarzinho no mês passado, logo após os novos exames médicos de alergia: aulas de natação, aulas de inglês, aulas de desenho. Aí veio a pandemia, aí veio o isolamento, aí se foram os planos para segundo plano.

Hoje acordei cansado de ficar em casa novamente. Porque tirando a corrida solitária não vamos a lugar algum (ou nenhum, sei lá). E então, vendo os status da Sâmia, vejo que a imprensa mundial aponta que o Brasil pode ser novo epicentro mundial da covid-19...Dá umas tristezas...

Cansaço. Durmo. Almoço. Trabalho. Tarde quente. No grupo dos jornalistas chega a notícia de que o prefeito de Rorainópolis quer pedir na Justiça Federal que fechem a BR-174, impedindo a passagem de carros pequenos. Parece que os casos na cidade estão sendo importados do Amazonas. Há uma ironia nisso: sempre falaram que as correntes na terra indígena Waimiri Atroari seriam (uma entre muitas, de acordo com o momento) as causas do não desenvolvimento de Roraima. Agora podem ser a salvação.

Venezuelanos estão sendo transferidos para o hospital de campanha que foi montado para reforçar o atendimento na pandemia. O hospital, entretanto, "não possui data para funcionar por falta de equipamentos e profissionais". Que bosta de estado é este que demora tanto para se preparar para as coisas mas sempre é rápido na hora de achar culpados para suas incompetências?


Terça, 28.04

O passarinho voltou! Peguei um susto quando olhei, por força do hábito, para o galho e o vi, mofino como sempre. Contei pra Zanny e ela me disse que o nome dele é Osvaldo (não sei se com V ou W), de acordo com o Edgarzinho.


Osvaldo voltou ao seu galho

Metas de exercícios: aumentar uma flexão por semana. Agora estou em 3 x 16. Estou orgulhoso de meu combate ao sedentarismo Quando acabar o período de distanciamento em quanto estarei?

Eu não sei que horas acordei de tão cedo que foi, mas foi cedo que olhei o relógio: 4h40. Bom para evitar gente nas ruas. Quando estava na corrida vi que fizeram ofertas de novo na avenida de barro. Exatamente o mesmo da outra vez e no mesmo local: três carteiras de cigarro até o talo de estouradas, três latas de cerveja e duas garrafas de ice vodka. Essa parte eu não entendi. Um dos entes do além não bebe destilado (se forem três entes) ou é um só e não aguenta misturar muito? O que será que a(s) pessoa(s) pede(m)?


Oferendas no Paraviana. Ah, se eu fumasse...
Quis fazer algo do artigo e descobri que perdi as anotações digitais que fiz dia desses. Tive que ler tudo de novo para lembrar o que havia decidido acrescentar.

O governo do estado disse que não vai fornecer dados detalhados diariamente sobre os casos de covid-19 em Roraima. Só o básico. Aí, uma vez por semana vai liberar mais informações.

Passamos da China nos casos oficiais de mortos pela Covid-19. São 5.017 falecimentos agora. Triste recorde. Roraima aparece com seis mortes. E não falemos em subnotificações.

"E daí?".
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em 28.04.2020, sobre os 5.017 mortos por covid-19 no Brasil (conforme dados oficiais).



Quarta, 29.04

Vamos cedo para o Atacadão comprar coisas de higiene, principalmente. No caminho até lá, vemos lojas fechadas, mas lembramos que ainda não são oito horas. Vemos muitas abrindo e outras já abertas e lembramos que o comércio está praticamente todo liberado para funcionamento.

Vemos aglomerações de migrantes venezuelanos em uma área comercial na frente da rodoviária. Muita gente. Vemos os trabalhadores da construção ao lado de um igarapé na avenida Brasil em sua labuta e sem máscaras para proteger-se. Vemos na frente do abrigo Rondon ao lado da Polícia Federal aglomeração na porta de entrada....

Chegamos no Atacadão e já tem gente fazendo compras. Não fomos os únicos a pensar em evitar os horários de pico. Tem álcool em gel na entrada, muitos funcionários de máscara, mas alguns sem. Destacam-se por isso.

Vemos quase toda a clientela de máscara. Há exceções, a maioria homens. É cômico isso: casais em que só um se protege. Vemos um sujeito de uns 60 anos, com a cabeça toda branca, fazendo suas compras como se não houvesse nada de anormal nisso. E o pior é que nos tropeçamos em vários corredores.

Tem uma hora em que usar a máscara incomoda. Começa a doer a orelha. Nunca é rápido fazer compras no Atacadão. Enchemos o carrinho, pagamos, os caixas tem uma proteção de acrílico que os isola dos clientes. Bom para eles. Só queremos voltar daqui a dois meses aqui. Na saída, lembramos do tempo em que saíamos e abríamos um chocolate com a mão suja mesmo e comíamos felizes pela sensação de tarefa cumprida. Bons tempos em que só tínhamos medo de bactérias e dor de barriga.

Na volta, vemos a Guarda Municipal conversando com os migrantes no local onde estavam aglomerados na frente da rodoviária. Penso: tomara que ninguém adoeça desse grupo.

Chegamos em casa, limpamos todos os itens da compra, tomamos banho do lado de fora, já deixamos lavada a roupa. Saudades do tempo em que era só chegar e, no máximo, tirar os sapatos antes de entrar em casa.


Osvaldo no galho


Quinta, 30.04


Tem dias que são cópias de outros dias que já copiaram outro dias. Algo do tipo:
Acorda no escuro/acorda no meio claro.
Procura pelo Balu/Balu já está no pé da cama.
Osvaldo está no galho/ Osvaldo finalmente voou
Faz chá/ faz chá e café
Navega nas redes sociais, come e corre/Fica em casa
Mexe no notebook e no celular/ mexe no celular
Come, cochila/Come, entra direto no trabalho remoto
Se irrita com o trabalho/acha bacana ter o que fazer
Faz planos de produzir algum vídeo/não produz/nem pensa nisso
Estuda no app de inglês/faz vídeochamada pra mamãe/lê na rede/lê na cadeira de balanço
Vê um filme ou um episódio de série por inteiro/quase durmo no meio do vídeo
Dorme/acorda cedo/checa se o Osvaldo tá no galho/Pensa em quebrar a rotina/Deixa pra lá tudo e se conforma.

A quinta prometeu chuvas, mas foi só ventania e depois calor novamente

Sexta, 01.05.2020
Osvaldo, o pássaro meditador, alçou voo. Será que amanhã ele aparece de novo no galho?

Hoje é feriado. Nunca antes os feriados foram tão inúteis. Ou talvez sejam bons ainda: não ser obrigado a ficar na frente do computador por conta do trabalho remoto também é relaxante como um feriado em tempos sem pandemia.

Manhã: pesquiso referências para o artigo, Zanny organiza as compras em caixas, Edgarzinho joga no celular e vê programas de auditório e seus mistérios narrativos que prendem a atenção, dona Alba faz palavra cruzada.

Tarde de muito calor e algumas nuvens de chuva no céu. Desde ontem isso: apenas promessas e nada de água.

Começa a noite e Osvaldo não voltou. Chuvisca um pouco e abafa ainda mais.

O Ministério da Saúde divulga: agora são oito óbitos por Covid-19 em Roraima. No começo da semana eram quatro. No Brasil, são 3.629 falecimentos registrados nos dados oficiais.

Chegam os vídeos: enfermeiros protestavam em Brasília pedindo melhores condições de trabalho e fanáticos bolsonaristas, vestidos com roupas amarelas e bandeiras do Brasil, começaram a xingá-los e empurrá-los. A loucura desse povo é algo surreal.

Na internet, o dia foi de ataques à deputada Joice Hasselmann. O gabinete do ódio não perdoa. Por outro lado, ela sabia no que estava se metendo quando se juntou com essa turma. Queimem juntos.

Mandei o que pude para Leila ver. Conversamos um pouco. Anda como eu: entre o riso desesperado e o cansaço desta situação sanitária-política.


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Este é o sétimo registro dos meus dias de quarentena e distanciamento social durante a pandemia da covid-19. Tem outras postagens aqui.

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sábado, abril 25, 2020

Diário da Covid-19: pássaros meditando e já são mais de 40 dias na quarentena

Sábado, 18/4

Ambicioso, corri 5,5 km. Quero chegar aos seis. 

Temeroso, vou mudar minha rota dos quilômetros finais. Para fechar essa distância estou entrando nas ruas com casas e gente caminhando ou pedalando. Vou me jogar na direção do rio. Tem pedras soltas, a volta é toda subindo, mas não tem risco de aspirar o Coronavírus de ninguém. 

Ontem,  pela primeira vez na vida, participei de uma vídeo conferência. Foi para cantar parabéns ao Rodrigo, no RJ. Tinha gente de toda parte na sala. Parecia festa presencial mesmo. 

Edgarzinho acordou chorando, com saudades da irmã, que está em Brasília. Deu uma pena do bichinho... Zanny me contou depois que ontem ficaram de madrugada conversando um tempão. Saudade em tempos de covid-19.

Leitura de contos: 



A Cyneida postou no facebook as escalada dos casos confirmados oficialmente (sempre bom falar "oficialmente" para não achar que é só isso) e eu compartilhei, pedido que a galera ficasse em casa o máximo que pudesse.  Como tinha uma charge de vários coronavírus dando a faixa de melhor funcionário do mês ao Bolsonora, o Marlen não se conteve e veio defender a honra do presidente, dizendo que os midiavírus e os esquerdavírus estavam tentado derrubá-lo blá blá blá. Oh, Marlen... que dó dessa cegueira...

Ainda no facebook: havia recebido semana passada um pedido de amizade de um cara publicitário  que já foi apresentador de programas de TV. Vi em seu perifl que virou cantor gospel, fã de deus, com canal e tal. Aceite. Depois vi que se declara apoiador do Bozo. Desfiz a amizade virtual. Não sou obrigado a lidar com gente que nunca aprendeu a interpretar o Novo Testamento. 

Ainda no Facebook (e já pensando em parar de ver postagens nele): o Nei, meu primeiro editor, se declarou ontem fã do Bozo também e diz que há uma campanha contra ele por cometer muito sincericídio.. Oh, Nei... essas companhias com quem tu anda. Essas leituras tortas...

Final da tarde: cavamos buracos para replantar arvores frutíferas. 

Noite: ameaça chover, chuvisca, venta forte e eu escrevo, gravo, edito e publico um poema no youtube. Depois vou assistir a um documentário no History Channel: O Mundo Sem Ninguém - América Latina. 

Domingo, 19.04

Amanhece bem mais frio que ontem. Faço os comentários no texto do Rodrigo e devolvo seu material. Ouço jazz, a melhor música para escrever. Ócio. Almoço. Cochilo. Replantio de ipê e uma ciriguela no quintal da frente. Tomatinhos e goiabeira no quintal de trás. Tentativa de caminhar. Chuvisco.  Retorno pela metade. A visão: muita gente vindo do rumo do balneário Curupira. 

O povo lá na sala vendo a live do Roberto Carlos. O ano acabou e não notamos.


O gado foi pra rua hoje pedir golpe militar,  fim da quarentena e Deus acima de todos



Segunda, 20/05

5h10. Levantei empolgado (não confundir com levantei rapidamente). A ideia era fazer bem cedinho minha corridinha. Uns 5,7 km, rumo aos 6km. Tudo escuro. No banheiro, vento frio entra pela janela. Vamos nessa, exercitar para não surtar. Abro a porta da cozinha e bah: está garoando, chão molhado, isso não vai parar tão cedo e não tem meta que valha uma gripe em tempos de coronavírus.

Acabou a tapioca e o queijo, acabou meu café da manhã. Vou ter que sair para o super, ver gente, passar pelo risco da contaminação. Que agonia. Não vou, não.

Não são nem seis horas e já vi no grupo dos jornalistas gente compartilhando vídeos de gente que apoia a volta da ditadura. Na verdade, não abri o vídeo porque me dá preguiça abrir vídeos, mas a Cyneida veio logo abaixo descendo a ripa em estava fazendo isso e dizendo que jornalista compactuar com quem atenta contra a democracia é uma vergonha. Fadinha sensata. O outro lá, um idiota .

7h10 fui tentar correr. O céu abriu e decidi não perder a chance, mas parece que choveu mais do que havia pensado. A avenida de barro já bloqueou a passagem lá encima. Não tem como atravessar essas poças sem meter o pé na água (exatamente o que aconteceu com um homem que tentou atravessar de bicicleta, atolou e, para não cair,  teve que botar o pé no meio da lama).



Voltei, tentei fazer a rota rumo ao rio, mas também já criou poças de lama em todo lugar. Tenho que criar outro trecho em que não haja gente circulando. 

Depois de muitoooos anos organizamos um álbum de fotografias do Edgarzinho. Da barriga da mãe até seus três, quatro anos de idade. No embalo, achei umas fotos que havia mandado imprimir para meus álbuns:

2008, Edgarzinho tinha dois meses de vida

2008, almoçando com os jornalistas Luiz Valério e Tana Halu

Talvez 2009, tendo conversas místicas no Beto Carrero World  
Talvez 2009, mostrando o peitinho sexy em Floripa


Com Jonas Banhos, da Barca das Letras, em Brasília. 2009-2010

20h44. Pedimos e comemos  pizza,  está chovendo muito, um cabo de fibra ótica rompeu e muita gente está sem wi-fi. Vi nas redes o meme do bolsonaro fazendo sexo oral no pau invisível do mercado, li que hoje ele disse que não é coveiro para ficar comentando as mortes pela covid-19. Li no Twitter várias pessoas comentando que teria dito também ser ele a constituição do Brasil. Narcisista genocida. 

Bolsonoristas fizeram memes mais ofensivos e o povo ria que só, apenas para lembrar

Chove e eu não lembro mais quando foi a última vez que peguei o carro para ir a algum lugar que não fosse um supermercado. 

Terça, 21/04

É feriado na quarentena. Dia de novamente ficar em casa de mansinho.

Converso desde ontem um tantão com Marilena sobre jornalismo, jornalistas, orientações políticas e posicionamentos ideológicos. Converso um tanto também com a Vanessa, mas sobre literatura e abordagens do personagem. Igualmente falando sobre livros, Rodrigo me confirma ter recebido o e-mail com minhas notas sobre seu romance. 

Arrumei o álbum de fotos de uma viagem que fiz a Floripa há uns 10 anos. Não toquei no computador para nada, até porque nada havia de internet para tocar de manhã. 

Terminei de ler os contos do livro Faca e fui ler um encadernado do Conan. Cérebro trabalhando (ou fugindo).



Pensei em correr de noite, mas...naaaa. Não tenho força mental para isso ainda. 

Mais um dia de chamada de vídeo para falar com a minha mãe. Parece que vivemos em outro país. 

Só assim que a gente se vê agora


Quarta,  22.04.

Acordo antes dos pássaros, faço uma rota nova de corrida, passo pano na casa, troco mensagens e emails de trabalho muito antes do meu horário normal, muito antes do horário normal dos outros. Penso nas pessoas que vi chegarem às 7h nas obras aqui do bairro, os riscos que estão  passando se não usarem EPIs, penso em como estou privilegiado por poder teletrabalhar em casa. 

Meu sentimento de culpa judaica-cristã por esse pseudoprivilégio esmorece quando o Greick joga no grupo do trampo que há planos de não pagarem os nossos reajustes devidos nos próximos dois anos. Que venha a inflação comendo tudo. Que paguemos nós, o elo mais fraco do executivo, a conta do governo.  Que os bancos e todo o sistema financeiro sejam poupados, amém. 

Descobri que a Raphaela também tá fazendo um diário de quarentena. O dela se chama Diário de uma Ansiosa e esta semana estava já segundo capítulo.

Manaus está um caos e já começaram a fazer valas comuns por lá para acelerar o enterro do pessoal. 



No trabalho teve novidade, com a turma agora tendo que gravar matérias para a rádio. Então, pela primeira vez na vida, mexi com isso. Foi até legal. Só gostaria de ter sido avisado que íamos começar a atuar nessa área. 

Tô pegando bomba no meu curso de inglês. Errei ontem e hoje muitas vezes o lance de colocar o S nos verbos e fiquei sem vidas. Mas agora acho que entendi. Amanhã não me pegam, espero.

Quinta, 23.04.

6h. Tem quatro pássaros de três espécies no abacateiro. Um deles está desde terça no mesmo lugar, todo mofino. E não tem como a gente chegar lá.

A gente bate palma e grita e ele se mexe de leve. Não está mumificado pelo sol ainda, mas até quando resistirá?

Tem dias em que me sinto vazio.

11h23. O passarinho está vivo e não mumificado, como achávamos. Mas não se move. 

20h22. O passarinho ainda está lá, vivo e imóvel. 

O coronavírus segue sua jornada assassina no Brasil e as autoridades liberando um monte de coisa para o povo se aglomere mais. 



Em Brasília, Moro ia deixar o ministério, mas acabou ficando. 

No grupo da família compartilharam um meme desses do gabinete do ódio dizendo que foi só o ministro novo assumir e os casos já quase negativado. Tive que printar os dados do próprio ministério e reforçar o óbvio:

Não se confiem dessas imagens que o povo do bolsonaro manda fazer. Tenham cuidado. Não tem caso caindo,  não é invenção da mídia e não vai ter respirador para todos. Em uma pesquisa rápida dá para saberem quantas enganações os caras inventam e compartilham em memes como este.

Sexta, 24.05

Sextou em Brasília. Sérgio Moro pediu demissão do Ministério da Justiça de manhã e falou um monte do Bolsonaro. De tarde foi o Bolsonaro que falou um monte dele. Da fala do Bozo, fiz uma "cobertura" comentada no twitter, acompanhei outras, vi uma cacetada de memes durante todo o dia, ri dos seguidores do bolsonazi dizendo traídos e findei a tarde pensando: briguem, moder focas, briguem. 

Agora, algo mais próximo: o passarinho continua no mesmo galho há dias. Não se mexe para nada, mas continua vivo. Achamos que pode ser um tipo de pássaro Gandhi ou pássaro Buda em estado de meditação plena. 

O dólar bateu na casa dos R$ 6,91 nas casas de câmbio de São Paulo. 

Eu, nos stories lembrando que o Bozo taí em boa parte graças aos isentões e aos que disseram que estavam votando pela recuperação da economia

O coronavírus continuou na ativa, mas ficou ofuscado hoje pela briga de casal Moro-Bolso.

O Moro não foge ao seu hábito e liberou material para o Jornal Nacional mostrando que o Bolsonaro queria mesmo um novo chefe para a Polícia Federal para poder controlar as investigações. E também mostrou um print de sua afilhada de casamento pedindo-lhe paciência até o final do ano, quando viraria ministro do STF. Briguem, moder focas, briguem.

Teve muto meme hoje. Acho digno deixar alguns aqui para rir nos anos vindouros (tão bonito escrever "vindouros"): 

Este eu compartilhei no FB

Essa frase é minha




Meu conselho, vendo a coragem do povo em demostrar sua burrice e vendo alguns fanáticos emputecidos com os supostos movidos da saída do Moro 




Sou pessimista. Nada vai melhorar. Preparem os bolsos e corações 

Hoje fui atrás de saber há quanto tempo estamos em quarentena. Na primeira edição deste diário da Covid-19 vi que no dia 16.03 o Edgarzinho foi liberado das aulas e que dia 20.03 foi quando comecei no teletrabalho. Ou seja, faz quase 40 dias que meu filho não sai para canto nenhum e que eu não vejo a minha mãe pessoalmente. 

No grupo dos jornalistas aparecem os passadores de pano do bozo, justificando a troca do delegado geral e do ministro e ignorando as alegações de interferência. Pior raça, essa a dos passadores de pano da extrema direita. 

Sábado, 25.05.

Acho que fui dormir antes das 22h ontem. No começo do filme novo do ator que faz o Thor já estava perdendo cenas inteiras entre um piscar e outro. Resultado: cochilei e meia-noite acordei disposto que só, mas consegui dormir de novo. Aí às 4h estava tentando dormir na rede da varanda. Não consegui e lá pelas 5h decidi fazer o café da manhã. O gás acabou. Agora tenho que esperar até sete para fazer o pedido e estou morrendo de vontade de tomar alguma bebida quente. 

O passarinho continua no galho.

O gás chegou. São quase 8h. Finalmente posso fazer café ou chá e só porque não tem nada na geladeira e as compras que fizemos ontem pelo celular só chegam mais tarde.


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Este é o sexto registro dos meus dias de quarentena e distanciamento social durante a pandemia da covid-19. Tem outras postagens aqui.

Se você também está escrevendo sobre isso, deixa o link nos comentários que quero saber dos teus dias.

quarta-feira, abril 22, 2020

Noite de inverno - um vídeo poema

No sábado passado ventou forte e chuviscou. Avisos do inverno, pensei. Sentado na varanda de trás, escrevi, gravei, editei e carreguei o poema no youtube enquanto via as plantinhas balançarem.

Assiste e se gostar, curte o vídeo e se inscreve no canal para me estimular a continuar produzindo webliteratura em Roraima.