Estava eu lá ontem, com a patroa e o indiozinho, tomando meu
guaraná no quiosque do Marivaldo, no meio da praça Ayrton Senna, curtindo um
ventinho sem poluição e vendo a lua nascer, quando a conversa da mesa ao lado
começou a me irritar.
Era uma senhora reclamando para a sua amiga do calor da
cidade; de como a energia elétrica oscila e a obriga a tirar os
eletrodomésticos da tomada à noite, deixando-a cansada; de como as interrupções
no abastecimento de energia e água a estressam; da falta de uma bandeja de
carne cortada a seu gosto nas prateleiras dos supermercados e da necessidade de
toda vez ter que pedir ao açougueiro que lhe atendesse.
|
A foto do Centro de Boa Vista é de Orib Ziedson |
A senhora ainda falava que na cidade tudo era espalhado e o
mormaço do meio-dia a incomodava, sendo melhor almoçar no RU (Restaurante Universitário)
para agilizar sua vida neste horário (aqui saquei que trabalhava ou na UFRR ou
perto); de como isso possivelmente era a causa do mau humor dos colegas nas reuniões
de colegiado (aqui eu já deduzi que fosse professora).
A professora universitária continuou suas lamentações: sente
falta do mar (morava no litoral), do apartamento que era seu refúgio e no qual
ainda adora ficar quando vai visitar os pais (morava em prédio). Disse que
gostava muito de passear naquela região perto da UFSC (Ok, veio de
Florianópolis) e que ali tinha tudo o que ela precisava. Já em seu bairro
atual, é tudo difícil, não tem mercearia por perto, não tem um bom queijo para
comprar se quiser receber os amigos, o que a deixa cansada, e nem sempre está
funcionando a bomba de ar do posto de combustível perto de sua casa – “aquele
que fica ali, na avenida que passa ao lado da universidade”. Aqui eu deduzi que a docente tem um carro para
locomover-se e mora em um dos bairros que mais tem vendinhas na cidade:
Mecejana ou Jardim Floresta .
O guaraná não chegava e a Zanny estava tirando umas fotos do
moleque quando veio a pérola-mor: “isso de ter que tirar as chaves das portas
quando a gente as fecha, de ter que trancar porta do quarto com as coisas
dentro com medo de roubo é muito ruim. Isso me deixa cansada, estressada”. Ou
seja, a dona professora morava em um prédio em Floripa e nunca sentiu medo de
roubo, assalto ou furto. Eu, que conheço a Ilha da Magia e leio jornal, fiquei assim,
pensando em como meus amigos mentem ao me contar dos problemas da segurança lá.
Estava quase indo falar para ela aquela frase padrão para
gente que vem para cá obter a renda com que paga suas contas e reclama de tudo
o que não tem na cidade: o aeroporto e a BR são a serventia da casa, funcionam
todos os dias e ninguém é obrigado a ficar em Roraima se conseguir emprego em
outro canto ou ganhar a sua redistribuição de cargo federal.
Por sorte nessa hora chegou a jarra de guaraná e pude
dedicar meus outros sentidos a algo mais prazeroso do que ouvir, sem querer
querendo, a ladainha desta pessoa que não valoriza o que Boa Vista lhe dá.