Alguém bateu o meu carro à uma e meia da tarde numa rua quase deserta, com um sol de quarenta graus atrapalhando a
paz que todos deveríamos ter quando deixamos nossos filhos na escola.
Alguém bateu meu carro,
estando o carro parado esperando outro carro acelerado passar na avenida à
frente, palco de outros inúmeros acidentes leves e graves a perturbar a vida de
quem só pensava em ir ou voltar para casa, para o trabalho.
Na mesma hora em que alguém
bateu meu carro, uma mulher e um homem faziam amor em um quarto de motel na zona sul da cidade, desprezando as horas que tanto atrapalham quem só quer beijar,
beijar e beijar como se não tivessem outros amores esperando por eles.
Quando desci do carro para
conversar com a pessoa que bateu no meu carro, um homem velho subia em uma rede e se
preparava para dormir em alguma comunidade indígena sem conexão com a internet para receber a
foto das pessoas que estavam na esquina discutindo como seria solucionar o conserto do carro.
Quando tirei fotos dos carros
parados no meio da rua, a mesma internet que levou as fotos para uma nuvem
digital também ajudou o mocinho a sete quilômetros dali a pesquisar como
ensinar facilmente regra de três à coleguinha que ele quer namorar.
Quando fiquei sem visão por
conta de tanto sol que tem a uma e meia da tarde, quatro amigas olharam para o céu e pensaram em ir à praia, bronzeando-se antes que o inverno chegue e engula todas as areias.
Na mesma hora em que continuei
meu rumo depois de ter anotado o telefone do sujeito que bateu o meu carro
estando o meu carro parado, nessa mesma hora uma jovem conversava com o seu
namorado e o questionava sobre a infantilidade do roteiro da série que haviam
visto juntos ontem.
Quando comecei a escrever
isto, dias havia se passado, oficinas haviam sido visitadas, panoramas de
estresse haviam sido detalhados e desastres de todos os tipos haviam acontecido
pelo mundo.
Quando o mundo todo passava
por tudo isso acima e outras coisas mais, eu estava pensando: se eu tivesse virado à esquerda em vez de seguir reto, teria igualmente
acontecido um acidente?
Enquanto digitava as últimas
palavras, ouvi ao longe minha mulher me chamar para tomar um suco e tudo ficou
mais alegre.
(P.S.: em 2013, voltando de uma viagem às serras do Uiramutã, tive um acidente de carro, novamente numa esquina. A história está aqui.)
(P.S.: em 2013, voltando de uma viagem às serras do Uiramutã, tive um acidente de carro, novamente numa esquina. A história está aqui.)