sábado, março 28, 2020

Diário da Covid-19: duas semanas de coronavírus em Boa Vista

Segunda (16/3) amanhecemos tensos em casa. Edgarzinho tava tossindo muito, mesmo com os medicamentos. Já avisamos cedo à coordenação pedagógica que ele só iria fazer o tal simulado, mas que a partir de terça não iria mais. Ele é que não vai ficar exposto a pegar coronavírus na escola. À tarde, o governador já adiantou as férias de julho para ficar todo mundo em casa até o começo de abril. Menos mal pela questão da saúde pública, bem ruim para quem estava pensando em viajar no meio do ano. 

Perguntei no grupo da firma como ia ser, se ia ter liberação para os técnicos e tal. Não souberam dizer, fiquei irritado, quando cheguei fui cobrir uma reunião e lá avisaram que alunos e professores teriam encontros só via internet. Os técnicos deveriam manter o trabalho, a menos que se enquadrassem nos grupos de risco. Nessas horas lamento não ter nenhuma doença grave. 

Na terça (17/3) já não tinha ninguém na firma. Saí para resolver um negócio e ao voltar por uma entrada diferente da habitual vi um monte de alunos indígenas saindo do campus. Será que os caras estão tendo aula? Pior que hoje vi em algum lugar recomendações para que os parentes que estão na cidade evitem ir para as aldeias. O lance é quebrar a corrente de propagação do vírus. 

Depois de sair do trabalho, vi uns lances e escrevi isto no Twitter (fica aí o convite para me seguir lá):  


Na saída do trabalho, às 18h, na avenida Ene Garcez, Boa Vista, cidade com 4 casos suspeitos de Covid-19: 1. Atletas jogando vôlei e outros com o personal. 2. Muitas mães e crianças no parquinho. 3. Gente comprando ingresso pro cinema. 4. Bares abrindo. RR não teme a pandemia.

Uma menina, a @caamilacesar, me respondeu descrevendo outra parte da cidade: 


Filas enormes, aglomeração de pessoas na frente do Hélio Campos (está tendo alguma coisa por lá, acredito que seja teste físico dos aprovados no concurso), pessoas indo malhar normalmente nas academias, shopping lotado e por ai vai...

Na quarta (18/3) fomos rapidamente ao Atacadão comprar coisas que estavam faltando. Eu não queria ir, mas sou bem mandado pela Zanny e prefiro não encrencar por isso. Conversamos sobre o quanto a cidade parece normal e o comportamento das pessoas não aparenta alteração. Ao mesmo tempo, acho que o coronavírus vai deixar sua marca na vida cotidiana. Pelo menos no costume de lavar as mãos. 

De tarde leio a portaria que regulamente o teletrabalho durante a crise do Corona. É que me atentei: moro com duas pessoas que estão nos grupos de risco das doenças crônicas. Uma com fibromialgia e outra com asma. Vejo uma matéria que fala das teorias da conspiração sobre quem teria criado a doença e um trechinho no final me chama a atenção: 


Se o coronavírus seguir o padrão da pandemia de gripe H1N1 de 2009, ele também vai se espalhar globalmente para se tornar um quinto coronavírus endêmico dentro da população humana.

Ou seja: o que estava pensando desde cedo tem fundamento. Essa doença pode ficar rondando nossa vida para sempre. Será a virose de todo verão em Roraima. 

Falando nisso, o governo divulgou que os nove casos suspeitos de Roraima deram negativo. Acredito? Bicho...desconfio dessas assessorias em tempo de Bolsonaro e fake news como hábito comum. Será que agora vão pedir para reabrir a fronteira, já que não tem nada de mais ou vão continuar querendo só a grana da Venezuela?  

O governador e o secretário de Saúde publicaram um vídeo no Facebook bem sorridentes, dizendo que não tem casos de Covid-19  no Estado. Não falaram que precisa fazer a contraprova e eu não me lembro de ter ouvido falar de terem testado toda a população... Tempos de pós-verdade e de falta duma assessoria para dizer "menos, chefe, menos, por favor".

Conversei um bocado pelo wpp com a minha amiga Deni Argenta. Ela me diz que no Rio de Janeiro a situação não tá muito diferente daqui: todo mundo circulando feliz pelas ruas,  inclusive os que não precisariam.  Devem estar sendo guiados pela mensagem do presidente, para quem coronavirus é histeria. 

Quinta (19/3). Acordo 4h44. Enquanto preparo o café, vejo que o filho do presidente foi buscar treta com a China por conta do corona . A embaixada respondeu afirmando que o bolsofilho estava com infecção mental. Tudo Isso no Twitter. 

Vou correr na praia. É o que me relaxa. Não tem ninguém, como de costume nas manhãs de segunda a sexta. Sábado e domingo o povo chega cedo, seja para o bronzeamento, seja para passear com os cachorros
Minhas visão matutina

O fechamento das fronteiras brasileiras cresce. Agora são oito países. Fiquei pensando nos cubanos e haitianos que estavam entrando pela Guiana. Vão ficar do lado de lá sabe-se lá até quando. Alguém me diz que a maioria dos países já havia fechado a fronteira antes. 

Fiz o documento pedindo teletrabalho. A partir desta sexta já fico em casa, trabalhando de lá. Não queria consumir minha energia elétrica, mas é melhor diminuir os riscos para a família. Pelas memorandos que chegam nos sistema interno, tem muito setor administrativo da firma já praticamente fechados ao atendimento externo. Ou pelo menos, limitando ao máximo. 

Leio que a UFPR tornou o teletrabalho algo obrigatório, não mais opcional. 

A toda hora chegam dicas de plataformas de vídeo e livros abertas para a gente passar o tempo. 

Choveu no campus. 

Sexta (20). Primeiro dia de trabalho remoto. Fico sem internet justamente ao meio-dia. Comunico no grupo de trabalho que estou me virando apenas com 4G do celular, mas que já deve normalizar. Minha colega de trabalho Gérsika me avisa: estão dizendo que um caminhão puxou um fio. Tremo, mas fico tranquilo. Devem resolver isso logo. E assim vamos, trabalhando pelo celular em mais uma tarde quente do verão roraimense. 

O brasileiro sempre decepciona:


Empreendendo na crise

São mais de 20h quando chega no grupo dos escritores a notícia de que o professor e escritor Devair Fiorotti morreu devido à complicações pós-operatórias. As redes sociais se enchem de depoimentos. Eu também fiz o meu e joguei no meu perfil do Facebook. Zanny ficou triste e ambos ficamos pensando nas crianças que deixou. 


Devair Fiorotti durante um Sarau da Lona Poética, evento organizado por mim e o coletivo Caimbé

 A notícia da morte do Devair chega quase junto com as notícias do Bolsonaro desdenhando da pandemia de Coronavírus. Ao longo dos próximos dias, ele vai se dividir entre atacar quem defende isolamento social como alternativa à propagação de casos e tentar acabar com a vida dos trabalhadores brasileiros em nome da economia. E mesmo quando recua, avança sobre a gente. 


Um comentário da internet

Arregou no outro dia

Já pensou?


22 a 28/3

Minha internet só voltará a ser normalizada na terça à tarde e eu não aguento mais a OI. Edgarzinho estava que não aguentava mais ficar off-line. Eu aproveitei que não havia como entrar na Netflix e fui encarar os livros da estante que ainda não haviam sido lidos. Devo dizer que a semana foi proveitosa nesse sentido. 
Capitães da Areia, que eu achei sempre que era Capitães DE are




Livro com foco no público infanto-juvenil, muito bom e me ajudou a entender a carreira do JK. Se lincar isso com outras biografias, dá para entender melhor a época dele


Este é uma coletânea de quadrinhos. Tenho que entregá-lo em uma biblioteca, como combinei com a autora. Já deixei na UFRR e no Sesc. A próxima será a do Palácio da Cultura


Na sexta (27) iniciei este: 
Muitos bons os contos do Scliar. É um livro grosso que só, mas as leitura caminha fácil


Não fiz foto porque larguei logo, mas ainda li umas 40 páginas de Lavoura Arcaica. Não gostei do estilo da narrativa. 

A semana toda foi de trabalho remoto em casa (na segunda a UFRR editou portarias dizendo que as atividades deixam de ser presenciais por enquanto). Quero ver como vai ficar minha conta de energia depois disto. E como tem sido quentes as tardes e noites de Boa Vista




A prefeita e o governador fecharam tudo (inclusive as praias, o que me deixa triste, já que era numa delas que eu corria toda manhã), mas reabriram depois muita coisa durante a semana. Estão pagando para ver em nome da pressão dos empresários, que alegam prejuízos e ameaçam com demitir os funcionários. E os funcionários, com medo disso, apoiam a volta ao trabalho. A Casa Grande sempre vence. Em Brasília e outros estados, Bolsonaro trava uma guerra de narrativas com os governadores e a Câmara dos Deputados. Até tentar dar esculacho no governador de São Paulo ele deu, em vez de ficar quieto e conversar como gente educada no meio de uma crise. 


Acesso à minha praia querida bloqueado. 



Matemática básica dos leitos de UTI em Boa Vista. Se todo mundo cair de uma só vez, muita gente vai morrer no corredor do Hospital Geral de Roraima


Perdi uma folha onde estava anotando as coisas que queria registrar neste depoimento. Agora vai tudo memória e baseando-me nas fotos e imagens que guardei ao longo da semana. 

Entre lidas, calor e trabalho remoto, gravei dois vídeos para meu canal de youtube. Se você não está inscrito, faça o favor de se inscrever. O primeiro foi montando um lego do Batman

e o segundo foi lendo um trecho da obra Capitães da Areia. Vai lá conferir depois os dois.

Ontem, sexta (27), o governador de Roraima disse que a partir de abril as aulas serão à distância. Não explicou como vai ser. Só fico imaginando aulas via internet nas comunidades indígenas ou nas comunidades pobres de Boa Vista.... Sem noção. Vamos ver. 

Aqui a gente tinha conversado e decidido que Edgarzinho não voltaria às aulas enquanto a crise do corona não baixar. Mesmo que isso lhe custasse o ano escolar, seria bem melhor que pegar essa doença e correr o risco de morrer. Além de não termos UTIs para todos em tempos normais, o menino, asmático e sobrevivente a cinco pneumonias nos seus cinco primeiros anos de vida, era quase um alvo pintado para o vírus. 

Sábado (28). A vida tenta seguir a calmaria. Dona Alba, mãe de Zanny, está com a gente há quase uma semana. Quase todo dia faço uma chamada de vídeo para minha mãe, buscando saber como estão por lá e como estão comportando-se. Meu pai só me dá raiva com seu comportamento de risco, mas ela minimiza. Diz que ele fala muito, mas que está tomando as precauções. 


Os velhinhos de Boa Vista e os jovens conscientes


Corri hoje, ontem e anteontem. Não na praia, mas na avenida não asfaltada que tem aqui no bairro. Vamos eu e o vento nesse horário. No máximo, alguém passando de moto, geralmente os trabalhadores da construção civil, que não parou um momento suas atividades aqui no bairro. 

Tenho acordado muito antes das cinco todos os dias. Melhor aproveitar isso queimando calorias. Meu foco é chegar a 5 km em 30 minutos. Se o coração não explodir, talvez em dois meses consiga calmamente isso. Descobri que tenho fôlego para aguentar de 15 a 20 minutos sem parar e estou me aproveitando disso. 




Sinto falta da areia da praia, confesso. Temo pelos joelhos e lá na praia eu ainda pegava bronzeado nas coxas.


Quando a praia era só minha...



Vamos agora para terceira semana. Uma certeza eu tenho e já a compartilhei aqui em casa e numa vídeochamada ao meu amigo Timóteo Camargo: só não estou pior porque já praticava o distanciamento pessoal voluntário. Agora, imagina que vivia nos bares e outros locais socializando a todo momento? Esses devem estar ficando loucos já. 

(Acho que eu estou começando a ficar cansado, mas tenho reservas para alguns dias ainda)

sexta-feira, março 27, 2020

Lendo Jorge Amado: Capitães da Areia e o orixá Omolu

Fiz uma leitura de um trecho do livro Capitães da Areia, de Jorge Amado. O trecho relata a crise do Alastrim que se espalhou por Salvador e o papel do orixá Omolu nesse momento. 

Tenho o livro há muitos anos, mas andava fugindo de leituras longas, priorizando contos em vez de romances. A quarentena do Covid-19 mudou meus hábitos. 

Achei o trecho do livro condizente com o momento que estamos passando. Duas doenças e muitas vítimas entre os mais desfavorecidos ou entre aqueles que não têm como se prevenir.  

Se gostar do vídeo, deixa seu like, compartilha com os
amigos, manda seu comentário e se inscreve no canal. Prometo ser mais produtivo o quesito "criador de conteúdo".



Uma curiosidade sobre esse livro: exemplares dele chegaram a recolhidos em queimados em 1937. Alegação: seu suposto conteúdo vermelho comunista. Ou seja, o medo e a paranoia do capital e seus consequentes ataques à cultura são um fato recorrente no Brasil. 

quinta-feira, março 26, 2020

Montando lego do Batman na quarentena do coronavírus

Passando o tempo na quarentena do Coronavírus: meu filhote e eu montamos ontem um boneco Batman de lego com quase 500 peças minúsculas. Esse lego, que não verdade tem o nome de Deforme Blocks, tem uma história: fui a Lethem ano passado e comprei uma caixinha para o Edgarzinho montar. Só que havia umas duas semanas que a poeta Elimacuxi estava querendo conversar comigo e me entregar um presente.

Pois bem: fui na Guiana tipo num sábado, comprei o lego e na quarta a Eli apareceu em casa. Toda feliz me deu uma caixinha de presente. Qual não minha surpresa ao ver que era o mesmo Batman. "Te vira e monta o meu", disse a poeta.


Demorou, mas fiz. Talvez se não fosse a quarentena, não saísse. Até o Edgarzinho, que é bom das montagens, havia desistido. "São peças pequenas demais, pai", alegou. Ainda bem que ele se empolgou ao me ver sofrer. 

 Bem, agora taí: botei em vídeo o processo e algumas bobagens que estive fazendo e quase impedem a montagem.


Se gostar do vídeo, curte, compartilha e já pega a ideia para ter o que fazer nestes tempos de #coronavírus. Ah, e o mais importante: #FicaEmCasa.

terça-feira, março 10, 2020

Cien años de soledad no braço


Depois de quase três anos fiz a minha segunda tatuagem. Botei em meu braço direito um pouco do livro que mais li e reli na vida: Cien anõs de Soledad, de Gabriel García Márquez. 

A tatoo é uma ilustração do artista plástico argentino-brasileiro-baiano Carybé para uma edição brasileira do livro de Gabo.




 Embaixo da imagem vem um trecho da descrição sobre a chuvarada que caiu em Macondo: 


Llovió cuatro años, once meses y dos días. Hubo épocas de llovizna en que todo el mundo se puso sus ropas de pontifical y se compuso una cara de convaleciente para celebrar la escampada, pero pronto se acostumbraron a interpretar las pausas como anuncios de recrudecimiento.



Choveu quatro anos, onze meses e dois dias...é muito tempo de chuva caindo nos telhados... Eu adoro chuva, mas quando quero ou preciso fazer algo que demanda tempo seco e não tenho isso já começa a me dar uma agonia e já penso “tá bom, eu pedi chuva, mas tá bom”. Fico como o personagem da música Súplica Cearense, escrita por Waldeck Artur “Gordurinha” Macedo e Nelinho:

Oh! Deus, perdoe esse pobre coitadoQue de joelhos rezou um bocadoPedindo pra chuva cair, cair sem parar

Voltando à tatuagem e ao livro: um exemplar de Cien años de Soledad, que hoje está guardado e bem surrado na casa da minha mãe, apareceu numa estante da nossa casa em Guasipati, na Venezuela, quando eu tinha uns 11 ou 12 anos de idade e eu li, reli, li de novo e a cada leitura sempre descobria uma camada diferente na saga da família Buendía. E sempre, mesmo depois de ter quase trinta anos, me assustava na última página com a descrição do fim de Macondo... 

Desde 2017 eu andava pensando no que iria colocar a mais de tatuagem no corpo. Achei nas buscas essa ilustração de Carybé, a quem conhecia de citação no diário-autobiografia de Jorge Amado “Navegação de cabotagem”. O artista fez várias outras ilustrações, mas esta é a relativamente mais simples de fazer e de visualizar. As outras têm muitos detalhes e fiquei como medo de que isso se perdesse na tatuagem. 



No final do ano passado fiz a revisão textual-conceitual da dissertação de uma colega, Vanessa Brandão, e decidi guardar a grana do pagamento para fazer a tatuagem. Enrolei, enrolei e na semana anterior à volta para o trabalho percebi que ou fazia logo ou ia demorar muitos meses mais para tatuar. Pesquisei valores com uns artistas aqui da cidade de Boa Vista e no final acabou saindo mais barata do que o orçamento que havia feito no final de 2018 com outro sujeito. E ainda pude incluir a frase. 



A dona patroa Zanny Adairalba me acompanhou na sessão, feita na quarta-feira de cinzas de 2020, e fez algumas fotos. Ficou empolgada e quem sabe este ano não seja ela a fazer uma tatuagem no seu corpo moreno. 



Eu tenho uma pasta no google drive só de imagens que gostaria de tatuar. A próxima eu queria que fosse algo do Batman, algo bem tenebroso. Talvez seja na batata, mas o mais certo é que seja no antebraço, onde possa vê-la. Eu gosto de olhar para elas sempre que posso. Fico que nem pai de criança achando bonitinho, bonitinho o filhotinho. 

E você, o que gostaria de tatuar e em que parte do corpo?