Meu hálito nesta manhã me lembra um pouco das alegrias e sabores da noite passada. Bebemos, rimos, cantamos e, sinceramente não tenho certeza, mas acho que também usamos alguma coisa levemente ilegal para adoçar ainda mais a madrugada.
Começamos cedo, com um happy hour que buscava espantar as dores de um dia pesado de trabalho para ambos. Eu não te conhecia. Não, eu já havia te visto uma ou duas vezes por aí. Sim, isso mesmo. Os amigos nos apresentaram formalmente, começamos a falar de filmes, livros, política e jardinagem. Chope vai, tira-gosto vem, desafinamos algumas músicas no karaokê, discordamos sobre os rumos da economia, sorrimos muito e, se não me engana a memória, trocamos uns beijos no estacionamento do bar.
Quando a mesa começou a ficar vazia e iniciativas mais decisivas passaram a ser exigidas pelo horário, te fiz uma pergunta fundamental para definir os rumos daquela noite:
- Dorme comigo?
Então você abriu um sorriso, encostou tua boca em minha orelha e me disse, antes de mordê-la:
- Claro. Só estava esperando o convite.
Ainda bebemos mais um pouco e trocamos ideias sobre o futuro da nação antes de chegar em casa. Por sorte, meu companheiro de aluguel havia encontrado lugar melhor para passar a noite e ficamos à vontade para passear com os nossos corpos sem roupa da sala até o quarto. Li com a língua cada uma das tatuagens e sinais da tua pele enquanto lembrava de um som que ouvia quando era moleque:
“Y yo que nunca tuve
Más religión que un cuerpo de mujer
Del cuello de una nube
Aquella madrugada me colgué”
Pendurado em tuas nuvens estava quando você falou que provavelmente não amanhecerias ao meu lado. Algo como um compromisso logo cedo com o trabalho, amigos, namorado, não sei... Confesso que naquele momento eu só pensava em sentir o teu gosto e isso afetava o meu raciocínio. O depois ficará para depois, pensei.
Amanhece, abro os olhos e fico olhando para o teto do quarto, cantarolando em minha mente a mesma música da madrugada. Só me acompanham teu cheiro grudado em minhas mãos e uma mensagem no celular, na qual dizes ter gostado da noite e prometes um dia talvez repeti-la.
Enquanto tomo uma xícara de café preto, sorrio e penso em como promessas de noites boas são fundamentais para aguentar os dias cheios de rotina.