Um coral formado por120 crianças de 6 a 14 anos apresentando-se no parlatório da Universidade Federal de Roraima durante o V Painel Internacional de Regência Coral é algo comum, esperado até, tendo em vista o tipo de evento.
Mas o coral, bem afinado e levemente nervoso na que foi sua primeira apresentação, é especial. Para começar, apresenta suas músicas em dois idiomas. Os ensaios, apenas nos finais de semana, são feitos nas aldeias indígenas Tabalascada, Malacacheta e Canauanim, a mais de 20 quilômetros de asfalto, piçarra e muita lama ou poeira, de acordo com a época do ano, de Boa Vista.
Além disso, o regente do coral e seus alunos têm em comum algo mais do que o gosto pela música. Todos são wapixana, uma das etnias historicamente vítimas do que parte da sociedade roraimense costuma chamar de convivência harmoniosa entre índios e não-índios (Por convivência harmoniosa, entenda-se uma relação de subalternidade na qual a força do branco predomina).
Cristino Pereira dos Santos é o responsável pelo coral, nascido a partir de uma ação autônoma que ele chamou de Projeto Canto Indígena. Há seis meses, todos os sábados ele deixa Boa Vista para ir ao município do Cantá e ensinar música às crianças. O professor conta que a ansiedade de alguns alunos é tanta que vários começam a rondar o salão de aula uma hora antes das lições começarem, às 8h.
Os frutos começam a ser colhidos. Na estréia, o coral apresentou canções próprias e cantos tradicionais na língua materna e em português. Vestidos com saias de palha, com acompanhamento de um violão e de um violino, o coral já tem sua solista, uma chimeba (menina) que se apresentou apenas com a palha de buriti e tinta de urucum cobrindo seu corpo.
A cantoria em língua nativa, além da preservação de sua cultura, representa um trabalho de valorização da auto-estima dos indígenas. Quando algumas famílias migram para as áreas urbanas, os mais novos costumam negligenciar a herança que carregam em troca de uma integração mais rápida com a nova sociedade da qual fazem parte.
Até o final de ano, conta Cristino, o projeto deve ampliar seu alcance, consolidando o coral, um grupo de violonistas e um grupo de composição musical. Tudo isso tendo como única ajuda oficial 20 litros de gasolina mensais doados pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
Segundo o professor, seu trabalho é motivado por ter consciência que "a cultura muda a mentalidade das pessoas e que o governo não dá isso porque assim consegue controlar a gente". Uma platéia formada em parte pelos filhos da própria sociedade que ignora as necessidades dos indígenas, em parte por pessoas sensíveis à causa destes povos, além dos pais das crianças e alunos do louvável projeto de licenciatura Insikiram, mantido pela UFRR, aplaudiu a disposição do professor e seus alunos em demonstrar que 500 anos de sofrimento e exclusão é um tempo insuficiente para acabar com o orgulho de ser índio.
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