Juliana, a rainha da folia
Como é feito todos os anos, o prefeito da emergente cidade de Santa Rita dos Aparecidos, reeleito e feliz, planeja um carnaval que traga muitas divisas para o município, levantando as economias dos empresários e alegrando os foliões, que esquecem de todas as dívidas, provações, incompetências, filhos, esposas e maridos durante alguns bons e mundanos dias. A primeira providência é escolher um rei e uma rainha. Afinal, assim reza a tradição: um gordo alegre e uma morena faceira e com samba no pé devem receber a chave da cidade.
Nas escolas de samba, agitação é palavra de ordem. Os presidentes encomendam aos olheiros que caprichem no serviço e lhes tragam a mais bela das sambistas, seja ela escolhida entre as meninas da própria escola, seja entre as freqüentadoras dos clubes de pagode. Na escola Avenida da Central, a procura é frenética, afinal está em jogo não apenas a honra conquistada por uma das suas componentes de reinar na folia, mas o bicampeonato carnavalesco.
Cinco morenas são examinadas ao som da bateria. Juliana, cabelos cacheados, lábios carnudos, pernas torneadas, sorriso fácil e cintura-de-mola é a escolhida. Tem pela frente um desafio, pois as outras escolas não deixaram por menos nas indicações.
No dia da escolha, muito nervosismo. Juliana arrebata o título de rainha sem muitos problemas. Samba com alegria e desperta a paixão de vários espectadores, que oscilam entre os galanteios rudes (gostosa, tu é a mulher que mamãe sonhou para mim), os mais ou menos (nossa, namora comigo e te dou minha vida) e os metidos a poeta (tua beleza me desnorteia, linda mulher que flutua enquanto dança).
Mas Juliana não dá bola a ninguém. Ela já tem o seu homem. Isso até descobrir que ele a estava traindo com a rainha da bateria. Aí, enraivecida, promete vingança no meio da folia. Sorte do irmão do rei Momo, um repórter fotográfico escalado pela organização para acompanhá-lhos em todas as festas. Haviam se conhecido durante a visita que todas as candidatas fizeram ao prefeito. Simpatizaram logo de cara. Na primeira noite de carnaval, fuga dupla para uma praia do rio Piná. Vinho, queijo, beijos... Assim correu o mundo até a quarta-feira de cinzas, quando as obrigações do malvado mundo real separaram os novos amantes e cada um voltou a seus respectivos amores. Do velho carnaval da reeleição, sobraram apenas lembranças, uma fotografia e silêncio sobre o romance. Mas eles, lá no fundo, esperam ansiosos pela micareta, onde velhas paixões costumam esquecer tudo durante mundanas horas.
(Publicado originalmente no carnaval de 2001, no extinto semanário A Tribuna do Estado de Roraima)
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