terça-feira, janeiro 23, 2007

Conseqüências cirúrgicas

Pode acontecer de um dia surgir a necessidade de fazer uma cirurgia bucal. Algo simples, de fácil recuperação. Mas sabe como é, cirurgias sempre trazem conseqüências, têm aquele prazo de recuperação até o corpo esquecer-se do procedimento invasivo.

Primeiro vem o corte do bisturi, depois os pontos, fechando com o inchaço e o hematoma. Um espetáculo. É algo mais ou menos assim: você entra bonitinho no consultório e quando chega em casa parece uma versão pop do chupa-cabra.

No outro dia, a boca inchada não deixa você falar ou comer direito. Eis então que o verdadeiro problema surge. Já pensou se justo para aquela manhã estava prevista a apresentação do projeto de inovação científica que certamente seria aprovado pelos seus chefes e os investidores, resultando em aumento considerável de seu salário e talvez uma participação como sócio da empresa?

Pior: depois de chegar em casa, querendo repousar um pouco, a sua namorada liga e quer discutir a relação. Você tenta murmurar que aquela não é uma boa hora, que a cirurgia te deixou meio baqueado, mas ela está intransigente. Quer discutir agora os pontos do namoro, diz que você não lhe dá mais atenção, que prefere ficar em silêncio a dialogar, ameaça terminar tudo se você não detalhar como vai ser o novo você no namoro. E você, desesperado e exasperado, articula frases guturais, tenta garantir a namorada e os pontos estourando....

De repente sua mãe, velhinha e meio cega, chega em casa, trazendo um prato de lasanha. O microondas não está funcionando e o gás acabou, por isso o almoço vai rola frio. A massa dura talvez machuque a boca, mas como articular essas frases no ouvido da mãe, se ela também está um pouco surda? O jeito é gesticular, afastar o prato, negar-se a comer.
Mas para que isso, pergunta mamãe, acusando-te de ser um filho desnaturado, mal-agradecido, desses que não dão valor a uma boa lasanha feita com carinho. Mas se fosse daquela tua namorada, aposto que comias, arremata a magoada velhinha.

Forçado pelas circunstâncias, você engole uns pedacinhos da comida, deixa a mamãe feliz e vai escovar os dentes. Hum...escovar os dentes sugere abrir a boca, passar a escova pelos dentes, língua, palato... mas e se bater no machucado, como vai ser? Será que é melhor ficar com o bafão, evitar o risco da pancadinha ou fazer a limpeza, como os bons costumes da casa orientam? Optas pelas limpeza, a porcaria da escova bate nos pontos, a boca incha e você, que já não estava bonito, parece ter saído de uma briga de rua com 10 pessoas. Apanhou muito, é claro, mas precisava ver como os caras ficaram.

Ficaram rindo de ti, né, do mesmo jeito que teus amigos do trabalho quando você ligou e disse que não poderia ir, pois precisava repousar. Um desses mais engraçadinhos ainda perguntou se era operação de fimose ou tinha alguma coisa a ver com exames de toque. E o pior é que nem à merda você pôde mandar, já que a palavra exige uma abertura maior da boca e não é bom correr riscos com os pontos. Mas deixa o inchaço diminuir para todo mundo saber com quantos bisturis se faz uma operação.

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