domingo, dezembro 12, 2021

Identificação ativada: um texto sobre identidade para a revista Cult

Um texto meu foi publicado na revista Cult, na seção Lugar de Fala, um espaço aberto a leitores/colaboradores da publicação, sempre com uma temática distinta. 

O tema de novembro de 2021 foi “a arte e a educação como meios para combater
o racismo”.
Gersika Nascimento, minha colega jornalista da UFRR me avisou, fiquei pensando sobre o assunto e em 13/11 escrevi e mandei. Dois dias depois publicaram, mas eu só fui ver agora em dezembro, quase quatro semanas depois.
 

No texto, uma crônica, relato uma atividade que o Coletivo Caimbé fez numa comunidade da Terra Indígena São Marcos e ajudou a fortalecer a identidade das crianças. Quem quiser ler na revista, pode acessar aqui: https://revistacult.uol.com.br/home/identificacao-ativada/.

Ou poupar tempo e só rolar a tela para ver logo aqui, na fonte do criador. 


Identificação ativada

Era nossa primeira atividade na comunidade Campo Alegre, na Terra Indígena São Marcos, em Roraima. No pequeno malocão cheio de crianças com, no máximo, dez anos de idade, estávamos nós, o pessoal da capital que ia contar histórias e fazer outras atividades lúdicas.
 

Já havia conversado com o tuxaua sobre quais eram as etnias predominantes na comunidade. Campo Alegre, nesse então, era formada sobretudo por famílias Macuxi e Wapichana. Tentando estabelecer um elo com as crianças, falei em nossa apresentação que éramos um coletivo literário chamado Caimbé, mesmo nome da árvore característica do lavrado roraimense, e que eu e um dos meus colegas descendíamos de indígenas como elas e os seus pais.
 

Para estimulá-los a falar alguma coisa antes de começar a contação de histórias, perguntei:
 

—Quem aqui é Macuxi?


Silêncio, olhares curiosos em minha direção e para os coleguinhas. Insisti, talvez não houvesse ninguém nesse dia descendente dessa etnia:


— E quem é Wapichana?


Novo silêncio, o rosto sério nos adultos presentes e o olhar ainda mais curioso nos pequenos. Apelei.


— Quem aqui tem pai ou mãe Macuxi ou Wapichana?


Todas as mãos se levantaram, alguns falaram que o pai era de uma etnia e mãe de outra ou que apenas um dos pais era indígena. Em segundos traçaram toda a genealogia do núcleo familiar. Engatei o discurso de fortalecimento da identidade:


— Ah, que legal saber sobre vocês! E vocês sabiam que se nossa mãe ou pai é indígena, nós também somos, vivendo aqui na comunidade ou lá na cidade? Então me digam: aqui é Macuxi ou Wapichana?


Todas as mãos se levantaram, falei mais algumas coisas, meus colegas deram continuidade às ações e fomos embora depois, rumo à comunidade de Vista Alegre, repetir os trabalhos do projeto Caminhada Arteliteratura. Voltamos para a capital e retornamos duas ou três semanas depois para Campo Alegre. Era um sábado de muito vento e desta vez havia mais crianças. Quis testar se a conversa sobre identidade havia surtido algum efeito e perguntei novamente se havia algum indígena no malocão.


Todas as mãozinhas se levantaram. Sorrindo, olhei para os meus colegas e para os adultos da comunidade e insisti no detalhamento, perguntando sobre quem era de qual etnia. Um garotinho levantou as mãos para identificar-se tanto como Macuxi como Wapichana. Lembrei que na primeira visita ele não havia se identificado como pertencente a nenhum grupo e comentei isso com os adultos.
 

— Ah, ele chegou na casa dele, falou com os pais e desde aquele dia fica por toda a comunidade dizendo “eu sou indígena, eu sou Macuxi, eu sou Wapichana” — contou alguém, sorrindo e acrescentando que outras crianças também haviam começado a identificar-se como pertencentes às etnias.


Quando saímos rumo à próxima comunidade, estava muito feliz. Em uma terra como Roraima, onde até bem pouco tempo era vergonhoso identificar-se como indígena, ver crianças assumindo orgulhosamente essa identidade é um sinal de belas e boas mudanças. De todas as recompensas que me trouxeram as viagens do projeto Caminhada Arteliteratura, essa foi a maior de todas.


 
Edgar Borges é escritor, jornalista e articulador do grupo literário Coletivo Caimbé. Mora em Boa Vista, RR.

 

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Para saber mais sobre a Caminhada Arteliteratura, projeto cujo nome fazia referência ao neologismo que criamos e fazia parte da antiga denominação do Coletivo Caimbé, basta clicar aqui.  

 

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