sexta-feira, agosto 17, 2007

Grávido na cidade

Esse pessoal de cidade, acostumado a muito conforto trazido pela ciência do homem branco, acaba por ficar um pouco molenga. Falta-lhes um muito da fibra indígena. Até para ter um filho precisam de mil e uma coisas.

Já nós, índios, não temos tantos caprichos assim. Se é para ter um filho, tem-se um filho até no intervalo entre uma caçada e outra.

A história da minha chegada ao mundo é mais ou menos essa. Contam os mais velhos da família que quando nasci meus pais estavam em uma aldeia pemón, visitando nossos parentes índios no sul da Venezuela. Era por volta do meio-dia, o seu Juca estava pescando e dona Neide tinha acabado de colocar a panela no fogo para aquecer a água e iniciar o preparo da damorida.

Ao sentir as primeiras contrações, dona Neide mandou uma menina chamar meu pai e depois entrou na cabana. Quando o (naquela época) jovem índio chegou, esbaforido, com a vara de pesca numa mão e os peixes na outra, eu, apesar de ter nascido com oito meses, já havia tomado meu primeiro banho e estava mamando tranqüilo.

Minha mãe, índia nova, formosa, cheia de energia, ainda teria reclamado da demora de seu Juca em trazer o pescado. Comeram a damorida, beberam um cadinho de caxiri e foram dormir la siesta. Eu, o indiozinho, herdeiro das tradições, já fiquei por ali, tranqüilo, dormindo sobre o tapete de palha no canto da cabana, sentindo o calor da fogueira.

Depois de um tempo, voltamos à cidade dos brancos e seus costumes estranhos, como o resguardo de não sei quantos dias para a mulher enfraquecida pelo parto e o impedimento de comer um monte de coisas.

Já falei para a Zanny: se ela fosse ter o indiozinho nas aldeias ianomâmis, o moleque ia nascer no meio da selva, onde teria o cordão umbilical cortado com uma folha de árvore. Nada de muito tecnológico, com certeza, mas eficiente até hoje. E o moleque ainda seria mais saudável que muito menino de branco.

Mas ela insiste em quebrar as tradições de minha família e ter um filho no hospital, com anestesia e um monte de médicos. Coisas de mulher criada na cidade dos brancos.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Identidade

Passamos a vida toda tentando demarcar o nosso território, querendo que as pessoas reconheçam o nosso valor e pelo menos saibam o nosso nome.

Matamos um leão a cada dia, fazemos pós-graduações, escrevemos livros, fazemos grandes trapaças, lideramos revoluções espirituais, obtemos enormes conquistas.

Usamos até crachás para facilitar a vida dos desmemoriados. Colocamos o nosso nome em caixa alta na mesa, no e-mail e no adesivo do carro para garantir o processo.

Brigamos com os nossos colegas de aula quando trocam o nosso nome e tentam nos sacanear com apelidos. Pronunciamos com um quê de irritação as letras de nosso nome quando alguém pergunta pela segunda vez ou o escreve errado.

Daí, quando chegamos à vida adulta, com um nome relativamente conhecido pelo menos entre um pequeno círculo de amigos, vemos que nada disso vale a pena.

Perdemos a nossa identidade para uma coisinha que ainda não nasceu ou que está recém nascida. Para os amigos, viramos simplesmente "o pai de Fulano" e a "mãe de Sicrana".
O que compensa é que um dia talvez possivelmente o mesmo vai acontecer com eles.

terça-feira, julho 24, 2007

Comidas

Ela disse, sedutora:

- Tenho para ti esta noite beijos, queijos e vinhos. Depois deles, o que pode acontecer conosco?

Ele respondeu assim, meio sem entender a óbvia segunda intenção:

- Não sei...ter uma indigestão?

Perspectivas nada animadoras surgiram no horizonte a partir daquele momento.

sexta-feira, julho 13, 2007

Peso

Diz a revista da semana passada: "a partir dos 30 anos, o peso das pessoas aumenta de 0,5 a 1 kilo por ano."

Fazendo contas simples: como já estou um pouco acima do que considero meu peso normal e tenho apenas 1,64 m de altura, a previsão é que devo chegar aos 41 com 79 kg ou 74 kg, considerando o registro atual.

Resultado: nada melhor que continuar indo todo dia à academia. Faz bem pros joelhos.

quarta-feira, julho 11, 2007

As guitarras pedem passagem


No mês do rock, Boa Vista está cheia de motivos e shows para celebrar. Nos dias 13, 14 e 15 será realizado o maior evento de rock brasileiro acima da Linha do Equador: é o III Roraima Sesc Fest Rock, com 29 bandas participantes, entre as locais e as representantes da Venezuela, do Amazonas e de Rondônia.

Parte das bandas vai apresentar suas próprias composições, sedimentando um trabalho que já tem algum tempo em gestação e é muito discutido: evoluir do simples cover para o rock autoral, fortalecendo a cena local.


No dia 20 as bandas se encontram para outra noite de muito rock com sabor macuxi e a convidada especial: Matanza.


Ou seja, rock não vai faltar neste restante de mês. Para o próximo já tem homenagem a Raul Seixas e outros eventos sendo preparados.
Enquanto isso, eu fico aqui, batendo cabeça com a monografia...

sexta-feira, julho 06, 2007

Parabéns para mim e para
quem gosta deste blog


Pois não é que o Crônicas da Fronteira chega neste sábado, 7 de julho, ao seu terceiro aniversário, cheio de gás e algumas dívidas, mas disposto a correr alguns quilômetros a mais para servir como canal de expressão deste blogueiro índio?

Escrever por três anos neste blog tem sido uma experiência de aprendizagem contínua. Gostei de algumas muitas coisas que escrevi, refleti sobre outras e concluí que não valia a pena tê-las publicado, conheci pessoas de muito talento e disposição para usar a blogosfera como veículo de comunicação, ganhei alguns elogios e colecionei críticas construtivas e destrutivas.

São 324 postagens sobre os mais diversos assuntos, com 22.069 acessos do dia 12 de julho de 2004 até as 16h14 do dia 6 de julho de 2007, conforme o contador, sendo 53 da Argentina, 74 da Venezuela e 488 dos Estados Unidos.

Por aqui, já escrevi sobre quase tudo, a saber:
Sexo
Romance/amor
Guerra do Iraque
Gente bêbada
Viagens à Venezuela, Peru, São Paulo, Floripa e não sei que outras cidades
Amigos
Lúpulo com cevada
Música (todos os estilos)
Orkut
Garimpo
Coisas de Roraima
Dificuldades com o Haloscan
Sociologia
Jornalismo
UFRR
UERR
Amigos
Memórias
Reservas indígenas
Política local
Trabalho
Férias
Casais alegres, ranzinzas e tristes
Outros blogs
Blogagens coletivas
Poemas
Etc., etc...



O primeiro post foi este aqui:

Quarta-feira, Julho 07, 2004

O Casal

- Me beija?
- Não.
- Por quê?
- Não tô afim.
- Me abraça?
- Não.
- Por quê?
- Tás muito suada.
- Coça minhas costas?
- Não.
- Por quê?
- Tão cheia de areia.
- Então, tá. Mas, ô, sexo, nem pensar.
- Por quê?

# Edgar Borges @ 10:37 AM


Agora, vou lá fora que parece que alguém está disposto a pagar a festa do terceiro aniversário.

terça-feira, julho 03, 2007

A noite de Beth

Elizabeth está que arde de paixão. Hoje, sacio minha sede de ti, Luizão, pensa enquanto beija o rapaz. Para Elizabeth, a noite até agora está quase perfeita. A festa com a turma do trabalho correu bem, a troca de presentes compensou o investimento no perfume para a moça da recepção e o jantar foi ótimo.

Mas Elizabeth deseja mais da noite. Anseia lamber cada pedaço do Luizão, que apesar do nome é baixo e magrinho. Luizão, Luizão, me mostra de onde você tirou esse apelido, voa a frase pela cabeça de Elizabeth.

Beth tira a sua roupa enquanto dança ouvindo os Beatles tocando Love me do. Ela gosta do Luizão desde que o moço começou a trabalhar como assistente administrativo na empresa. Beth acha as mãos de Luizão lindas e seu queixo másculo. Quando o rapaz passa carregando algumas pastas, ela fica olhando a sua bunda, imaginando como seria apalpá-la.

É, Luizão, hoje tu escapas de um raio, mas não de mim, pensa Beth, tomando mais uma taça de vinho e avançando para a cama vestida apenas de perfume e desejo. Sobe no colchão com um movimento diagonal e a luz do abajur joga sombra em seu bumbum, o sonho de consumo de muitos solteiros e casados dos prédios onde vive e trabalha.

Luizão deve estar que nem se agüenta também, feito eu, pensa Elizabeth, louca para beijar, morder, arranhar e fazer com o moço qualquer outra ação imoral que venha a lhe passar pela mente.

Beth esfrega seu desejo nas pernas de Luizão e sobe, preparando-se para ações mais íntimas quando percebe um certo, hummm, desânimo, para chamá-lo assim, no moço.

Parece que a auto-estima anda baixa por aqui, pensa sarcasticamente Beth, disposta a fazer uma terapia rápida para solucionar os problemas do rapaz e assim tocar a noite a contento.

Mas Beth, pobre Beth, talvez não sacie sua fome hoje. É que Luizão, empolgado com a festa e com a quase certeza de uma noite de paixão garantida com Elizabeth, acabou comemorando antes da hora a vitória do jogo ainda não jogado. Resumindo, entornou demais as copas, misturou muita cerveja com alguma vodka e um pouco de vinho e agora, tsc, tsc, surge bêbado e em magnífico ronco na frente de Beth.

Pobre Beth, ela hoje escapa de um raio, mas não de ir dormir com fome e com sede. E ainda corre o risco de Luizão vomitar a sua cama. Afinal, ninguém sabe o que e como pode sair dessa mistureba alcoólica.

sábado, junho 16, 2007

Caindo na estrada


Sábado: até Pacaraima, cerca de 200 km

Domingo, mais 18 km e pega um bus de Santa Elena até Puerto Ordaz, mais ou menos 600 km


segunda, terça e quarta, aqui:
Quinta, pegar o bus de volta à noite, atravessar quatro ecossistemas diferentes (cerrado, selva, serra e a savana venezuelana), amanhecer em Santa Elena e chegar em casa lá pelo meio-dia, passando por mais dois ecossistemas (serra e cerrado).
Quem disse que viajar não é entrar em contato com a natureza?
Fora isso:
Acaba neste domingo o arraial Boa Vista Junina 2007, uma promoção da Prefeitura de Boa Vista. A apuração do concurso de quadrilhas, a grande atração da festa, deveria ser neste sábado, mas uma chuva com ventos muito fortes atrapalhou tudo na sexta e os últimos dois grupos sobem ao tablado hoje.
Semana que vem começa o Arraial do Anauá, uma promoção do Governo do Estado.
As chuvas deixam a cidade menos estressante para quem não gosta de calor. Já quem se locomove de bike ou moto, sofre. Olha o depoimento da Sâmia, chateada com a chuva.
A partir de agora, postagens direto da Venezuela, dependendo do tempo livre.
Promessa de viagem: ao voltar, quebrar algumas barreiras de tempo pela monografia e mais uma tentativa de retomar contato com algumas pessoas das quais gosto muito.

quarta-feira, junho 13, 2007

Minguante

A revista online Minguante completa um ano de micronarrativas e aborda nesta edição o tema “celebração”.

Apresentado a ela pelo Avery, surjo contentemente nesta edição como colaborador.

Os editores já lançaram o tema da próxima edição (espelhos) e esperam colaborações. Quem quiser, vá lá e saiba como participar.

terça-feira, junho 12, 2007

Primeiro round

Uma semana depois, eis que a introdução foi acertada e o primeiro capítulo foi parido, num processo que engoliu o feriado, o final de semana e muitas horas à noite.

A certa altura, nem uma palavra era produzida, tamanho o cansaço mental e o bloqueio criativo. O professor gostou das 13 páginas apresentadas, pediu apenas para que explicasse melhor o que essa tal de socialização que tanto escrevo e não explico.

Agora, vamos ao parto do segundo capítulo, o que implica arranjar tempo para chegar aos entrevistados, além de sorte e habilidade para conseguir extrair deles a informação que preciso.

Fora isso, tenho que bolar um nome bem bacana para a monografia...Me parece que essa será a parte mais difícil.

Mas...antes disso...vamos ver as luzes de Puerto Ordaz, Upata e, oba-oba, Guasipati, minha cidade natal, numa viagem à trabalho para a Venezuela...acho até que vou tomar uma Polarcita...ou seja...haverá um certo atraso na pesquisa...mas o dia 4 de julho não perde por esperar.

..........

12 de junho

Aos que têm, parabéns pelo dia dos namorados.

Aos que não têm, ainda há esperança para o ano que vem.

Aos que não têm, mas são apressados, o dia só termina à meia-noite. Pelo menos uma boca livre deve andar procurando outra boca livre.Afinal, a desesperança é a última que morre.

quarta-feira, junho 06, 2007

Presentaço...

Segunda, 4 de junho, 11h40, Departamento de Ciências Sociais da UFRR, uma conversa com o meu orientador:

- Professor, posso entregar a monografia até quando?
- Hum...
- Melhor, até quando devo entregar a monografia?
- Ah, agora sim. Pelo prazo legal você tem até 4 de julho para entregar e 17 para defender.
- 4 de julho...4 de julho não é daqui a um mês? 30 dias para fazer tudo?
- Ahã.

Por tudo, entenda-se complementar a introdução da mono, fazer o capitulo do referencial teórico, o que implica caçar mais teoria, fazer a pesquisa de campo e passá-la para o papel com analise crítica. No final, claro, acrescentar as considerações finais e encarar a banca.

No meio do caminho, uma viagem a trabalho para a Venezuela, falta de tempo, “brancos” e “travas” redacionais e um computador velho e sem memória que pára quando esquenta.

Esse foi o meu presentaço de aniversário. Como sempre pensava a cada começo de semestre, devia ter me inscrito em um cursinho de inglês.

sexta-feira, junho 01, 2007

Frases, apenas para não deixar passar batida a semana


No orkut:

“Sorte de hoje:Você aproveitará uma oportunidade em breve”


(Uai, mas se é de hoje a sorte, a frase não deveria ser algo do tipo “oportunidade hoje”? Quando é em breve mesmo?)


No trabalho, o colecionador de DVD’s alternativamente distribuídos:

- Talvez eu vá ao cinema ver “Piratas do Caribe”.
- Eu nunca vi um filme com nome tão apropriado para se assistir em casa enquanto ele passa no cinema.
- Como assim? Não entendi....
- PIRATAS do Caribe, ou seja, quase Piratas NO Caribe...


Seu Juca, meu pai, às seis da manhã, vendo homens de meia idade correndo e caminhando:

- Quando eu vejo esses caras nessa idade fazendo exercício só me vem a cabeça que eles estão fazendo isso obrigados.
- Como assim, pai?
- Aposto que o médico falou que precisavam se exercitar e mandou eles correrem para não ter problemas de saúde.
- Sim, e daí?
- É justamente por isso que eu não vou ao médico, para evitar alguém me ameaçar com problemas de saúde.

terça-feira, maio 29, 2007

Músicas e adendos


"Ando devagar porque já tive pressa" e os meus joelhos agora doem um pouco...

quarta-feira, maio 23, 2007

Histórias de amor familiares



Edgar Borges Ferreira, meu avô, é um poeta que nunca fez poesias. Eis a resposta escrita dele à minha pergunta sobre o começo do namoro com minha avó, dona Maria José, na segunda metade da década de 1940. Se alguém me arranjar descrição melhor para um começo de relacionamento, pago um sorvete.

Edgar Neto: começou o namoro de vocês?

Edgar Avô: um primeiro olhar de reconhecimento; um segundo olhar mais desembaraçado; um terceiro olhar totalmente correspondido; um aperto de mãos e a explosão da paixão.

segunda-feira, maio 21, 2007

Amores fumantes


Ela perguntou, em tom já visivelmente irritado:

- Você não está mesmo percebendo nada de diferente em mim?

Ele, preparando-se para o pior, respondeu hesitante com outra pergunta:

- Éééé... alguma coisa de maquiagem ou nas roupas?

Mostrando seus cabelos, ela disse:

- Se você prestasse mais atenção em mim, teria percebido que fiz mechas na cor tabaco! Mas você não olha direito!

Para livrar-se de qualquer pena, ele contra-atacou:

- Meu amor, é claro que tinha percebido. Tava só brincando contigo. Vem cá pra te fumar todinha, vem...
Amores fumantes

Ela perguntou, em tom já visivelmente irritado:

- Você não está mesmo percebendo nada de diferente em mim?

Ele, preparando-se para o pior, respondeu hesitante com outra pergunta:

- Éééé... alguma coisa de maquiagem ou nas roupas?

Mostrando seus cabelos, ela disse:

- Se você prestasse mais atenção em mim, teria percebido que fiz mechas na cor tabaco! Mas você não olha direito!

Para livrar-se de qualquer pena, ele contra-atacou:

- Meu amor, é claro que tinha percebido. Tava só brincando contigo. Vem cá pra te fumar todinha, vem...

quinta-feira, maio 17, 2007

Amor com capuccino


Ela disse, chateada:

- Não consigo esquecer dele. E não é por achá-lo lindo, pela elegância que transborda ou pela forma sempre gentil com que me tratou.
- É pelo sexo então?
- Não. Adorava fazer sexo com ele, mas também adorava ficar apenas sentindo o seu coração bater.
- É pelo dinheiro, pelos presentes?
- Pára com isso. Sou mulher de depender de homem para ter alguma coisa? Sou rica de terceira geração.

Irritado, ele perguntou:

- Pô, então o que é que esse sujeito tem de tão especial?

Suspirando, ela respondeu:

- Ai, acho que é por causa daquele maldito capuccino expresso que ele me entregava na cama todo dia ao acordar...

segunda-feira, maio 14, 2007

Sobre domingos chuvosos



Abrir a janela, ver a água da chuva cair e ouvir música bem baixinho, com pouca luz no quarto, é uma das coisas mais agradáveis que o inverno amazônico me proporciona. Descobri o gosto desse vício/prazer justamente em um domingo, ouvindo o blues “Come Rain or Come Shine”, a última faixa do disco Riding With The King, uma parceria do B.B. King e do Eric Clapton.

Dependendo da música e do que estiver fazendo, o som também me leva a refletir e a relembrar fatos da vida. Neste domingo, chuva lá fora, música latina aqui dentro, leio na revista Caros Amigos um artigo do Ferréz sobre uma biblioteca comunitária em São Paulo enquanto Franco de Vita faz a trilha. Ferréz fala sobre ativismo, envolvimento, Franco canta amores e amizades. Em comum, abordam ações e reações, propostas, sentidos para a existência.

Na essência, ou pelo menos para onde levo meus pensamentos, discutem como eliminar inconformidades e superar seus limites. E eu, inconformado por natureza, preguiçoso por opção, começo a pensar se a vida assim como está é tudo, lembro de conhecidos que fazem do trabalho a bússola de seus dias, transformando os resultados na empresa ou repartição o ponto alto de sua biografia.

Em um giro rápido, esqueço dos outros. O egoísmo e a vaidade são marcas de minha profissão. Penso no meu gosto pela escrita, pelas crônicas, pela expressão de pensamento. E vem o questionamento: por que escrever? Isto é, escrevo por necessidade artística e intelectual, o que inclui fazer algo além da maioria das pessoas, ou por ver o meu nome nos veículos que recebem as minhas colaborações, puro narcisismo?

Sem chegar a nenhuma conclusão, percebo que por dinheiro até hoje não foi. Segundo meus extratos bancários, 11 anos depois de ter publicado o primeiro artigo em um jornal local, ainda não recebi remuneração alguma por uma linha publicada em mais de 10 jornais e sites de Roraima e outras partes do mundo. Se é fama ou cartas dos leitores o que procuro, então alguém deve estar levando os louros e recebendo os e-mails.

Vinte músicas se passam, a chuva cessa e volta, e eu ainda não chego a nenhuma conclusão sobre a real motivação de escrever textos que não se encaixam no exigido pelo cotidiano de minha profissão. O jeito deve ser continuar vivendo e ouvindo músicas no escuro do quarto para tentar achar a resposta.

quinta-feira, maio 10, 2007

Dias no garimpo



Acordamos cedo. A noite foi fria, choveu. Ainda bem que nenhum mosquito apareceu para incomodar. Talvez o frio os espante. Todos já se levantaram, sou o último a deixar a rede. Com uma toalha servindo de casaco, escovo os dentes com água tão gelada como se fosse retirada de uma geladeira.

Venta levemente, a temperatura ambiente mudará em breve, depois que o sol conseguir espantar de vez as nuvens. Por enquanto, frio. Dormir num barracão sem paredes não é muito agradável. O café da manhã é frugal e deve ser engolido rápido, pois as máquinas já estão ligadas.

Juntar e lavar o cascalho, segurar na mangueira e direcionar o jorro para o material. Agora é esperar que desse monte saia uma pedra pelo menos. Parte da produção é dos peões, mas é o chefe quem sempre ganha. Ele leva o produto para a capital, vende pelo melhor preço e repete de novo que a cotação está pior do que na última vez.

Almoçar em menos de cinco minutos, correr para continuar o trabalho, chamar o colega da vez para que ele também corra...

De um acampamento a outro, muitos igarapés represados com a areia de seu próprio leito, cheios de mercúrio. A água, apesar de transparente, não é boa para beber nem tomar banho. A camada vegetal some, sobra o branco da argila e sua asfixiante refração que aumenta o calor do meio-dia.

São 20 horas e ainda há pessoas trabalhando. O trator não pára de juntar material. A cozinheira já terminou a janta, gordurosa, calórica, quem trabalha o dia inteiro sente muita, muita fome. Uns comem nas redes, outros em pé, o restante em bancos improvisados.
Urinar, defecar, escovar os dentes, tomar banho, trabalhar. Não há paredes por aqui. Tudo é feito em contato com a natureza, ao ar livre.

O ouro que sobra nas pequenas cicatrizes do acampamento alimenta o sonho das moedas a mais ou a gorjeta da Guarda Nacional, que parece estar ali só para ser agradada e não ficar desagradável.

Hora de partir, banho rápido usando a própria mangueira de lavagem de material. Atravessamos a savana, deixamos para trás corruptelas, suas casas feitas com latas de querosene e a vila principal. Agora é voar por uma hora e voltar à vida urbana normal.

quarta-feira, maio 09, 2007

segunda-feira, maio 07, 2007

Chegaram as águas de maio

Finalmente o verão amazônico está chegando ao fim. Chove em Boa Vista desde o sábado à noite, com pequenos intervalos para dar um tempo à terra seca, desacostumada às chuvas.
As noites agora ficarão mais frias, nada parecidas com os últimos dias, por exemplo, quando o calor, somado à falta de brisa, parecia asfixiar a cidade. Agora ficará mais fácil de sair no meio da tarde sem sentir a pele queimando.
O inverno é bom para os agricultores plantarem, é bom para pessoas como eu, que ficam de mau humor quando está muito quente. É ruim para quem inventou de fazer casas sobre os lagos que havia na cidade e perto dos igarapés e rios. É ruim também para os agricultores que vivem nas vicinais no interior do Estado. Nesta época, fica difícil transitar nas estradas de barro e escoar a produção.
É bom para passear no intervalo entre uma chuva e outra. É ruim para secar a roupa lavada no final de semana. É bom para namorar debaixo do lençol e tomar chocolate quente. É ruim para namorar no portão.
O inverno é bom para pensar e ouvir música no escuro. É ruim para fazer show ao ar livre.
Mas que tanto, que venham as chuvas com força total. Como bem disse minha avó Maria José, “tava na hora do inverno dar um chute no verão”.

quinta-feira, maio 03, 2007

Teatro em Roraima

Opa, a partir desta sexta tem peça teatral, oficina de iluminação e debate sobre os espetáculos apresentados. É a Caravana Balaio Teatral, que traz a Roraima o grupo de teatro Clowns de Shakespeare, de Natal-RN.


O grupo vai apresentar seis espetáculos, ministrar duas oficinas e participar de dois debates. A turma começou a trabalhar no dia 2 e vai até 6 de maio, em Boa Vista e Iracema, município ao sul do Estado.

O circuito começou pelo município de Iracema, onde o grupo apresentou o espetáculo Fábulas promoveu um debate com o tema Teatro de Grupo Fora do Eixo.

Esta é a segunda vez que Os Clowns de Shakespeare vêm a Roraima. No ano passado, o grupo participou da II Mostra Sesc de Artes. Este humilde cronista assistiu às apresentações. Muito barulho por quase nada, inspirada na obra de Shakespeare, é totalmente diferente da peça Roda, Chico, peça roteirizada a partir das músicas de Chico Buarque. Uma é comédia e a outra é mais drama. Mas ambas são muito boas e vale assisti-las.


segunda-feira, abril 30, 2007

Escolhas

No grupo de amigos, a pergunta:

- E se vocês pudessem ter todo o sucesso do mundo, com milhares de holofotes apontados para vocês, dizendo que são o máximo e tal, centenas de homenagens pelos serviços prestados à humanidade, como fariam?
- A minha parte eu quero em dinheiro.
- Pra mim, separa umas broas que já tá bom demais.
- Troco por quatro quilos de sexo, drogas e roquenrol.
- Me arranja um iPod e uma som novo pro carro que tá massa.
- Deixa eu dar uns pegas na tua irmã que que me conformo.
- Eu queria ser deputado federal.
- Bom mesmo era encher a cara todo dia sem ficar de ressaca e com o fígado inteiro.
- Dá pra trocar por uma coleção de gibis da Mônica? É pra minha irmãzinha...

quinta-feira, abril 26, 2007

Partículas

O Ensaio Poético Ilustrado de Lindomar Neves Bach ainda não estava lá quando cheguei no bar Carta Roja. Obra independente, bancada pela coragem do autor e o estímulo de conhecidos, foi lançada em um espaço alternativo, numa noite fria, num bairro distante do Centro.
As possibilidades de encontrá-lo por onde costumo andar? Poucas.
Mas hoje, graças a uma gentileza de minha colega Soninha, veio até mim. Aqui, sem autorização do autor, alguns poemas (os mais curtos, é claro, que dá uma preguiça escrever....):

Diva

Menina linda
A calma se contorce
Quando você passa
Minha rua
Aonde nada acontece
É tua..


Razões

O amor é tudo
Que sobrevive
Ao tempo

Esperança de vida
Sem amor
Não existe


Sussurros

Num arrebol
A noite chega
Calando o sol

Moldura

Espera...
Cai a chuva
Mas o sol virá
E a noite ainda demora

O poeta operário
Com o olhar nublado
Molda no imaginário
A sepultura dos seus olhos

O amor tão desejado
A inocência
Na nudez
De um dia ensolarado.

quarta-feira, abril 25, 2007

Mudança


O tempo muda. Até em Boa Vista o sol tem que pedir arrego uma certa hora. A quarta-feira amanheceu nublada, choveu várias vezes durante o dia e no final da tarde um vento frio varria a cidade. Bom para tomar chocolate quente, bom para participar de um lançamento literário como o de hoje à noite, quando o desenhista Lindomar Neves Bach lança seu primeiro livro de poesias, intitulado "Partícula - Ensaio Poético Ilustrado”.




Se um dia qualquer a temperatura baixar até os 24 graus, metade dos roraimenses morrerá por congelamento. Quando bate nos 28, o povo já se empacota todo e diz que está "muito frio".

terça-feira, abril 24, 2007

segunda-feira, abril 23, 2007


Nota mental de segunda


Mudar para um local onde o mês de abril não seja tão quente, mesmo com os órgãos ambientais afirmando que o inverno amazônico já começou...Talvez a Patagônia.

Temperatura de Boa Vista é uma no Climatempo.

Na rua, o lance é bem mais quente, ainda mais que não está ventando...

quinta-feira, abril 19, 2007

Nas Trilhas de Makunaima


Amantes de documentários, fanáticos pela Amazônia, eis a chance de conhecer um pouco mais este pedaço do Brasil. Neste domingo, às 21h, horário de Brasília, a TVE transmite o vídeo “Nas Trilhas de Makunaíma”, produzido pelo jornalista roraimense Tiago Bríglia.




O vídeo faz parte do projeto DocTV, uma iniciativa de várias instituições para fomentar a produção de documentários sobre temáticas regionais em todos os Estados.



O roteiro apresenta a história do personagem mitológico de maior representatividade entre os indígenas do extremo norte do Brasil. A partir de narrativas de índios Ingarikó, Taurepang e Macuxi, são apresentadas as diversas faces de Makunaima - um ancestral guerreiro dos índios de origem ‘Karib’, concebido por algumas etnias como um deus da natureza.


Tiago, de camisa verde, filmando no Monte Roraima


O filme proporciona uma viagem pelos mistérios da lenda e percorre as trilhas do Monte Roraima, uma montanha de 2 bilhões de anos, considerada o templo sagrado onde vive o espírito de Makunaima.


O documentário traz a interpretação de pesquisadores sobre os fundamentos do mito de Makunaima e uma análise crítica sobre o personagem Macunaíma de Mario de Andrade, inspirado no mito indígena que foi registrado pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg em sua obra Vom Roroima Zum Orinoco, quando esteve entre os índios Taurepang (Pemón para os venezuelanos) e Arekuna, em 1911.

quarta-feira, abril 18, 2007

Música de Roraima

Cantores Eliakin Rufino e Neuber Uchôa
apresentam show Damurida no Sesc RR




Durante o show, nesta quinta (19), Dia do Índio, haverá uma exposição da arte naif da artista plástica Carmésia Emiliano. O ingresso custa R$ 10. Estudantes e comerciários com carteira atualizada pagam só cinco pilas.

Para quem nunca ouviu a palavra damorida, trata-se do nome de um apimentado caldo feito pelos índios da região à base de carne de caça (antigamente. Hoje já se aceita carne de gado) ou peixe (quando mais espinhento, melhor).

É preciso cuidado para se deliciar com o prato. Este cronista, na primeira vez que foi saboreá-lo, confundiu uma pimenta olho-de-peixe, redonda e verde, com outro tipo de condimento e mastigou uma delas inteirinha...

Logicamente tive que correr para tomar água e abafar o incêndio bucal. Tirando essa ardente questão, é um dos mais saborosos pratos da culinária indígena.

Ah, além da olho-de-peixe, a damorida leva também pimenta malagueta e jiquitaia, que é uma farinha feita de pimentas moídas. Um espetáculo de ardência.





terça-feira, abril 17, 2007

Abril Vermelho

Integrantes do MST Roraima concluíram hoje uma passeata que veio do município do Cantá, a 35 km de Boa Vista. A sorte dos manifestantes é que o clima ajudou, com um céu nublado e algumas pancadas de chuva. Se fosse em fevereiro, com certeza os casos de insolação e desidratação teriam abalado alguns companheiros.

Já em Boa Vista, os manifestantes fizeram um protesto por mais terra para a reforma agrária e apoio para quem já ganhou o lote. Estiveram em frente à Assembléia Legislativa, bem na praça do Centro Cívico, por volta do meio-dia, o horário de maior pico de trânsito no local e o único onde os deputados dificilmente podem ser encontrados.


Os manifestantes na ponte sobre o Rio Branco, que
separa os municípios do Cantá e Boa Vista

O protesto faz parte de um calendário nacional do MST. As ações do "abril vermelho" lembram o assassinato, em 1996, de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (PA).

Abril Vermelho também é o nome do livro de um escritor peruano chamado Santiago Roncagliolo.





quinta-feira, abril 12, 2007

Deduções fiscais

Impostos governamentais são como pensões alimentícias: não adianta tentar fugir deles. Tem que pagar ou bábáu.


Declaração, para fechar o mês do Imposto de Renda

Frase do filme Encontro Marcado: “só há duas coisas certas na vida: impostos e a morte”. Ou alguma coisa parecida.

quarta-feira, abril 11, 2007

segunda-feira, abril 09, 2007

A música

Ok, há quem não goste do Maná e ainda há quem nunca tenha ouvido falar da banda mexicana. Há também quem acredite que o Acústico MTV e a gravação com o Santana foram as únicas coisas que eles fizeram na vida

Tudo bem. A sete quilômetros da linha fronteiriça, ali na vizinha Santa Elena de Uairén, muitos venezuelanos nunca ouviram falar de muitos nomes famosos no Brasil. São conseqüências da diferença de idiomas e da mania dos programadores de rádio de privilegiar as bandas e cantores anglo-saxões.

Superar as barreiras da língua permite que nos deliciemos com letras como a que está logo aí abaixo. Fher, vocalista do Maná, faz um duo com Juan Luis Guerra, grande nome da música latina. O vídeo é pura poesia e é estrelado por atores de padrão físico diferente de outros vídeos da banda. Bonitos, porém com aparência de gente normal, como eu ou você, e não de modelos.

Quer dizer, bonitos como eu, de acordo com as afirmações de minha mãe, dona Neide.

Para os interessados, Bendita tu luz está disponível em dezenas de links no YouTube e no Guatevídeos. Neste site também é possível acessar vídeos de outros artistas latinos.

Bendita tu luz

Bendito el lugar y el motivo de estar ahí
bendita la coincidencia.
Bendito el reloj que nos puso puntual
ahí bendita sea tu presencia.
Bendito Dios por encontrarnos en el camino
y de quitarme esta soledad de mi destino.
Bendita la luz,
bendita la luz de tu mirada
bendita la luz,
bendita la luz de tu mirada
desde el alma.
Benditos ojos que me esquivaban,
simulaban desdén que me ignoraba
y de repente sostienes la mirada.
Bendito Dios por encontrarnos
en el camino y de quitarme
esta soledad de mi destino.
Bendita la luz,
bendita la luz de tu mirada
bendita la luz,
bendita la luz de tu mirada, oh.
Gloria divina de esta suerte,
del buen tino,
de encontrarte justo ahí,
en medio del camino.
Gloria al cielo de encontrarte ahora,
llevarte mi soledad
y coincidir en mi destino,
en el mismo destino.
Épale
Bendita la luz,
bendita la luz de tu mirada
bendita la luz,
bendita la luz de tu mirada.
Bendita mirada, oh,
bendita mirada desde el alma.
Tu mirada, oh oh,
bendita, bendita,
bendita mirada,
bendita tu alma y bendita tu luz.
Tu mirada, oh oh.
Oh oh, te digo es tan bendita
tu luz amor.
Y tu mirada oh, oh.
Bendito el reloj y bendito el lugar,
benditos tus besos cerquita del mar.
Y tu mirada, oh, oh.
Amor amor, qué bendita tu mirada,
tu mirada amor.

quarta-feira, abril 04, 2007

Céu perigoso em Roraima: três aviões caem

Três aviões tucanos da Força Aérea caíram em Boa Vista nesta tarde de quarta-feira (4). Um deles caiu no meu bairro, o Paraviana, depois de bater numa torre de telefonia celular. Morreu uma pessoa. Outro caiu ao sul da cidade, perto do matadouro. O terceiro foi apenas um pouso forçado perto da BR 174, ao norte de Boa Vista.
Talvez a chuva fortíssima que caiu na cidade tenha alguma culpa. Choveu por cerca de duas horas, a tal ponto que as ruas alagaram e o nível dos igarapés que cortam os bairros subiu muito.

Abaixo, a matéria do repórter Luciano Torres, publicada no site Fonte Brasil:

"Por volta das 13h30 de hoje um Super Tucano A-29 da Aeronáutica caiu na rua Abacateiro, na Praça do bairro Paraviana. O acidente ocorreu após o avião ter colidido com uma torre de telefonia celular. Os dois pilotos da Base Aérea de Roraima que estavam no avião morreram na queda. Conforme testemunhas, o avião permaneceu por cerca de 30 minutos sobrevoando a parte leste de Boa Vista sem poder pousar no Aeroporto devido a forte chuva que encobria o céu. A causa da queda não foi divulgada pela Aeronáutica, mas suspeita-se que os pilotos tenham tentado realizar um pouso de emergência quando colidiram com a torre. Antes da queda os pilotos ejetaram os assentos, mas não sobreviveram por estarem muito próximos do chão. Os corpos foram encontrados em um terreno baldio a cerca de 30 metros da praça onde o avião caiu."




Olha aqui as fotos do Luciano




A torre do Paraviana, com os ferros soltos depois da colisão:








Os agentes de trânsito no local







Outras informações podem ser encontradas nos sites do jornal Folha de Boa Vista e no site Jornal do Rádio.




Up Date: O portal G1 entrou com uma info nova: seriam quatro e não três os aviões caídos.

terça-feira, abril 03, 2007

Histórias de amor e sexo ou sexo e amor



1.Alfredo está agitado, nervoso. Aos seus pais, conta que são as provas que o tem assim. Coitado, anda uma pilha, diz a sua mãe. Alfredo, na verdade, está apaixonado. Não por uma, mas por duas meninas. Uma é da escola, faz a oitava série junto com ele, senta na cadeira em frente, tem um cabelo liso negro lindo, olhos esverdeados e um pouco fechados, parece uma japonesa. Além disso, para ele, é a dona do sorriso mais bonito da cidade.
A outra é a irmã de seu melhor amigo. Alfredo adora ir visitá-lo. Da varanda, entre os vidros da janela, consegue vê-la às vezes dançando na frente do espelho, apenas de calcinha e sutiã. A menina, mais velha que ele, gosta de passear pela casa vestida apenas com uma camiseta. Ah, como Alfredo gosta quando ela se abaixa para pegar algo e ele está por perto.
Alfredo, coitado, só encontra paz quando fica algum tempo sozinho no banheiro ou quando vai se deitar.

2.
André diz não saber o que fazer para ficar em paz. A Paulinha agora quer namorar, já pensou, pergunta a cada novo encontro. Qual o problema se ela é linda, simpática e o deseja? Ora, é justamente esse o problema, quase grita o impaciente André. Eu não quero nada sério, foi ela que me procurou, passou a cantada, insiste nos encontros e agora vem com essa. E aí, o que você pretende fazer, perguntam seus amigos. Por enquanto nada. Eu não quero namorar ninguém agora, só me falta gritar isso na cara dela, mas também não resisto a uma mulher linda, simpática e que me deseja.

3.
Sim, eu sei que parece bobagem, mas que custava, pergunta a quase deprimida Ana Lúcia. Se era para tanto eu não sei, mas, poxa, as pessoas deviam pelo menos argumentar de maneira menos agressiva, continua. E o que houve, que coisa tão horrível aconteceu? Aconteceu que ando toda estressada com os meus dois empregos, a faculdade e o cursinho para o concurso. Por tudo isso não temos muito tempo para namorar e outras coisinhas mais. E quando eu peço para ele me acompanhar da entrada do prédio até minha sala, sabe o que ele me responde: para quê vou entrar se daqui a pouco vou ter que sair? E ainda por cima eu quis um beijo de língua e ele me deu uma bitoca, como se fosse meu namorado há tanto tempo que tivéssemos criado laços fraternos. Onde já se viu isso, preguiça de caminhar 15 metros e ainda por cima preguiça de beijar?

segunda-feira, março 26, 2007

Conversando sobre livros



Bruno Garmatz, um amigo fotojornalista aqui de Roraima, lançou dia desses um livro bem bacana, quase um filho. “Conversando com Guillermo” trata das andanças e aventuras do costarriquense Guillermo Alfaro Garbanzo, hoje com oitenta e dois anos, morando atualmente na Casa do Vovô, um abrigo do governo de Roraima para pessoas da terceira idade.



Guillermo, na década de quarenta, depois de uma desilusão amorosa, resolveu aventurar-se mundo afora, sem rumo definido, apenas com o propósito de conhecer e viver novos lugares e culturas. Perambulou durante quase trinta anos e um dia parou em Roraima, de onde nunca mais saiu.



Durante suas andanças, Guillermo conheceu lugares históricos, pessoas importantes, culturas interessantes e enfrentou muitas dificuldades, mas isso nunca o assustou o suficiente para fazê-lo voltar para casa. Seu espírito aventureiro falava mais alto e assim percorreu quase cento e cinqüenta países.


No livro, escrito como uma grande entrevista, com muitas notas de rodapé para contextualizar os temas, Guillermo, com uma visão crítica, política e social, relata as suas andanças, principalmente pelos países da América do Sul.


O livro, impresso na Editora Comunicare de Curitiba, é ilustrado com 99 imagens, contendo documentos pessoais, fotos e mapas ao longo de suas 262 páginas. Há muitas fotos de Roraima também, incluindo algumas onde este cronista aparece. Costumo dizer ao Bruno que essas são as melhores páginas do livro, hehehe.

Se lhe interessou, contate por aqui o autor e compre 10 livros ou indique ou indique uma livraria para ele colocar os exemplares à venda. Seja um mecenas.

Se você quiser ver fotos de autoria de Bruno, acesse o flog do cara.

quinta-feira, março 22, 2007

Nero e o YouTube

No fim de uma acalorada discussão sobre a história e as conquistas da engenharia romana, surge a dúvida: Nero tacou ou não fogo em Roma? Reacendido o debate, com pesquisas aparecendo no Google e na Wikipedia dando as diferentes versões sobre o caso, vem a frase lapidar:
- Seguinte, tu tava la?
- Claro que não.
- Tu viu alguém tacando fogo na cidade? Tu viu Nero lá, doidão, jogando as tochas nas casas?
- Óbvio que não, né, ô coisa.
- Tu viu alguém filmando e colocando o vídeo no YouTube? Tu conseguiu baixar esse vídeo?
- Não...
- Então como é que tu quer jogar a culpa no coitado do Nero?..


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Falando em YouTube e filmes, Alex Pizano produziu o primeiro curta-metragem de Boa Vista. Com o título Dívida Sangrenta, o curta apresenta a disputa de uns mafiosos venezuelanos e guianenses pelo domínio do tráfico de cocaína na cidade.

Para os curisosos, o trailer do filme pode ser encontrado aqui.

Uma reportagem da TV Globo local pode ser vista aqui.

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Dúvida 1: Como é que posta para a janela do vídeo aparecer direto no blog?
Dúvida 2: Desde a mudança para o "new blogger" só consigo vizualizar os comentários indo no site do haloscan. Caso você, querido (a) leitor (a), esteja vendo ou tenha passado por um problema semelhante, passe um e-mail ou me diga pelo sistema de comentários como acabar com esse perrengue.

segunda-feira, março 19, 2007

Discussões de amor


No final da briga, quase certo de que aquele era o fim do relacionamento, ele não resistiu e tentou fazer um último e desesperado apelo para não ser abandonado:

- Meu amor, você quer mesmo me deixar?
- Quero! Sai da minha vida!
- Meu amor, que poderá te fazer feliz e te entender como eu? Eu, que conheço como a palma de minha mão cada estria e celulite de teu corpo?

(Deixo aí o espaço dos comentários para que cada um escreva o final da história: vocês acham que isso é apelo que se faça?)

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19 de março, dia de São José. Reza a tradição católica, herança da colonização nordestina no Estado de Roraima, que neste dia sempre chove. E se chover, é sinal de que o inverno será generoso com os agricultores. Neste ano, quase não acontece, mas choveu às 17h30 em Boa Vista. E assim sempre foi nos anos anteriores, dando ao povo o mesmo crédito que se dá aos serviços de meteorologia.

quinta-feira, março 15, 2007

História de felicidade



O seu coração solitário começava a ficar alegre. Finalmente a mulher amada estava chegando de sua longa viagem. A sua face, eterno nevoeiro que cobre a serra ao amanhecer, parecia agora o sol do meio-dia.

Adeus, tempo de tristeza. Adeus, noites mal dormidas. Até mais ver, amores substitutos, meios amores. Olhava para o céu com ansiedade, esperando vislumbrar no horizonte o avião que traria sua amada. Sorriso aberto, até a postura corporal mudara. Andava ereto, feliz, completo. "Completo, é isso mesmo. É assim que me sinto", contou-me. "Dizem que quem espera, sempre cansa. No meu caso, de tanto quase ficar cansado, alcancei", reforçou. Assim, mudado, realizado, saiu caminhando pelo meio da praça.

terça-feira, março 13, 2007

Eita, consegui...


Conexões ruins ou bloqueadas no trampo e a falta de conexão na casa fazem deste blogueiro um postador vagabundo, sem responsabilidade aparente com a atualização do blog.

As idéias para os textos se acumulam na cabeça. O problema é que não anoto nenhuma e daqui a pouco somem, feito fumaça. Falando em fumaça, sábado vai rolar um festival de reggae em Boa Vista, com participação da banda Guybras, que tem no vocal o negão mais simpático da cidade, Mike Guybras, também organizador do evento. Além dele, haverá apresentações de bandas da Guiana e outras locais. Fumaça? Que associação mais preconceituosa é essa? Associação me lembra o show de rock de sábado passado, na Associação de Moradores do bairro 13 de Setembro, com as bandas Yekuana, Espírito Juvenil e outras.

A mais esperada por mim e pela Zanny foi a que não apareceu: a 24 da Vovó, uma novata, criado por uns garotos do próprio bairro. Não que eu conheça o estilo, mas 24 da Vovó é um nome e tanto. Parecido com uma que está sendo formada por uns moleques do Jóquei Clube: Jeniffer chegou de Fortaleza...
Bá. Já divaguei muito e não postei nada. Vamos ver se o blogger finalmente carregou as fotos que tento há duas semanas postar.






Parque anauá, com o lago ao fundo, no meio do inverno,
balsa que leva os fiéis no dia de São Pedro, durante procissão aquática.


Amanhacer na BR 174, em direção à Venezuela.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Imagens das férias de carnaval.

O monstro do Lago Ness, na versão o índio do laguinho dos rápidos de Kamoiran


Salto La Llovizna, parque homônimo, na cidade venezuelana de Puerto Ordaz, a uns 600 do Brasil.

Visão da estrada da Gran Sabana. Ao fundo, o monte Roraima, ou o Kukenan, perto da tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana.


Curvas e morros da estrada da Gran Sabana, a 1.440 metros de altitude, Venezuela.





quinta-feira, fevereiro 15, 2007



Pegando a estrada

Desde 1999 estive sempre presente, a trabalho, em todos os carnavais de Boa Vista. Com conhecimento de causa posso afirmar que cada ano a organização da festa melhora, mas os desfiles sempre oscilam entre o tosco, o horrível e o ridículo.
Por mais que haja grandes repasses de verbas públicas (este ano a Prefeitura e o Governo repassaram R$ 350 mil a quatro escolas) para garantir a entrada das escolas de samba no corredor do samba, o que se apresenta é pífio, sem graça e sem beleza. Fantasias horríveis, sambistas desafinados e sem alegria no rosto, mulheres feias, homens mais feios ainda. Assistir a um desfile de samba em Boa Vista é verdadeiramente uma experiência horripilante sem igual.
Também não há como evitar a risada lendo, vendo ou assistindo reportagens com os presidentes das escolas reclamando todo ano do suposto atraso na liberação dos recursos e dizendo ser esta a razão de não apresentarem um espetáculo bonito. Os presidentes dão todo tipo de desculpas para justificar a falta de ações concretas para fazer um carnaval decente. É tudo culpa da falta de infra-estrutura, dizem. E o público, todo ano, apenas se pergunta: o que fazem com tanto tempo livre e com o dinheiro do repasse que não aparece um bom desfile?
No quesito organização, as escolas de samba perdem feio para as associações folclóricas que se apresentam nos arraiais organizados pelo poder público no meio do ano. As quadrilhas juninas levam beleza, animação, empolgação e garra ao público local e conquistam prêmios em outros estados. É impossível ficar impassível diante das quadrilhas. Se não fosse aquele maldito grito "anarriê!" a toda hora eu até gostaria mais delas.

É por isso que este carnaval, se tudo der certo, vou encarar a estrada e me entocar na Venezuela, curtindo um carnaval regado com rum e a batida dos tambores dos descendentes dos negros antilhanos.


Rumo à terra do Chávez






Feito um aventureiro



quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Depois de mais um tempo sumido, superei a falta de assunto de um dia com a preguiça de outro com post da campanha da BR-Linux para dar uma força à Wikipedia, que anda com as pernas bambas. Quem quiser, também pode participar.



Ajude a manter a Wikipédia no ar - mesmo sem colocar a mão no bolso!
O BR-Linux.org lançou uma campanha para ajudar a Wikimedia Foundation a manter a Wikipédia no ar. Se você puder doar diretamente, é sempre a melhor opção. Mas se não puder, veja as regras da promoção do BR-Linux e ajude a divulgar - quanto mais divulgação, maior será a doação do BR-Linux, e você ainda concorre a um pen drive!


terça-feira, fevereiro 06, 2007

Pontos, vírgulas e declarações

Pensamentos desconexos. Preguiça. Cansaço. Um teclado empoeirado. Cadernos rasgados escondem textos de amor e contas a pagar. 3 de fevereiro de 1991. Dominar a língua é mais difícil que conhecer tua língua. Chegada ao Brasil. Nova vida, novas obrigações. Rock and road. Hablame de ti. Estradas de barro, rodovias de asfalto. Acidentes, previsões, queima de fogos na beira do mar. 16 anos. Muito tempo. Mais vida que a de uma estudante aprovada no vestibular de medicina. São Paulo, São João da Baliza. Alto alegre é o oposto de baixinho desanimado. Fernando Pessoa, Zeca Baleiro, The Same People e Neruda. Mortes familiares. Um, dois, três, quatro, trocentos ódios e amores e desafetos e amigos afastados. Verão infernal. Invernos torrenciais. Alagações, desabrigados e as manchetes com os clichês de sempre.

Pensamentos ainda desconexos. Sesc. úsica. Versos. Fotografias. Índios e reservas. Xenofobia. Corrupção. Insetos. Gafanhotos nos campos, verdes dólares nos campos. Assunção ou queda. Soul, bossa, praia e folhas de coca do Peru. José Maria Emazabel, Eduardo Oxford, Vitória Mota Cruz, Gonçalves Dias, UFRR, IBPEX. Crônicas diárias, árduas, paridas.

Malocas, histórias, igarapés, cantos. Serras e lavrados. Chaparros são caimbés, negritas são neguinhas, catiras são loiras, cerveza es la Polar. Salsa brava, salsa erótica. Movimento estudantil. Bocas. Beijos. Mãos. Corpos. Olá. Adeus. A Deus e ao homem. Cursos. Discursos. Ah, Fidel! Pampeiros. Dureza. Blogs. Correios.

25 de maio. 26 de dezembro. Afilhadas. Cumadis. Damorida. Vinho de buriti. Açaí. Roraimeira. Guaraná no Maryvaldo. Roubos. Reencontros. Recomeços. Praça da República, Plaza Central, Praça Ayrton Senna. Rock in the jungle, mister. Avenida Beira-mar. Férias na Ilha. Cuzco. À deriva no Amazonas. Pela via das dúvidas encontram-se certezas. Trilhas no mato, aventuras urbanas, descobertas amorais. Concursos, sorteios e algumas premiações.

E se tudo isso não passasse de um sonho que nunca existiu, fugaz como tudo o que se faz à noite, sem destino certo ou hora de partida? E se tudo não fosse separado por pontos ou por uma vírgula mal colocada? E se em vez de uma interrogação houvesse um sinônimo afirmativo, prepotente, vaidoso e, quem sabe, paciente de um psiquiatra, embebedando-se de prozac e outras sete maravilhas artificiais? Dá-lhe então uma noite perdida, sem endereço certo para reclamar as conseqüências. Bá! Que se f*#%$ as conseqüências e os inconseqüentes. Quem deve que pague e quem não puder que se esconda, assim gritou o sábio naquele boteco imundo à beira do rio antes da batida policial. E nada mais se leu naquele espaço no tal dia atípico, quente e pós-carnavalesco.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Conseqüências cirúrgicas

Pode acontecer de um dia surgir a necessidade de fazer uma cirurgia bucal. Algo simples, de fácil recuperação. Mas sabe como é, cirurgias sempre trazem conseqüências, têm aquele prazo de recuperação até o corpo esquecer-se do procedimento invasivo.

Primeiro vem o corte do bisturi, depois os pontos, fechando com o inchaço e o hematoma. Um espetáculo. É algo mais ou menos assim: você entra bonitinho no consultório e quando chega em casa parece uma versão pop do chupa-cabra.

No outro dia, a boca inchada não deixa você falar ou comer direito. Eis então que o verdadeiro problema surge. Já pensou se justo para aquela manhã estava prevista a apresentação do projeto de inovação científica que certamente seria aprovado pelos seus chefes e os investidores, resultando em aumento considerável de seu salário e talvez uma participação como sócio da empresa?

Pior: depois de chegar em casa, querendo repousar um pouco, a sua namorada liga e quer discutir a relação. Você tenta murmurar que aquela não é uma boa hora, que a cirurgia te deixou meio baqueado, mas ela está intransigente. Quer discutir agora os pontos do namoro, diz que você não lhe dá mais atenção, que prefere ficar em silêncio a dialogar, ameaça terminar tudo se você não detalhar como vai ser o novo você no namoro. E você, desesperado e exasperado, articula frases guturais, tenta garantir a namorada e os pontos estourando....

De repente sua mãe, velhinha e meio cega, chega em casa, trazendo um prato de lasanha. O microondas não está funcionando e o gás acabou, por isso o almoço vai rola frio. A massa dura talvez machuque a boca, mas como articular essas frases no ouvido da mãe, se ela também está um pouco surda? O jeito é gesticular, afastar o prato, negar-se a comer.
Mas para que isso, pergunta mamãe, acusando-te de ser um filho desnaturado, mal-agradecido, desses que não dão valor a uma boa lasanha feita com carinho. Mas se fosse daquela tua namorada, aposto que comias, arremata a magoada velhinha.

Forçado pelas circunstâncias, você engole uns pedacinhos da comida, deixa a mamãe feliz e vai escovar os dentes. Hum...escovar os dentes sugere abrir a boca, passar a escova pelos dentes, língua, palato... mas e se bater no machucado, como vai ser? Será que é melhor ficar com o bafão, evitar o risco da pancadinha ou fazer a limpeza, como os bons costumes da casa orientam? Optas pelas limpeza, a porcaria da escova bate nos pontos, a boca incha e você, que já não estava bonito, parece ter saído de uma briga de rua com 10 pessoas. Apanhou muito, é claro, mas precisava ver como os caras ficaram.

Ficaram rindo de ti, né, do mesmo jeito que teus amigos do trabalho quando você ligou e disse que não poderia ir, pois precisava repousar. Um desses mais engraçadinhos ainda perguntou se era operação de fimose ou tinha alguma coisa a ver com exames de toque. E o pior é que nem à merda você pôde mandar, já que a palavra exige uma abertura maior da boca e não é bom correr riscos com os pontos. Mas deixa o inchaço diminuir para todo mundo saber com quantos bisturis se faz uma operação.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Conversando


Daí a menina liga para o trabalho do namorado e diz:

- Ai, amor, estou tão cansada...
- Meu amor, se é por falta de dica, eu te ajudo: vai dormir, pô!

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Da série "Usei teu texto sim, e daí?", um pouco de Avery Veríssimo, que deixou Belizonte e está nesta semana em Manaus (AM), a caminho de Roraima.

Totem 2

Numa cantina italiana, oito amigos discutem a vida pós-estouro da bolha da blogosfera. A discussão já dura uma hora e estamos num momento impreciso da cronologia, pois que no virtual esta frase tem a mesma (val)idade que esta e enquanto isso não se sabe mais com quem está a palavra. A mistura de discursos exige uma tomada de providência. Resolvo assumir a parada, embora sem nenhuma intenção de encerrar o assunto.

- Não, não, interrompi. Acho que vivemos algo parecido com a transição da literatura para o cinema e daí para a televisão. Da mesma forma que as pessoas passaram a ler menos com o audiovisual, o hipertexto passou a ser desprezado se se mantém apenas como texto. Os internautas deste século querem ver, ouvir. Viajar em sensações programadas, ser conduzidos pela grade de opções da rede, como telespectadores dos programas de domingo à tarde.

- É, mas isso não é de todo verdade, diz Leãdro Wojak. O cinema, por exemplo, já foi tido como destruidor da literatura, mas não conseguiu fazer isso, e nem era essa sua intenção. Assim como a televisão não destruiu o cinema. As mídias podem conviver umas com as outras, tranqüilamente.

- Sim, mas isso não explica a queda brutal de audiência do meu blog, ri Edgar Borges.

- É que você é um ciberdissidente, gargalha Vandré Fonseca, reconhecendo logo depois a própria condição de publicador bissexto.

- O problema é que a gente não ocupa bem esse território anárquico do ciberespaço. Nós temos que avançar, rapaziada, entrar de sola nas outras formas de sociabilidade, com áudio, vídeo e o escambau, propõe um empolgado Israel Barros.

- Rapaz, não tenho certeza disso. Falta afetividade. Em vários lugares a territorialidade é importante. E não falo só do Acre. Em Guarulhos, não há campanha na TV. A eleição se decide com santinho e cartazete na rua. Ao mesmo tempo, a política é exercida de forma cada vez menos territorial e mais virtual. Portanto acho que é a possibilidade de falar, isso mesmo, simplesmente falar, que vai garantir nossa sobrevivência, atesta um messiânico Maurício Bittencourt.

- Mas isso só aumenta a dispersão, avalia Nei Costa. A internet é um punhado de lixo, muitas vezes reciclado, a maior parte inútil. Garimpar algo bom é tão difícil quanto garimpar mesmo. Por isso é que temos de instigar o povo a assumir os media.

- Falas como um comunicólogo, meu caro. O que todos nesta mesa, de certa forma, são, observo.

- E o corporativismo, onde fica? Não é assim não, qualquer um metendo o bedelho na nossa mais-valia?, grita Rogério Christofoletti, posando de sindicalista radical.

- Ó pá, mas que diabos vocês estão a dizer? Blogue é edição. Blog é edição. Blogging is editing. Mesmo, Avery, que um bandalho como tu, armado em chico esperto na terra da pavórnia, venha a dizer o contrário. E peçamos algo para comer, decreta Luís Ene.

- Só se for agora, atalha Leãdro, ávido por umas saltenhas chilenas das que têm na Vila Madalena. Saltenhas!

- Chico Esperto, como é que é isso?

- É comida italiana, italiana, grita o Vicenzo.

- Então mande mais algumas biras, grita Edgar.

- Você não era assim, diz Nei.

- Ô vida dura.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Sobre o horizonte

Não há obstáculos no horizonte de minha cidade. O pôr-do-sol é alaranjado, vivo, quente. Um espetáculo. Na pressa, muitos ignoram a sua beleza. Quem dirige fica mais preocupado com o carro à sua frente. Quem vai de carona, olha para os lados. Ciclistas estão mais ocupados evitando atropelamentos e outros obstáculos nas ruas. Usuários de ônibus querem chegar rápido aos bairros da zona oeste e tomar um banho para voltar a sair ou então ficar na sala, vendo novelas que tratam de outra realidade.

Não há muitos prédios com mais de quatro andares em minha cidade. A lei não permitia, a cultura popular alegava solo arenoso e impróprio. A lei agora permite. Conjuntos habitacionais e prédios residenciais são o novo horizonte do mercado imobiliário. Até o poder público dará a sua contribuição. O horizonte do cerrado talvez suma.
Não se dá muita importância ao horizonte de minha cidade. Quem chega, estranha a falta de muitos prédios, estranha que haja avenidas largas e arborizadas. Quem já vive aqui há muito tempo se acostumou e não levanta mais a cabeça, prefere óculos e boné para olhar o chão.
No verão, o horizonte sempre tem uma nuvem que sai da terra. Costumes antigos de brancos e índios, falta de educação moderna. Queimadas em nome da lavoura ou da limpeza. O cerrado arde, os animais fogem ou morrem. Os idosos e as crianças reclamam da fumaça. A natureza morre, o horizonte fica manchado.

À noite, quando se chega do norte, Boa Vista é uma imensa linha de luz que surge depois de um pequeno morro. Da BR 174, a pequena capital de Roraima parece abrir-se àquele que se aproxima. Na linha do fim do mundo, abaixo da linha do Equador, mais perto da Guiana e da Venezuela que de qualquer grande cidade brasileira, no meio do lavrado, há um horizonte de dúvidas e esperanças sobre o presente e o futuro.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Estudando lembranças


Estou fazendo um trabalho sobre memória, coletando recordações de idosos sobre o cotidiano de Boa Vista. Nunca fiz nada parecido, nunca havia lido sobre a parte teórica de entrevistar pessoas e conseguir delas relatos sobre como era a sua vida quando jovens.

Tenho que ler Agnes Heller, Éclea Bosi e Michael de Certeau para começar. Já passei pela primeira, estou com Bosi. Gosto do que leio, é instigador, quase poético.

De repente, não sei como, viajo para 1992, volto para 1990, retorno a 1992/93, relembrando cenas aparentemente desconexas, mas que se relacionam e trazem à minha mente meninas das quais gostei quando era um garotinho de 13, 14 anos.

Lembro de um beijo dado com os rostos entre os vidros da janela da sala de aula, lembro que a prima da garota beijada deixou de falar comigo, lembro que era ela quem eu de fato queria beijar; ela o sabia, mas a outra se adiantou...
Uma era loira e outra tinha cabelos negros. Todos estávamos na sétima série. Logo depois fui embora da cidade. No primeiro ano que passei no Brasil, a catira, que é como chamamos na Venezuela as mulheres loiras, morreu atropelada. 

Um ano depois, quando fui visitar minha antiga cidade, fui na casa da morena deixar meus pêsames e ela não foi cortês comigo, pediu que fosse embora se já havia terminado, parece que ainda estava chateada comigo. Qual é o nome dela, meu Deus? Só me lembro que era branca, também faz aniversário no dia 4 de junho, como eu e era prima de um grande colega meu à época. Putz, como é que o cara se chamava mesmo?.. Juan Carlos Gonzales, me relembra uma anotação em um velho caderno.

Lembro de outra menina da sétima série. Lembro que a olhava demoradamente, apesar de lembrar que sempre olhava um monte de garotas demoradamente. Aliás, timidez é uma porcaria. A gente só olha; conversar, que é bom, nada. Quando tentamos, que conversa ridícula costuma sair. Essa menina era morena clara, cabelos claros, irmã de um colega desses que a gente encontra na praça de cidades pequenas para conversar sobre o nada. Qual era o nome deles?

Lembro que nos primeiros anos em que estava morando aqui, me contaram que ela havia sido atropelada. Ela e a menina loira que me beijou pela janela da sala de aula estavam juntas no acidente. Três anos depois de ter vindo morar aqui, nos encontramos na rua da Alcaldia de Guasipati. Ela lembrou do meu nome. Eu, apenas de seu rosto. Trocamos duas palavras e tchau. 

Aliás, sempre fui horrível para guardar nomes. Mesmo o daquelas meninas que me chamaram a atenção quando eu era um moleque que se encantava a cada semana por uma pessoa diferente.