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quinta-feira, setembro 12, 2013

Falando sobre blogs e mídia livre na Rádio Nacional da Amazônia

No dia 2 de setembro dei a minha segunda entrevista para a Rádio Nacional da Amazônia. 

Desta vez falei sobre o blog Cultura de Roraima, que criei em 2010 para falar de arte, cultura e coisas afins produzidas e feitas aqui no Estado. 

 A entrevista foi concedida a Morillo Carvalho para o bloco Amazônia.com do programa Mosaico justamente no dia em que a emissora completava 36 anos de criada. 

Confira o áudio, gentilmente cedido pela produção do programa. Quem ouvir perceberá que prolixamente falei do blog, de mídia livre, mapeamentos e da importância dos grupos culturais terem os seus registros na internet para que possam ser encontrados.






A primeira vez que fui entrevistado pela Rádio Nacional da Amazônia foi para falar de um sarau homenageando Carlos Drummond de Andrade, organizado pelo Coletivo Arteliteratura Caimbé no Centro Multicultural da Orla Taumanan. 

terça-feira, maio 21, 2013

Viagem às serras do Uiramutã

Uiramutã é um município roraimense que tem a população predominantemente indígena e rural, a 279 km da capital Boa Vista, encravado no meio da Terra Indígena Raposa - Serra do Sol.

O acesso se dá saindo de Boa Vista pela BR 174 em direção à Venezuela, dobrando à direita na RR  202 e seguindo em frente por uma estrada com muitos km de piçarra, pontes quebradas e muitos, muitos buracos, desses que quebram carros e ônibus.

Nunca havia estado na região, apesar de ter parentes com casa lá. Motivo? Jamais ia meter um carro meu nessa buraqueira que todos me descreviam.

Acabei indo lá no dia 17 de março para acompanhar uma equipe da Universidade Estadual de Roraima que foi discutir a implantação de um curso de graduação na comunidade indígena Flexal, à qual se chega virando à esquerda 20 km antes de entrar em Uiramutã.

A viagem de ida foi em um ônibus da UERR, juntamente com alunos da instituição que foram convidados para visitar a comunidade e conhecer a região.

Passamos pela antiga comunidade indígena Surumu, hoje chamada Barro, praticamente uma vila, com cerca de mil habitantes. Lá se parou para olhar a beleza do rio Surumu, seco pelo verão rigoroso.




O povo tomando banho e eu aproveitando a capitiana, rede feita com couro de bovinos

Depois foi a vez de parar na comunidade indígena do Contão, bem no meio do lavrado e às margens do rio Cotingo, que estava muito seco.

Essa mancha é o leito de pedra
Lei de trânsito? Que lei?


Um dos sustos na ida: o micro engatou em um desvio da estrada e a turma botou força


Chegamos em Uiramutã por volta das 21h, depois de sete ou oito horas de viagem. A cidade não estava tão fria quanto esperava, mas isso mudou depois que uma chuva caiu.

Sempre me impressiona o alcance da tecnologia e das marcas (lembro que o geógrafo Milton Santos  tinha um termo para isso, mas esqueci qual era): a cidade tem posto do Bradesco, comércio de todos os tipos, bares e casas com TV por assinatura, gente que para no sábado à noite para ver lutas de MMA, moleques filhinhos de papai com seus carrões curtindo a noite e por aí vai. Ou seja, mesmo sendo o município com a maior população indígena em Roraima, não ficou nada livre desse processo de publicidade e marketing tão peculiar ao capitalismo.

Parabólica, camará!


Ruas da serra. Sente o charme da iluminação pública


Numa cidade onde os nativos são bilíngues, o mercadinho acertou ao colocar seu nome em português e macuxi


Descida a caminho da comunidade do Flexal. Isso no inverno fica uma maravilha
Domingo amanhecido, tocamos para a comunidade do Flexal mas antes paramos na cachoeira Urucá, coisa mais linda de ser ver e cansativa de chegar. Não sei se foi a idade ou o despreparo físico, mas as pernas em certa hora bambearam na subida e a respiração ficou pesada. Mesmo assim, o banho que tomei na água fria da cachoeira valeu o esforço. Me lembrou a subida ao Monte Roraim, há alguns milhares de anos e uns três ou cinco quilos a menos.



A beleza da cachoeira, já na volta do banho, respirando antes de continuar...


Daqui nasce a queda da cachoeira


Quase comprei esta casa, mas pensei que seria muito trabalhoso percorrer todo dia mais de 300 km para ir trabalhar. Além do mais, não há vizinho para pedir açúcar



Comunidade Flexal

A cabelo das índias é uma das coisas mais bonitas que conheço


Depois que fiz a foto percebi que os meninos do Flexal ficaram na pose de banda juvenil

A volta foi bem mais rápida. Vim numa picape e chegamos em duas, três  horas, na UERR Boa Vista. O povo que veio no busão chegou no outro dia, às 7h, graças aos pneus que estouraram no meio da estrada.

Lamentavelmente, a volta rápida não se traduziu em alegria: em vez de ir direto para a maloca, decidi comprar uma caixa de sorvete para a família e balinhas de chocolate para o Edgarzin.

Por conta disso, desviei para uma outra avenida depois de tentar comprar em um posto de combustível perto da UERR.

Daí poderia ter parado na casa de minha avó, mas já estava tudo fechado. Até pensei parar no apertamento e baixar umas coisas do carro mas fiquei com medo do sorvete descongelar.

“Melhor ir para casa”, pensei. Melhor tivesse parado em qualquer lugar.

Logo adiante, no cruzamento da principal avenida do bairro com uma ruazinho que escoa parte do trânsito, um imbecil avançou as duas faixas da pista dupla, passou pela área do canteiro central, avançou o que eu chamo de quarta faixa (contando a partir do encontro das vias) e me encontrou na borda da quinta, já desesperadamente tentando frear para não ter o carro batido.


O número 1 era eu indo para casa e o 2 foi o motorista idiota avançando geral e me acertando no X



Deu nisso:



Não houve ferimentos, o cara disse que não viu a placa de sinalização e que por isso avançou, combinamos de passar na seguradora no outro dia, meti o carro na oficina já por conta dele mas tive que arcar com o custo do aluguel de um veículo para não ficar a pé no meio do verão ardente amazônico.

Resultado: umas três ou quatro semanas que me custaram mais de dois mil reais em aluguel e um som quebrado cujo custo não vou conseguir nunca repassar para a seguradora, já que as lojas de som desta minha terra querida não conseguem fazer um laudo atestando que o aparelho foi danificado na batida.

Quem disse que viajar não tem emoção depois que a gente chega em casa?

P.S.: o meu antigo gol foi batido do lado esquerdo, também por um motorista idiota que alegou não ter vista a placa de “Pare” (Veja uma foto aqui). O atual carrinho pegou a pancada do lado direito, com o cara alegando a mesma coisa. Estou com medo do ângulo da próxima pancada.

quarta-feira, junho 13, 2012

Lá, na Rio + 20, em alma e poesia


Copiado do Facebook de meu parceiro Jonas Banhos, do movimento NossaCasa de Cultura e Cidadania:

Atenção amig@s da Barca das Letras: estaremos aportados na Cúpula dos Povos, debaixo de alguma árvore, bem no meio do caminho dos que forem ao Aterro do Flamengo(RJ)!!! Passa lá que a intervenção NossaCasa de Cultura da Amazônia estará lá, levando as imagens, adereços, o modo de vida e a leitura/cultura das várias comunidades ribeirinhas, quilombolas, agroextrativistas, pescadores, indígenas por ...onde passamos nos últimos quatro anos.

E, também, as artes-fotográficas-poéticas dos parceiros do Coletivo Caimbé (RR) - o Edgar Borges, o Tana Halú Barros e Zanny Adairalba; e dos nossos queridos Neuton Chagas e Rozana Barros (Ourém/PA), que gentilmente nos doaram suas obras para que navegassem por aí e acolá conosco!!!
E quem quiser divulgar alguma ação orgânica/verdadeiramente das comunidades da floresta Amazônica(longe de partidos, políticos, governos, ongs, universidades), manda ae que será um prazer pra nós des-escondê-los!!!

UP DATE

18.06.12


A nossa poesia já está à mostra na na Rio + 20, como anunciado anteriormente. Olha aqui algumas fotos feitas pelo arteeducador Jonas Banhos, que se instalou no Aterro do Flamengo, na Cúpula dos Povos. Olha as fotos que ele colocou e comentou no Facebook:



Outras pessoas também vieram ajudar na montagem da Barca das Letras. Esse grupo aí lindo, ajudou a montar o varal ecopoético!!! E tmb aproveitaram para degustar as poesias do Coletivo Arteliteratura Caimbé(Edgar Borges, Tana Halú Barros e Zanny Adairalba) de Roraima e dos paraenses Neuton Chagas e Rosana Barros, e mais as poesias que ganhamos ontem, da paulisa Evangelista e do a piauiense William Soares !!!





Americanas e brasileiras vendo a exposição fotopoemas do Coletivo Arteliteratura Caimbé de Roraima(Edgar Borges, Zanny Adairalba e Tana Halú Barros), na Barca das Letras, no primeiro dia da Cúpula dos Povos!!!


domingo, outubro 16, 2011

Sobre o futuro shopping de Boa Vista

Não entendo a matutice das pessoas que falam ou escrevem a toda hora sobre a construção do futuro shopping como se fosse algo fantástico. Todas dizem que será uma maravilha, que Boa Vista precisava disso, que agora sim somos uma capital, blá, blá, blá.
Caramba, bando de gente obtusa que confunde crescimento econômico de alguns com desenvolvimento social da maioria: Boa Vista precisa de mais escolas, de políticas públicas integradas para todas as áreas, principalmente a cultural, de gestão financeira séria, de planejamento, do poder público olhar para a periferia e arrumar as ruas, abrir bibliotecas, consertar as lâmpadas, criar ações de capacitação profissional, de menos firula com coisas que nunca dão certo, como a Área de Livre Comércio e a tal ZPE, e outras que são pura ilusão, como saúde e segurança 100%.
Se todos os que falam do shopping com os olhos brilhando de emoção pela expectativa de passear dando voltas olhando vitrines se dedicassem a falar um minuto por dia sobre desenvolvimento social, aí com certeza teríamos algo a comemorar. Seria o começo da criação de uma consciência cidadã. Afinal, de nada adianta você ter grana no bolso ou no banco para comprar roupas caras em um ambiente refrigerado se o mundo ao redor está desabando ou sendo usado para alavancar a riqueza de alguns.

Ou alguém acha que o shopping não vai ganhar uma pá de benefícios fiscais e afins para seguir em frente? E além disso, alguém já parou para pensar nos impactos ambientais (geográfica, biológica e socialmente falando) que o empreendimento vai trazer à região onde for instalado?

domingo, setembro 18, 2011

Pé n’água: literando pelo rio Macacoari no Amapá

Participei entre os dias 25 de agosto a 3 de setembro da Pororoca Cultural, evento literário realizado em três comunidades ribeirinhas do Amapá pelo arte-educador Jonas Banhos, do Movimento NossaCasa de Cultura e Cidadania.

 Macapá - Carmo do Macacoari - São Tomé - Foz do Macacoari - Macapá: esse foi o trecho

Representando o Coletivo Arteliteratura Caimbé, me taquei para o estado cuja capital é cortada pela imaginária Linha do Equador. A viagem foi mais uma etapa do projeto Caminhada Arteliteratura, que congrega todas as atividades fora de Boa Vista feitas pela equipe do Coletivo Caimbé, e integrou-se o projeto Mochileiro Tuxaua, escrito por Jonas e aprovado com o prêmio Tuxaua Cultura Viva, do Ministério da Cultura. 


Foram 12h30 para chegar em Macapá. E se você olhar no mapa, Roraima e Amapá estão praticamente colados, separados no Brasil por um pedaço do Amazonas. O lance são as conexões. Fui de Gol, saindo de Boa Vista 2h30 da madrugada, dormindo duas ou três horas no aeroporto de Manaus (AM), fazendo uma escala em Santarém e descendo em Belém (PA), onde fiquei outras horas e encontrei, vindos de algum lugar do País, Jonas Banhos e Rita de Cácia, também do Movimento NossaCasa de Cultura e Cidadania.

Foz do Macacoari - Edgar 386

De lá para Macapá o tempo de viagem não dá uma hora. Chegamos às 15h. E essa é a rota mais curta e rápida. A primeira impressão foi ter chegado novamente em Tabatinga, na fronteira com a Colômbia, cidadezinha onde estive em 2004, de passagem para o Peru, ou ter voltado no tempo, desembarcando no aeroporto de Boa Vista há uns seis anos, quando ainda não havia sido reformado e as autoridades não tinham feito uma grande festa por conta de uma escada rolante. 


O aeroporto internacional de Macapá é acanhado em sua área de desembarque. Os passageiros ainda são obrigados a descer do avião e enfrentar o céu aberto para chegar numa escura sala e poder pegar suas bagagens. O bom é que ainda tem uma sacada para ver quem vai ou chega e dar tchauzinho (Bem Boa Vista em anos passados). 






Um quadro imenso, que Jonas me contou ser de um dos grandes pintores do Amapá, decora a sala e serve como local de encostar coisas. Ao lado do acanhado aeroporto, uma grande obra de modernização parece estar parada. Dentro dele, a muvuca é grande para poder pegar as bagagens. E eu só pensava no Sarney e seus diversos mandatos como senador do Amapá.


A cidade é quente. Mais quente que Boa Vista até. É a selva amazônica que traz a sua umidade e deixa tudo com jeito de Manaus, outro lugarzinho que me dá medo ir por conta do calor. E tem o fator primordial: estando em Macapá, se está no meio do mundo, com direito a pular de um hemisfério a outro em apenas um passo. Ou seja, é sol que não acaba nunca. Em compensação, a brisa que vem do Amazonas é um espetáculo da natureza, literalmente falando.


Macapá tem uma imensa orla frequentada a toda hora por pessoas que buscam relaxar à sombra da Fortaleza de São José de Macapá, beber uma gengibirra, jogar uma partida de futlama ou fazer suas caminhadas (Neste caso, uma observação: o espaço da calçada da orla mal dá para quadro pessoas apertadas umas com as outras. Acho que quiseram economizar no cimento da largura para ter mais comprimento.). Um final de tarde na Orla, olhando a maresia e sentindo o vento gostoso que bate, e você esquece que o meio-dia (e as 10h, 11h, 13h, 14h, 15h,16h e 17h) é escaldante. Do jeitinho de Roraima.






A maquete da forteleza

Não é o mar, é o rio-mar Amazonas

 Olha eu no meio do mundo, cada perna em um hemisfério.



Macapá não possui muitos prédios. Parece Boa Vista. Percebi que há muitas casas com muros baixos, alguns até assustadoramente baixos demais para os padrões de Boa Vista, onde qualquer casa furreca tem muro de dois metros e meio e uma cerca elétrica ligada diretamente na usina de energia. Vi muitas residências feitas de madeira, com uma arquitetura que me lembrou as casas de filmes ambientados no interior dos Estados Unidos.


O material, me disseram, era mais barato que tijolo e cimento. Deduzi que os formatos poderiam ser herança do tempo em que havia muitos gringos morando lá enquanto trabalhavam na extração de minério e ficavam na base militar que os EUA instalaram durante a Segunda Guerra.


Gostei muito de ver que ainda se encontram muitas árvores em ruas comerciais. Mangueiras e outras espécies servem como abrigo para pedestres e clientes, dando um toque bacana à cidade. Diferentemente de Boa Vista, onde a primeira medida do dono ou do arquiteto é mandar derrubar o que estiver na frente para não atrapalhar a visibilidade da placa do empreendimento. Depois disso, mandam instalar vidros fumês e potentes centrais de ar condicionado para amainar o calor. Quando imbuídos de espírito ambiental, plantam umas palmeiras para dar um “toque amazônico” aos comércios.


E falando em comércio, mercadinhos, mercearias e quitandas são chamados em Macapá de Mini Box. É mini box para tudo quanto é lado. Daí entendi de onde a banda Mini Box Lunar tirou o seu nome. É como se fosse Mercadinho Lunar. Na primeira noite em Macapá, 23 de agosto, tive a sorte de pegar um evento legal, o Navegando na vanguarda, em frente ao Teatro das Bacabeiras, com diversas atrações musicais, entre elas a Lunar.


Foi lá que bebi minha primeira dose de gengibirra e, mais uma vez, refleti sobre a loucura que é o deslocamento rápido (mesmo durando tanto entre dois estados tão próximos). Afinal, uma noite antes estava em Boa Vista e menos de 24 horas depois estava curtindo o som de gente totalmente desconhecida e que não desconfiava que houvesse um índio na terra deles.





Olha a galega lindinha psicodélica vocalista da Mini Box Lunar

Antes de pegar a van que nos levaria até a comunidade Carmo do Macacoari, visitei a sede de NossaCasa de Cultura e Cidadania, conheci in loco o projeto da biblioteca aberta 24h (é um pegue-e-devolva muito legal que funciona no Centrão da cidade), estive na escola Conexão Aquarela para o começo de uma parceria entre a instituição e a NossaCasa e participei de duas entrevistas de para falar da viagem.














A primeira foi com Humberto Moreira, radialista da Difusora do Amapá que já esteve diversas vezes em Roraima, inclusive na inauguração do Estádio Canarinho, hoje Flamarion Vasconcelos, e conhece várias figuras relevantes da cultura local. Ele chegou a cantar um trecho da música “Roraimeira”. Olha aqui o trecho final do papo com ele:





A outra entrevista foi no programa do Olímpio Guarany. Essa a gente gravou enquanto passava na TV. Assista e veja a mancada que dou no meio dela:







Bem, dadas as entrevistas, comido o peixe frito com açaí no mercado municipal, o camarão na orla e carregada a van com muitos livros e gibis, embicamos rumo à comunidade Carmo do Macacoari, a algumas horas por terra de Macapá. Estava com tanto sono que não vi quando deixamos a área urbana. Fui acordar já no trecho de piçarra e buracos antes da comunidade. A vegetação é parecida com o lavrado/cerrado de Roraima, tendo inclusive buritizais, gramíneas e plantações de milho e arroz em vários pontos.


Carmo do Macacoari tem energia elétrica 24 horas, padaria, duas quitandas (ou mini box, conforme o costume local), uma escola, igreja de São Sebastião (que serve como praça com seus três bancos e meio), cemitério, a rua principal asfaltada e dois campos de futebol que vivem cheios de meninas e meninos. As noites são modorrentas e a iluminação pública péssima.


Não há o que fazer além de jogar bola, tomar banho no rio ou esperar a adolescência chegar para começar a namorar e, se for de gosto, beber e fumar. A cara de Guasipati, cidadezinha da Venezuela onde cresci. A diferença é que lá tem mais ruas.


Quando chegamos, a criançada ficou doida, perguntando pelos livros, pelo cinema, pelas brincadeiras e pelo banho no rio. Jonas e Rita fazem a festa no local.


Ficamos três dias trabalhando e divertindo-nos muito com a turminha. Os meus companheiros montaram barracas e estenderam lonas com livros, gibis e material de desenho, colocaram megafones a disposição dos leitores mirins, fizeram sessões de cinema com um projetor montado na frente da sede do Movimento NossaCasa, oficinas de fotografia e artereciclagem e outro bocado de ações bacanas.


Eu, que fui para o Amapá a trabalho, também trabalhei. Expus meus textos da Mostra Fotográfica Curt@s Histórias e Poesias e fiz quatro oficinas de criação literária, sendo duas com turmas da escola local e outras com o público da NossaCasa.

NossaCasa 172



Da primeira para a última, mudei tudo para adaptar-me à realidade do pessoal, afetada pela timidez, falta de investimento na capacitação docente e de material adequado ao seu desenvolvimento educacional. Apesar do que possa parecer, achei muito bom o resultado. No final, já estavam produzindo seus versos e ilustrando poemas meus, de outros autores e criados por eles mesmos.












O processo foi bacana. Foi de demolição, construção e reconstrução de conceitos e métodos em busca do melhor resultado, da melhor forma de semear gosto pela literatura, o grande desafio que decidi encarar quando me juntei aos meus colegas do Coletivo Arteliteratura Caimbé. Bom, nem tudo foi trampo. Teve também banho no rio, devoração de camarão comprado a seis reais o quilo, dormida em barracas depois de uns 9 ou 10 anos (a última vez foi quando subi o Monte Roraima, lá na distante juventude) e uns bons bate-papos com o seu Zé Picanço, tio do Jonas, quilombola, agricultor, capitão de barco e dono da casa onde montamos base.






 Rá! Esse feioso, tampando o nariz, sou eu, todo aventureiro, pulando no Macacoari



 Cineminha na NossaCasa










Segurança antes de tudo. Tenho filho para criar.

Deixamos Carmo do Macacoaria sob protesto das crianças, que queriam mais sessões de leitura, desenho e cinema. Embarcamos na segunda (29 de agosto) no barco “pó-pó-pó” de seu Zé rumo à comunidade São Tomé, distante umas quatro ou cinco horas do Carmo, conforme a maré. O Macacoari foi alargando, ficando barrento, a selva crescendo, mostrando seus açaizais imensos, suas margens cercadas pelos fazendeiros, que botam arame até nas entradas dos pequenos igarapés.


O tempo aqui tem outra noção. Ele vai e vem conforme as águas sobem e descem, baixam e crescem, conforme o açaí está ou não maduro ainda. Passamos por dezenas de palafitas, por um quilombo, por tracajás e araras, por ribeirinhos descendo o rio em suas voadeiras e “montarias”, nome dado às canoas cavadas no tronco de árvores ou feitas com três tábuas.

Enquanto subíamos, seu Zé ia contando histórias da região e tirando sarro, junto com a Rita, da minha falta de conhecimentos básicos sobre natação. Para seu Zé e todas as crianças do Carmo, que nascem praticamente anfíbios, uma pessoa que não sabe nadar é, no mínimo, estranha. Como explicar o injustificável?


Chegamos em São Tomé com a maré cheia, baixamos o material no porto da comunidade e almoçamos na casa da senhora Borges, minha parente distante, mãe de 14 filhos e participante da oficina de arte. Depois disso, oficina de literatura e ilustração, arte, roda de leitura, fotografias de novos anfíbios, banho no Macacoari e sessão de cinema na escola da comunidade. Em São Tomé, assim como na Foz do Macacoari, só se anda acima do nível do chão, da vazante. As ruas, avenidas e calçadas são passarelas de madeira mais largas, menos largas, conforme a situação. Energia elétrica? Duas ou três horas por noite, conforme o combustível do motor. Se estragar ou não forem pegar, ficam no escuro vários dias.

 Árvores sobre árvores



 Pensando em largar tudo e ir morar na selva...



 Guincho de montaria



 São Tomé













 Passarelas, passarelas, passarelas












 Capitão Zé Picanço e o aprendiz de marinheiro
Arte em tampas de garrafa PET






 Eu, corajoso



Adorei essa iconografia: é uma voadeira



Eu, urbano 100%, demorei a me acostumar com a situação. Depois me ambientei tanto que ao chegar em Macapá já estava caminhando como os ribeirinhos. Outro teste do meu processo de adaptação à selva amapaense foi passar as malas de uma embarcação para outra em São Tomé.


Seu Zé Picanço me pegou para marinheiro, deu as instruções e mandou tomar cuidado para não cair na água. Eu, valente e sem colete salva-vidas, encarei a responsa e quase tirei nota 10 na prova. Faltou só subir no telhado do barco para empurrar as malas, mas antes disso um morador, com pena de mim, desceu do porto para nos ajudar. Quer dizer, pensando bem, eu tirei nota 10 em tudo o que seu Zé mandou fazer. Tanto é que no último dia navegando com ele já estava quase com a patente de capitão. Como falei antes, só faltava aprender a nadar.


À esquerda, comunidade Foz do Macacoari. Abaixo do barco, o rio de mesmo nome. O horizonte aí é o Amazonas, imenso e forte


Saímos na terça-feira, 30 de agosto, em direção à Foz do Macacoari, comunidade literalmente na esquina com o colosso rio Amazonas. Foram duas ou três horas subindo. Aqui aconteceu o momento mais chato da viagem: descobri que meu caderno de anotações havia ficado no Carmo.


Nele tem de tudo: ilustrações, poemas, microcontos, notas de reuniões, telefones, lista de coisas para fazer que nunca faço mas é bom lembrar que devo fazer... Ficando o livro no Carmo e tendo chegado à Foz, não tinha como pegar um táxi e buscar o caderno. O jeito foi esquecer e tocar o barco, voadeira, montaria pra frente.



Nessas alturas, eu já estava sabendo que horas a maré subia e baixava, como manter o equilíbrio de um barco pequeno e outros detalhes da vida marinheira. Só faltou saber nadar. Ficamos na casa de seu Martinho e dona Creuza, extrativistas, pais de várias moças e rapazes que conseguiram concluir o ensino superior com muito esforço e quilos de açaí vendidos no porto de Macapá.



 








 Clique para ler os nomes das duas voadeiras


Seu Martinho é a figura que dá a seguinte entrevista, falando sobre a importância dos projetos de incentivo à leitura para manter os agricultores no campo:






Se você viu todo o vídeo, percebeu que o homem é ligado no mundo. Foi um dos fundadores do PT no Amapá, ajudou a organizar o movimento extrativista e lê muito. A obra atual é Assim falou Zaratustra, do Nietzsche, texto que eu ainda não tive coragem de encarar. De passarela em passarela, saímos por quatro dias da casa de seu Martinho para a biblioteca comunitária da Foz.



 Carangueira: não se meta com ela e ela não se mete com você

 Li essa obra quando era criança pequena na Venezuela. Foi presente de meus avôs maternos




 Clique para ampliar e ler







A Quele, nora de seu Martinho, é quem abre o espaço semanalmente para oferecer um recanto de leitura às crianças e adolescentes da Foz. Funcionando no prédio onde havia antes uma escola, a biblioteca tem um acervo de revistas, gibs e livros muito bacana. Recentemente compraram, com a verba de um edital do Ministério da Cultura, diversos exemplares da literatura amapaense. Entre eles veio um chamado Mazagão, a cidade que atravessou o Atlântico. Fantástica a história da população que saiu durante o reinado português da África para Lisboa, depois para Belém e no fim foi instalada no que viria a ser o estado do Amapá.


Olha aqui uma entrevista com a Quele e a Gabi, sua sobrinha, falando sobre as atividades na biblioteca:





Sentiu como a leitura muda as pessoas? Conhecendo esse povo me lembrei das visitas e bibliotecas que deixamos em cinco comunidades indígenas de Roraima durante o primeiro semestre deste ano.


A Caminhada Arteliteratura foi justamente isso: um semear de mudanças. Por isso sempre disse para os diretores e tuxauas que se tratava de esperar resultados a médio e longo prazo, sempre cobrando do Poder Público capacitações para saber como dinamizar os espaços literários. Ficamos quatro dias na Foz.


Fizemos atividades na biblioteca comunitária, na escola estadual Eugênio Machado e na casa de seu Martinho, conversamos muito com os professores e moradores sobre o trabalho, tomamos banho de rio todo dia, passamos calor na beira do Amazonas, pois a selva é quente do mesmo jeito.

 Os alunos chegam de barco. Em média, os mais distantes moram a duas, duas horas e meia de casa. A merenda da escola, com muita economia para que não falte nehum dia, é um copo de nescau com algumas bolachas de água e sal



Foz Macacoari Edgar 2011 191
A turma, ouvindo poesia de olhos fechados











 






Essa moça bonita se chama Rayane. Colocando um "H" teria o mesmo nome da filha de meu amigo Rhayder Abensour, da banda Iekuana


 Preparando o cinema na casa de seu Martinho


 Olha a professora de português





 Voltando para a casa de seu Martinho






Acima de tudo, nos divertimos muito fazendo o bem. Demos uma passada na comunidade Igarapé do Amazonas, antiga Igarapé dos Porcos, em frente à Foz, mas já no município de Macapá. Lá conversamos com o seu Zeca, irmão de seu Martinho. Ele nos mostrou de onde vem o palmito que muita gente adora em sua pizza. Confere no vídeo:




Como dito antes, esta foi uma viagem de aprendizado, muito aprendizado. Fiz coisas que nunca havia feito na vida, como entrar numa plantação de açaí, comer arraia, andar em passarelas de madeira, carregar sacolas de um barco para outro, tomar gengibirra, esquivar-me de aranhas caranguejeiras e conviver com ribeirinhos, entre outras que agora esqueço. Só faltou ir ao evento poético promovido pela Alcinéa Cavalcante, o “Poesia na boca da noite”. Até fiz contato via Twitter, mas não deu. Fica pra próxima. 


A Pororoca Cultural terminou no sábado, 3 de setembro, quando deixamos a Foz de madrugada, rumo a Macapá, na minha segunda viagem pela Amazonas. A primeira foi indo para Iquitos, há muito tempo. Vi o sol nascer um pouco antes de chegar na capital amapense, desembarcar tudo e preparar-me para viajar na próxima madrugada de volta a Boa Vista, no trecho Macapá-Belém-Brasília-Manaus-Boa Vista. E esse era o mais rápido...


Nascendo
 Nascido


Macapá, vista do Amazonas


Antes de fechar um exemplo de como o mundo é pequeno. Na última noite, enquanto comprava algo para comer no supermercado próximo ao hotel, encontrei uma professora de português que havia conhecido na Foz. Se ficasse mais uns dias estava como em Boa Vista, totalmente enturmado. 


Neste link você pode conferir umas 500 fotos da viagem, feitas por mim e por Jonas Banhos durante a Pororoca Cultural 2011.


Neste aqui você pode ler um artigo que publiquei no site Overmundo falando sobre a Caminhada Arteliteratura, a Pororoca Cultural e políticas públicas para a área da literatura.


Se isto fosse um programa de TV, te chamava para a próxima viagem literária. Mas não é. Tudo na vida de pessoas como a turma do Coletivo Caimbé e de NossaCasa de Cultura depende de verba e apoio. Por isso, fica o convite: vamos conversar sobre uma visita à tua região? Apoiando bem, garanto que as atividades te farão bem.