sábado, abril 04, 2020

Diário da Covid-19: a primeira morte em Boa Vista no final da terceira semana

Aviso a quem chegou agora ao blog: a primeira parte das minhas impressões na quarentena está aqui. E tem um marcador chamado Diário da Covid-19 lá no rodapé. É só clicar para ler a sequência.

Para quem já leu: mexe os olhos e segue. 

29/3, domingo. Amanheceu nublado. De novo acordei ainda no escuro, mas hoje me dei folga. 72.900 Kg é o peso. Pensei que ficar isolado na quarentena me faria engordar, mas ainda não. 

Lavo a varanda da frente. O xixi do Balu e a fuligem das queimadas a deixaram suja. Ontem saímos à pé para o Mercantil do Consumidor fazer umas compras para uma pizza caseira feita pela dona Alba. Zanny disse no final da caminhadinha que estava precisando mesmo sair de casa. A entendo. Mesmo sendo adepto do distanciamento social, uma coisa é optar e outra é não poder andar por aí. Queria pelo menos dar um pulo na Americanas para ver se chegou hotwheels, mas nem isso se pode. Segurança acima de tudo. 

Saiu no jornal ontem: Roraima tinha mais casos confirmados de coronavírus. Acho que se aplicar uma fórmula qualquer onde x são os confirmados e y sejam as subnotificações, teremos um número mais real.

Caminhamos no final da tarde. O bairro normalmente não tem ninguém nas ruas, mas neste horário sempre me pareceu que as pessoas saiam para fazer esporte. Vimos quatro apenas: um sujeito que nos ultrapassou trotando, uma moça que passou por nós abrindo aquela distância de quem não quer nem sentir nossa presença e um casal em duas bikes, numa delas o bebezinho deles. 

Zanny está deixando o quintal limpo como nunca esteve. Obviamente é sua fuga mental.

O Vilela fez uma live musical ontem. Tinha feito uma outra na semana passada. Foi a primeira e segunda vez que parei mais de dez segundos para prestar atenção neste tipo de web ação. Até tomei uma solitária cerveja. 

Navegando, descubro que Jorge Drexler fez uma live de um show que cancelou. Ficou de costas para as cadeiras do teatro e mandou ver. Conta que foi extenuante cantar para ninguém.


Segunda, 30/3. Amanheceu nublado e choveu um pouquinho. Desde ontem ameaçava, mas só estava caindo fuligem. A garoa chegou quando eu já estava entrando em casa, vindo de minha corrida matinal anti-loucura. Hoje consegui bater a meta do mês: fazer 4km em menos de 30 minutos. Verdade que foi puxado. Talvez em consequência da caminhada de ontem à noite o corpo não tenha tido tempo de descansar. Em três momentos tive que caminhar para dar descanso aos pulmões. Mesmo assim, consegui. Agora vou em busca do 4,5 km e depois foco nos 5 km. 

Manhã de focar em avançar em um artigo científico a partir da dissertação. De tarde tem trabalho remoto. 

Terça, 31/3. Corro na avenida de barro. Hoje estou muito cansado e vou parando a todo momento. Encontro perto da parada deserta dos ônibus algo parecido com uma oferenda. Aproveito para descansar de novo e fotografar. Será que pediram pelo fim da pandemia? Se eu fumasse, pegava essas carteiras de cigarro e fazia a festa. 

Essa é minha avenida de corrida. Vou atéééé o final da parte não asfaltada e volto

Dois dias depois passei de novo e havia levado os cigarros. As latas e as garrafas continuavam na mesma posição

Vamos fazer compras. No Novo Tempo descubro que acabaram as promoções de terça e sexta dos legumes, frutas e verduras. E parece que tudo subiu de preço. Tem empresário que não pensa em outra coisa além do bolso mesmo. Vamos no Gavião comprar carne e as pessoas não respeitam a distância mínima entre si e ainda ficam tossindo e encostando no balcão do açougue.... De toda forma, fica o parabéns por todas as medidas que o Gavião está tomando para ajudar no achatamento da curva de propagação do vírus.

Voltamos para casa. Um estresse (necessário, Ok, mas ainda assim um estresse) isso de entrar pelo lado, lavar as solas dos calçados, lavar as sacolas de tudo, lavar as roupas com que saímos... Os que sobrevivermos a esta pandemia teremos novos hábitos de higiene, com certeza. 

Quarta, 01/04. Não vou correr. Amanheço sem disposição. 241 pessoas já morreram no Brasil. Em Roraima, ninguém. Zanny investe energias em limpar o quintal, ocupar sua mente com a atividade física para não pirar. De noite, fica vendo as lives nas redes sociais. 

Trabalho remoto. Não há muito o que divulgar se está tudo parado. Muito calor e minha conta de energia chegou avisando que veio mais alta que a do mês passado. Continuo lendo o livro de contos do Moacyr Scliar e algumas literaturas na internet. Coisas curtas que vejo aparecer o link nas TLs. 

Primeiro de abril é o Dia da Mentira e o Capitão Coronaro, nome carinhoso de nosso presidente, aproveita para compartilhar uma notícia mentirosa sobre desabastecimento na Ceasa de Belo Horizonte. A CBN vai lá e mostra que é mentira, mas já é tarde. Sua guerrilha virtual já espalhou por aí. 

Roraima fecha o dia com 22 casos confirmados de Covid-19. As pessoas por aí não parecem levar a sério. Vimos ontem muitas empresas abertas, gente falando que ia abrir, gente postando desde o final de semana vídeos mostrando que os encontros sociais continuam acontecendo...


Quinta, 02/04. Corro e aumento a quilometragem dentro dos 30 minutos. A meta agora é chegar a 4,5 km sem ser mordido pelos cachorros soltos do bairro. Corro, mas há um cansaço físico e mental instalando-se em mim. Sempre fui um distanciado social, mas estou cansando disso. Queria pelo menos ir pegar a HQ do Conan que paguei via transferência mas deixei para ir recolher no futuro sabe-se lá quando lá na banca Playboy. 

Chorei às 5h59 lendo uma postagem sobre uma senhora europeia de 90 anos que recusou ser atendida com um respirador para dar chance de tratamento a alguém mais novo. Me assusto às 10h vendo que em Guayaquil os mortos estão sendo deixados nas ruas e nas casas. Faço contas para ver qual deve ser a real proporção de contaminados em Roraima levando em conta que 9 em cada 10 casos não são detectados no Brasil. 


A preparação para a volta às aulas está acontecendo. Todos os pais de alunos da sétima série vão receber informações via grupo de whastapp. Segunda começam as atividades para valer, de acordo com o que seja para valer. 

Estou mentalmente ficando cansado.

Sexta, 03/04. Acordo sem disposição para correr, vou ver meus arquivos de texto para inscrever algum em concursos literários. Tenho vontade inscrever-me em até quatro por mês. A meta é ínfima, mas adequada à falta de foco e de concentração. É tanta coisa que parece mais prioritária que somente ontem ou hoje, não lembro, é que fui entrar na onda de anunciar que eu também posso colaborar com a minha arte para diminuir o estresse da quarentena. Basta clicar e baixar meu livro de contos

Demorei, mas fiz. Comecei esta semana a tocar o projeto de publicação do livro de poemas. Falei com a Camilita e ela fará a diagramação. Quem sabe não saio da quarentena com um livro? Me inscrevi em um concurso, errei nas orientações do edital, pedi para cancelar e me atenderam. Ganho um nova chance e percebo que ando lendo por cima demais as coisas. 

Publiquei um texto falando das playlists que montei em 2019 e 2020 para afastar o fantasma da tristeza por conta dos rumos administrativos e políticos do Brasil, vulgo a extrema direita vai acabar com tudo de bom que temos e poderíamos ter. Rolou até um ataque bolsominion no Facebook, onde publiquei primeiro. Dá uma lida aqui nessa onda. 

Final de tarde. Quente, muito quente. A UFRR prorrogou indefinidamente a suspensão das atividades administrativas e das aulas presenciais nos cursos de graduação. Ou seja, temos muitos dias de trabalho remoto por aí vindo. No final do expediente (há quem diga que é fácil o trabalho remoto, mas não é. Rola conversa cruzada, falta aquela interação física necessária para entender e encaminhar ações e ainda aumenta a nossa conta de energia elétrica), bem, no final do expediente chega  a notícia: Roraima tem oficialmente seu primeiro falecimento por conta da Covid-19. Nas redes, pessoas com estudo, viajadas e supostamente cheias d conhecimento, ainda duvidam da doença e fazem chacota. “Agora tudo é coronavírus. O cara morre de tuberculose e botam coronavírus...”. Não sei o que pensar dessa cegueira além de considerá-la sinal de estupidez. 

Vamos caminhar um pouco. O Mercantil do Consumidor está lotado. Tem compras sendo levadas pelo motoboy. “É o horário”, explico para Zanny. “Sempre está cheio entre 18h e 19h”. Caminhamos quase quatro quilômetros. Está quente, muito quente e o ar machuca as narinas. Prefiro exercitar-me pela manhã, mas é até bom sentir como é o tempo nos outros horários. Estou pensando em talvez começar a participar dessas corridas que sempre têm em Boa Vista. Quando será que as coisas voltarão à normalidade?

O aplicativo prometeu chuva, mas não teve, não


Gravei à tarde um vídeo mostrando os carrinhos que compramos e ganhamos este trimestre que passou. Vou editar de tarde e talvez domingo poste. 

04/04, sábado. Depois de uma noite sem vento e muito quente, amanheceu nublado. Acordo umas 5h30, vou correr às 7h, aumento a quilometragem, faço as flexões de peito que o poeta Joakin Antônio recomendou (esta semana aumentei em 20% o número), varro a cozinha e a varanda, tomo banho, converso com a recém-acordada Zanny, passo u, tempo vendo como estão ficando na cintura as calças, decido sentar no escritório para fechar o diário da quarentena e editar o vídeo. 

A manhã está nublada e lembro que mais cedo chorei de novo vendo cenas de enterros em São Paulo. Quando as mortes em massa forem aqui em Boa Vista, nunca mais seremos os mesmos. 

5 comentários:

Joakim Antonio disse...

Uma honra caminharmos juntos nesse mesmo espaço-tempo, poeta. Abração e continue nos brindando com seus textos!

Vanessa Brandão disse...

Caro amigo, compartilho de sua sensibilidade, pois também tenho chorado diante de algumas cenas.

Unknown disse...

Conforme os dias vão passando, vamos ficando mais angustiados. Cada vez que saio para fazer compras e deixo em casa minha mãe e minha filha, penso que estou num filme de ficção sobre epidemias bizarras como aqueles filmes de zombie. Sempre penso: será que vou trazer essa porcaria para casa junto com as compras?
Fico também preocupada com o dia que tivermos que voltar às atividades presenciais e o vírus ainda estará lá fora e olharemos a todos como potenciais inimigos...

Unknown disse...

adiliaquintelas27@gmail.com

Edgar Borges disse...

Joakin, tamo junto, poeta. Claro, mantendo aquela distância de segurança. hahahaha

Vanessa, tá ruim, pode ficar pior e chorar é bom.

Adília, compartilho de todas as tuas agonias. Os tempos são de medo.