quarta-feira, janeiro 26, 2005

Betão, o roqueiro light

Betão, metaleiro dos pesados, leitor de revistas de rock que sempre trazem alguém na capa fazendo pose de malvado, guitarrista solo de uma banda, devorador de madrugadas e inimigo das duplas sertanejas desde que tinha uns 9, 10 anos de idade, está mudado.
Não, o cabelo continua o mesmo. Também não engordou. Nenhuma nova tatuagem foi acrescentada às...(ih, o Betão é maus mas mora com os pais ainda e teve uma criação rígida. Por isso nunca quis tatuar-se).
A mudança foi mais profunda. No início, pensou-se em algo conjuntural, talvez apenas uma reação ao fim do namoro de três anos com Luciana, que o despachou depois de uma noite em que divergiram sobre ir a um show-tributo ao Megadeth ou assistir ao DVD novo do Alexandre Pires.
- Eu? Curtir essa porcaria de pagode? Parece que você não me conhece!!!
Pegou um pé na bunda por excessiva grosseria.
Depois do período da fossa e de muitas ligações para ver se reengatava o namoro, Betão desbundou. Aproveitou os shows da banda para descontar o tempo que esteve amorosamente preso. Bastava alguma garota olhá-lo por uns três minutos e ele já tratava de encostar a sua Fender Stratocaster na, segundo suas palavras, escolhida da noite.
Na faculdade, Betão aproveitou sua popularidade como roqueiro e orador da turma para dar uns apertos nas coleguinhas.
Até aí, ninguém estranhava nada. Mas o pior, quer dizer, a grande mudança no comportamento do moço ainda estava a chegar.
Um dia, Betão descobriu que no rock sempre apareciam as mesmas meninas e ele não estava mais a fim de repetir as mesmas bocas.
Pelos links do fotolog de sua banda, que se uniam a outros e outros e outros, chegou no log da Turma do Pagode. O novo paraíso.
Betão, agora fazendo questão de ser chamado de Roberto, passou a freqüentar a quarta, a quinta, a sexta e às vezes, a sexta do pagode dos bares da cidade. A bebida dentro dos limites, como bom roqueiro natureba. E entre foras e chega mais meu bem, salvavam-se todas as noites. Até aí, o seu comportamento foi considerado uma reação natural, como se fosse a descoberta tardia de um novo mundo, com letras de axé pedagógico, do tipo "encaixa, encaixa, encaixa..."
Mas o melhor ainda estava a caminho.
Uma manhã de janeiro, depois de voltar de outra cidade, onde havia tocado no final de semana, Betão chegou no seu trabalho (apenas uma parada antes de chegar ao estrelato nacional e à grana boa do show bussines, conforme diz), ligou seu computador e, como de costume, pôs um CD para rodar.
Pouco a pouco, a sala foi sendo tomada pelos acordes do disco ao vivo de Bruno e Marrone. Peraí, isso aí é Bruno e Marrone, aqueles de "dormi na praça", perguntaram os colegas, espantados. Betão, quer dizer, Roberto, apenas sorriu e até disse qual era a sua música preferida.
Depois que três dos colegas receberam alta do psiquiatra, que conversou com Roberto para que o mesmo evitasse dar esses sustos nos amigos, outros dois deram entrada no hospital. O motivo? Espanto quando ouviram, saindo das caixas de som de Betão, "Imortal", de Sandy e Júnior.
Há suspeitas que Roberto tenha sido hipnotizado, abduzido, seduzido por alguma componente das comunidades das quais faz parte no Orkut. Ou que sua nova paixão seja uma daquelas jovens demais para serem exibidas.
No mais, rola na internet um e-mail com uma fotografia do Betão, vestido com uma camiseta do Linki Park, comprando um disco do B´roz.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

As noites de Luisa

Luisa reza para que ainda seja madrugada fora de seu quarto. Mas a luz que atravessa as brechas da porta e da janela não aponta para isso. É hora de sair da hibernação. A duras penas consegue deixar a cama. O corpo parece pesar o dobro do comum, a cabeça dói, a boca está como um deserto. Esse é o preço de uma noite de farra.
A empregada da família a olha estranhamente. Pergunta como amanheceu. Luisa não responde. Sempre achou que a mulher é muito intrometida. Come lentamente o seu café da manhã enquanto lê uma revista semanal e fica sabendo das notícias da semana passada.
Os pais estão trabalhando e a irmã mais velha deve estar na faculdade, na sua queridinha aula de medicina. Às vezes ela fica insuportável, contando como as professoras a elogiam pelo seu desempenho. Luisa não acredita muito na irmã. Sempre desconfiou de tanta aplicação e boas notas no colégio.
Dizem que frutas são o melhor alimento para quem pensa em recuperar-se de uma noitada. Ainda bem que há vários melões na geladeira. Comer enquanto ouve lounge é um dos passatempos preferidos da garota. No chat mais popular da cidade, já começa a fazer os contatos para a noite de hoje, que ninguém é tão mole que precise de repouso para farrear.
No começo da tarde, Luisa está assistindo ao seu seriado favorito quando o primo Beto chega para carregar uns móveis e levá-los para a loja de seu pai. Luisa sorri e lembra de quando eram mais jovens, lá pelos 13, 14 anos. A mãe dela quase os pegou em atos impróprios, daqueles que lembram casos de presidentes dos EUA, só que em situações invertidas. Não fosse aquela mesa coberta por uma toalha gigantesca, sob a qual ela escondeu o primo, a mãe teria estranhado a cabeça da filha tão fixa no colo do sobrinho.
Mas essas histórias são águas passadas, lembra, enquanto beija a bochecha do primo, de casamento marcado com uma amiga de infância. Ao sair, Beto pergunta se está tudo confirmado para a noite. Claro que sim, responde a menina, no mesmo local, mas com uma banda diferente, tocando blues a noite toda. Amanhã mudamos o ritmo e caímos no samba, complementa.
Já está anoitecendo quando Luisa chega da academia. Uma hora de leitura do Código Tributário que lhe garanta uma boa nota na prova do curso de direito e outra para o curso de italiano.
Pronto, Luisa está preparada para mais uma noitada na boate que a contratou como relações públicas. Conforme contaram suas amigas, não há melhor maneira de conhecer o homem com que ela vai namorar nas próximas horas. Mas isso só depois de dançar muito, que a festa promete.


sexta-feira, janeiro 21, 2005

Dá novíssima série Apropriações indébitas:

"Tóóóóíiiiinnnnnnnn."

Avery, zombando nas Crônicas da Fronteira do pobre protagonista do post Cenas românticas, de 26 de novembro de 2004 , desprezado pela sua namorada-mulher-amante mesmo depois de preliminares cheias de estilo.


quarta-feira, janeiro 19, 2005

Frases para serem ditas neste começo de ano por quem estiver apertado de grana

(pensadas depois de ler ontem O Malfazejo)


- Vai ao IPTU que te pariu!!
- Vai dar esse ISS em outro lugar, seu Imposto de Renda babaca!!
- Ô, seu filho da Serasa, te lasca!!
- Ei, vai ver se estou plantando IPVA na esquina.
- Ei! É! Tu mesmo, seu juros duma figa!!!


(Aceito contribuições para aumentar o estoque de ofensas)

terça-feira, janeiro 18, 2005

Imagem, segundo eles, é tudo

Quem acompanhou o diário de bordo sobre a viagem ao Peru agora tem a chance, se estiver a fim, claro,de ver algumas fotos nos fotologs de meus comparsas fotógrafos Tiago Orihuela e Bruno Garmatz.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Reflexões do mundo pop

"Até os monstros precisam de ar."

Smithers, do seriado Os Simpsons , para seu chefe, Sr. Burns, que estava assustado ao descobrir que a sua Liga do Mal havia se transformado em esqueletos empoeirados depois de anos trancafiada em uma sala ao lado de seu gabinete.
A Liga iria atacar Lisa Simpson, editora de um jornal alternativo que atacava o império jornalístico que o odiado dono da usina nuclear de Springfield havia montado para conquistar a simpatia da população da cidade.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Desgosto

Queria falar sobre o lançamento de uma coletânea musical feita na noite de quarta-feira pelo Sesc Roraima, integrando num único CD os grandes nomes da música local.
Depois lembraria do Nei Costa tomando quase um barril inteiro de choppe e devorando quase um quilo de queijo derretido na chapa depois do show.
Talvez, nessa vontade de mostrar para vocês a poesia dos compositores destas bandas, até colocasse letra de músicas como Roraimeira, o hino extra-oficial de Roraima; Canto das Pedras, uma declaração de amor a esta terra quente e muitas vezes injusta; ou Cidade do Campo, outra canção do tipo.
Mas o desconto no meu salário dobrou neste começo de ano, deixando-me preocupado com o futuro econômico da família e levando-me a pensar que vou ter de cortar coisas importantes na minha vida, como a Tv por assinatura ou a compra de minha futura bicicleta de 24 marchas e amortecedores em tudo o que seriam os canos de metais leves.
E ainda espero o desconto de imposto de renda aprovado pelo, como bem me avisou minha avó no dia da votação presidencial e eu não dei ouvidos, sapo barbudo do Lula.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

O fim dos bons tempos

Então...a fantasia tem data certa para acabar.
Depois de quase um mês atravessando cinco estados brasileiros e dois países vizinhos, está na hora de voltar para casa e a rotina de trabalho-faculdade (só daqui a algumas semanas)-academia-televisão, apenas para parafrasear Renato Russo em "Eduardo e Mônica".
Na bagagem,fotos, bugigangas e muitas lembranças visuais de praias, montanhas nevadas, cidades históricas, viajantes e gente bonita. Tudo o que se precisa para encarar o cotidiano que não tem momento certo para acabar novamente.
Acredito que quem nunca viaja, pelo menos quando o faz, deve tratar de fazer algo diferente. Assim, fica a lembrança e a certeza de que o investimento em saúde mental valeu a pena.
E ainda é possível bolar frases de camisetas como esta: Estive em Floripa e não me lembrei de você. Afinal, tinha coisas mais importantes para fazer.

Que venha o dia-a-dia.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

A natureza no dia 3 de janeiro de 2005

Devido à tsunami na Ásia, o número de mortos até esta segunda-feira (algo em torno de 150 mil pesssoas) equivale a mais da metade da população de Roraima, apenas para servir de referência.

No Rio Grande do Sul, 20 municípios estão em situação de emergência por causa da seca que atinge as regiões norte e nordeste do Estado.

Em Santa Catarina, dois tornados arrebentaram 70 casas em Cricíuma, sul do estado. Uma mulher morreu de enfarte quando viu a passagem de um deles.

A chuva castigou Floripa à noite.

Na semana passada, um dia antes de minha entrada no Brasil, um temporal havia alagado Corumbá.

Em Boa Vista, muitos cursos d'água são focos de transmissão de malária.

É a Terra cobrando o seu tributo dos homens e avisando que nem tudo pode ser usado à vontade sem que haja cobrança de algum tipo de imposto.

domingo, janeiro 02, 2005

Histórias rotineiras

Um dia ela retornou ao seu lar, depois de muitos anos viajando por terras estranhas, de costumes diversos, de línguas a se aprender e conhecer.
Mas seus amigos agora eram outros, sua vida era outra. O mundo estava mudado.
No começo, a redaptação, a alteração de costumes, as dficuldades.
Se ela já era diferente quando havia partido, neste novo tempo o era muito mais.
Às noites, frio e calor conforme as estações passavam.
Sem histórias válidas para sua situação, reconquistou o conhecido e dominou os imprevistos.
Um dia, acordou e percebeu como uma vida distinta tomava conta dela. E gostou do que viu.


terça-feira, dezembro 28, 2004

O fim da viagem

Então, depois de sobreviver a falhas mecânicas e humanas em dois países , percorrer milhares de quilômetros, há uma hora em que a falha deve ser nossa e não dos outros.
Leia mais e saberá do que se trata.
Mas antes, vamos traçar a rota da viagem à Machupicchu, que começou no dia 12 de dezembro de 2004.

Boa Vista (RR) a Manaus (AM): bus
Manaus a Tabatinga (fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru): avião
Tabatinga a Iquitos (Peru): barco rápido
Iquitos a Lima (capital do Peru): bus
Lima a Arequipa: bus
Arequipa, Vale do Colca, Arequipa: bus
Arequipa a Cuzco: bus
Cuzco, Vale Sagrado dos Incas, Cuzco: bus
Cuzco a Puno: bus

Até aqui, havia rodado uns 5.500 km. Após a última postagem, feita em Puno, passei o maior frio de toda a viagem. Puno gelou às 17h, com uma chuva fina que me obrigou a esconder-me no hostal bem cedo. Aproveitei para ler o livro de quadrinhos da Mafalda, ouvir rádio e deixar tudo pronto para o dia 24 de dezembro, quando começaria a viagem de volta ao Brasil.

24 de dezembro, Puno, 8h, em direção a La Paz.

Deixo para trás os ciclotáxis de Puno e embarco no bus com muitos europeus que vão ficar em Copacabana, a única escala da viagem.
Na fronteira do Peru com a Bolívia, troco dólares por bolivianos, dou entrada no país no mesmo dia que vencia minha permissão de 10 dias para estar no Peru (prazo que pedi para que sobrasse tempo e não propositadamente, vale dizer).
Avançamos pelo altiplano, tendo o lago Titicaca como companheiro ao lado esquerdo da estrada e o atravessamos de balsa num estreito.
Descubro tarde que o câmbio do lado boliviano é mais vantajoso (um dólar por oito bolivianos e não 1x7,8 como no Peru).
Em Copacabana, todos pagamos um boliviano de taxa de entrada à cidade. Sem exceção. Adiantamos os relógios em uma hora e recomeçamos a viagem às 13hh30, depois de 60 minutos de descanso.
Há crianças gritando por dinheiro e doces ao longo do caminho boliviano. Invejo um pouco a coragem e disposição de uma britânica, filha de uma filipina com um cretense, que fez o caminho do Inka, trilha que dura vários dias e reproduz o trecho que unia a capital do império inka, Cuzco, a Machupichhu.
Chegamos a La Paz às 17 horas. Procuro pelas ruas cheias de fumaça uma agência para comprar uma passagem de avião. Não quero passar mais quatro dias viajando. Tem um avião sim, para amanhã, me diz a moça da agência. Custa 350 dólares e vai para São Paulo. Outro mais barato? Sim, custa 330 dólares...
Saio para procurar a rodoviária desta poluída cidade que me parece uma Sampa sem ordem no trânsito, mas com muito menos oxigênio. As duas mochilas me cansam e o ar seco irrita minhas narinas, de onde sai catarro com sangue há dias. Na entrada da rodoviária, um boliviano treina um salto de um jeito conhecido. Sim, é capoeira e ele treina sozinho, me conta.
Passagem para Cochabamba somente no ônibus das 21 horas. Meu natal será na estrada. O meu e o de muitas outras pessoas.
É o primeiro natal que passo realmente sozinho, sem amigos ou familiares por perto. Não foi tão ruim, concluirei no outro dia, já em Cochama, como apelidam a cidade.
Saímos da rodoviária às 21 horas, como combinado, mas ficamos parados 80 minutos no subúrbio de Lima. Entram vendedores de chocolates e livros para tentar tirar o lucro da noite. Poucas vendas, apesar da boa oratória.

25 de dezembro, 4h40, Cochabamba

Os vendedores da empresa Expreso San Luiz gritam a toda voz que o próximo bus para Santa Cruz de la Sierra sai às 5h30, por apenas 50 bolivianos. Descubrirei na estrada que a passagem oscilou entre 30 e 50 pratas, dependendo do horário de compra.
O ônibus deixará a estação somente às 6h30, quebrará às 7h na saída de Cochama e o motorista e as duas crianças que o auxiliam nesta viagem de 495 km serão abordados pela polícia em seguida. Os responsáveis enviarão outro ônibus somente às 7h45 para recolher os passageiros e seguir viagem. Ao lado do motorista, um saco de folhas de coca.
Passamos pela serra da região do Chapare, onde o MAS, partido do deputado Evo Morales, liderança indígena boliviana, mantém uma luta para permitir que os agricultores possam continuar cultivando a planta da coca e manter uma tradição milenar. Como dizem no Peru, a coca é do bem, a cocaína, essa sim, é do mal.
Às 11 horas, já nos trópicos, o motorista e seu auxiliar, também um adolescente de não mais de 16 anos, aproveitam a parada de 60 minutos para o almoço e trocam todas as correias do motor.
Às 12h45, ao atravessar a ponte do rio Zapata, um dos pneus traseiros explodirá, sendo substituído por outro tão liso como um CD novo.
Na estrada, construções tomadas pela selva, cidadezinhas, plantações, fazendas, arvores frutíferas como só nos trópicos é possível. Pés de manga atiçam minha fome.
Chegamos vivos a Santa Cruz às 16h30.
Na estação de trem, filas imensas de turistas que vão passar o reveillon em Balneário Camburiu, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
Não há passagem de trem, não há ônibus para Puerto Quijarro, as autoridades me recomendam não comprar as passagens oferecidas pelos cambistas e esperar até o próximo dia, quando talvez haja vagas nos vagões.
Decido arriscar com os cambistas se eles conseguirem me colocar dentro do trem, que sai às 17h30, ou seja, em menos de 20 minutos.
As propostas começam em 100 bolivianos. Outro me oferece uma passagem de janela por 80. Termino comprando pelo preço de balcão (52 bolivianos) e atravesso fácil pela fiscalização de documentos graças ao contato do cambista. Mas o medo sobreviverá até os fiscais do trem marcarem minha poltrona e me desejarem boa viagem.

26 de dezembro, Puerto Quijarro, 14 horas e 340 km e muitos ruídos de trem depois.

Para deixar a Bolívia, é necessário pagar 10 bolivianos. As moedas que seriam para a coleção acabam ficando na imigração.
Em Corumbá, a primeira grande marcada da viagem: esqueço de perguntar que horas são e quando percebo, meu ônibus já partiu há 30 minutos. O fuso agora está uma hora adiante do horário boliviano. Minhas atuais 14h são na verdade as 15h deste pedaço do Brasil
Ônibus, agora, só às 17h30, com previsão de chegada em Campo Grande à meia-noite.
Na estrada, uma boliviana fica assombrada quando digo que comprei passagens de trens na mão de cambistas. Segundo me conta, a venda oficial somente recomeçaria no dia 3 de setembro. Até lá, estavam todos os trens lotados.

20 minutos de 27 de dezembro, Campo Grande.

Como eu, há muitas pessoas querendo passagens para Santa Catarina.
Para ficar perto de Florianópolis, compro uma para Curitiba. Previsão de saída: 6h10 minutos. Não vale a pena dormir por cinco horas. Melhor ficar acordado e fazer a barba para tirar a barba de índio depois de 13 dias de estrada.
Deixamos Campo Grande às 8h. Por sorte (e pelos quase R$ 150 reais pagos) é um bus cama, o que garante o conforto.
Atravessamos plantações de soja e de milho, principalmente, e passamos por Londrina e outras cidades. Ao meu lado, um casal parece estar em lua-de-mel e disposto a fazer amor dentro do veículo.

30 minutos de 28 de dezembro, Curitiba, 1.000 km depois.

Curita está fria, apesar de ser verão por estas bandas.
Próximo ônibus para Floripa? À 1h30, com três vagas ainda.

Floripa, pela manhã

Chego em Florianópolis às 6 horas da matina e como bom filho único ligo para dar notícias e tranqüilizar minha mãe.
Totalmente desorientado pelos fusos horários, esqueço que em Boa Vista, cidade brasileira no hemisfério norte, ainda são 4 da matina. Melhor ligar de madrugada que ouvir que nunca dei notícias, acredito.
Agora, é descansar, pensar na volta para BV, desta vez em avião, e escrever minha tese de mestrado em transportes coletivos públicos.

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Confusao entre Lima e La Paz

De Puno, a 3.827 msnm, margem do lago Titicaca

Depois de um dia inteiro em Machupicchu, conhecendo a cidade perdida e se metendo a conquistador de Waynapicchu, templo que fica no morro que sempre se ve nas clássicas fotos de MP (duas horas para subir e descer em ritmo de branco, 15 minutos em ritmo inka. E eu fiz em 1h45 em ritmo de índio que já subiu o Monte Roraima mas nao teve tanta acelarada de batimentos cardíacos), pegar o trem de volta para Cusco e perceber, depois de falar com alguns brazucas e peruanos, que as agencias deram o golpe em mais de 100 (bota mais) turistas enviando-nos para Ollantoytambo para pegar o trem (lucro médio de 50 dólares em cada um), peguei o bus para Puno.
Chegando aqui, cansado e com sono, troquei Lima por La Paz e comprei uma passagem de volta para Arequipa sem entender como a rota mais curta e barata poderia ser essa. Mas tudo bem...
Gracas ao guia turístico das ragazzas Paola e Fede, no qual checamos duas vezes a rota, decidi voltar para trocar a passagem por outra para Copacabana. Na rodoviária percebi como estava prestes a voltar ao ponto inicial da partida. Discute aqui, discute lá, deixa uns soles na mao do vendedor, compra outra passagem para La Paz e fica na boa. La Paz por Lima...acho que foi a letra L...

Nei, vc quer saber do Lago Titicaca? É água sem fim, com um horizonte cortado pelo totora, palha com a qual os Uros fazem as suas casas. A água é fria (9 graus em média)e é fascinante andar sobre as ilhas flutuantes.

MP? É de se parar e pensar o que levou os inkas a conquistarem uma montanha daquele tamanho, cujo acesso em microonibus demora 25 minutos por uma estrada de 8km ou uma hora pela trilha que nasce no povoado no pé da montanha, Águas Calientes.

Tocar nas pedras talhadas e lisas, perceber que eles moldaram uma montanha ao seu gosto e fizeram construcoes que sobrevivem até hoje, resistindo inclusive aos terremotos em Cusco, é a mágia do lugar. Entrar nos quartos,olhar o vale em frente e sentir o vento frio dos Andes no rosto, isso é fantástico.

Lá, encontrei dois catarinenses de Bombinhas (acho que o Orib já esteve lá mergulhando) que estao há um bom tempo excursionando pela América do Sul e já haviam estada em Boa Vista. Fotos e textos em wwww.expedicaotoriba.com.br, com o Raul e a Valquíria.

Agora, rumo a La Paz, na Bolívia.

terça-feira, dezembro 21, 2004

De novo, um imprevisto

Aí vc compra a viagem para MP numa agência, confiado que tudo vai rolar no esquema. Acorda 5 horas da madrugada fria de Cusco para estar na frente do hostal às 5h30. E o que acontece? Nada...
8h50, na agência, pronto para reclamar na Policia Turística do Perú caso nao fazam nada, fica a viagem adiada para o outro dia. Ainda bem que a hospedagem estava paga. O que resta é aproveitar para fazer um tour pelo Vale Sagrado dos Inkas e visitar seus templos , olhar seus relógios solares, a cruz inka, suas construcoes no pés de montanhas e se perguntar como os caras conseguiram fazer tudo isso há mais de 500 anos e como os espanhóis destruiram tudo para erguer sobre as bases das construcoes seus templos e casas.
O bom do dia é que o passeio foi compartido com as italianas Paola e Federica e com os chilenos Lisé e Osmar, conhecidos do city tour do dia anterior.
Na volta, a confirmacao da ida a MP e a saída para Puno, às margens do Titicaca na noite de quarta.
Enquanto isso, percebe-se que ser bilíngüe por aqui é o mínimo que se poder ser. Os turistas falam, em sua maioria, três linguas (a mae, o inglês e o espanhol, mas há quem fale até cinco).
Os guias, bom, deles nem se fala. Até os indígenas ambulantes falam ou arranham em três idiomas. A deles, o espanhol e o inglês.
E os brancos que os conquistaram é que eram espertos.


segunda-feira, dezembro 20, 2004

Cuzco, a um passo (e 95 dólares) de Machu-Picchu


A viagem ao Vale do Colca, onde esta o canyon mais profundo do mundo foi legal. Mas ver 1.200 metros de pedras, peruanas vendendo artesanado, lhamas, alpacas, conjuntos bolivianos cantando musica em idiomas indígenas, fazer caminhada à margem de um desfiladeiro, ver ao longe vulcoes e passar frio enche.
Cusco é pura história. É andar no meio da cultura inka (aqui se escreve assim) e espanhola.
Também é sentir que a indústria do turismo peruana nao perdoa. Te cobram tarifas para embarcar nos avioes e nos onibus. E nem pense em ter pelo menos o acesso ao banheiro garantido. Pague por isso ou fique na vontade.
Por isso, todo mundo entra logo no esquema de mochileiro. A pechincha é uma obrigacao.
Somente assim para encontrar um espanhol há 45 dias rodando no Perú ou uma francesinha que vai para 3 meses e meio rodando pelo Chile, Bolivia e Perú. Tudo na base do que for mais barato.
Pegar aviao é doideira aqui. Os precos quintuplicam e vc ainda tem que pagar uma taxa para a Infraero local. Por isso, os gringos viajam quase sempre de bus.
Bem, nesta terca MP e depois Puno, para ver as ilhas artificiais do Lago Titicaca.
Depois, bom, depois...Acho que La Paz. Um dia chego em Corumbá. Se a grana der.

Update

Entao...a galera cobra em dólares, mas depois que se passeia por construcoes inkas e se escuta a história de como fizeram seus templos, se toca em pedras talhadas há séculos e se olham altares onde eram feitos sacrifícios humanos, a inversao em cultura geral vale a pena.
Há também o prazer de encontrar os viajantes que se inspiraram em filmes como Diários da Motocicleta, como as italianas Paula e Frederica, que vao rodar pedacos do Perú e Bolívia só porque assistiram o filme.
E por hoje, depois de passear nas ruinas de Saqsaywama,, Q'enqo, Puka Pukara e Tambomachay, é bom lembrar de uma passagem de Diários: Tudo foi feito pelos inkas e destruído pelos espanhois, os incapazes.


sexta-feira, dezembro 17, 2004

Passando perrengue no Perú

De Arequipa, a 1003 km de Lima

Bem, somando Boa Vista - Manaus - Tabatinga - Iquitos - Lima - Arequipa, acho que já rodei uns 4 mil km em uma semana, via terra, ar e água.

Até agora já passei perrengue no Rio Amazonas, com o barco de motor ferrado, e no trecho para Arequipa, na beira do oceano Pacífico, quando o bus que faria a viagem em 14 horas (saída as 17h de Lima) teve de parar na rodovia Panamericana Sur por conta de uns desmoranamentos de pedras. Isso foi as 4 horas desta sexta. Saímos de lá as 9h (ainda nao encontrei a crase no teclado) e a 15 minutos de Arequipa, o carro pifou. Daí, espera para fazer baldeacao, chega aqui, o dia já todo perdido, corre para ver o que pode ser visto tao tarde, topa com centenas de gringos, a temperatura baixando para os 21 graus desta época, compra o boleto para fazer uma viagem ao Vale do Colca, com um dos canions mais profundos do planeta (3.400 metros no ponto máximo) e esperar para manha um chá de coca (aqui tem uns blusas legais que dizem algo como a "a coca é legal, ruim é a cocaina. Mas os caras nao querem vender duas por 15 soles, se nao levava para um amigo mal humorado daí).
Lima foi uma droga. Para os visitantes futuros: fiquem em Miraflores, a parte mais central e turística da cidade. Daí é possível chegar ao centro velho e pirar,entre outras coisas,com uma igreja franciscana e suas catacumbas cheias de ossos. É fantástico...Nada de ficar fora do Centro Velho ou de Miraflores, repito. Se nao, vao se dar mal na hora do deslocamento.
Em Miraflores, por acaso, há um sítio arqueológico chamado Museu de Pucllana. A entrada custa cinco soles. Fica bem no meio de um bairro residencial. Agora é que os arqueólogos estao fazendo as escavacoes. É gigantesco (tem seis hectares e uma altura, calculo, de 15 metros. De noite parece um depósito de areia. Mas antes tinha 20 hectares. É de uma cultura de 700, 800 antes de Cristo, os Lima).
Agora vou passar dois dias no Vale do Colca e depois, finalmente, encarar o que vim fazer aqui: Cusco e Machu-Picchu.
Ah, curiosidades. A empresa de onibus na qual vim (Cruz del Sur, mas tem um bocado fazendo essa rota) dá janta com refri (lembra a comida de aviao) promove bingos sorteando a passagem de volta para Lima (quase...só faltaram dois números) e vende água e salgadinhos. Zero água.
Por favor, dá para mandar mais energia positiva? Ou tá pouca a enviada ou os Andes estao bloqueando a transferencia.
Bjs a todos os que estao comentando. Fico feliz em te-los perto nem que seja virtualmente. Afinal, estar ligado virtualmente perto de casa é uma coisa. No teto das Américas é outra.


quarta-feira, dezembro 15, 2004

Uma odisséia na água

(De Iquitos)

Resumindo: nunca fiquei tanto tempo perto de água. A viagem que duraria somente 9, 10 horas no máximo, transformou-se numa jornada de 27 horas, com direito a paradas em aldeias indígenas e vilarejos onde a energia elétrica é desligada quando batem as 21h30, batidas em troncos na noite no rio Amazonas, medo de naufragar na madrugada, barqueiros desorientados na nevoa do "cruzamento" dos rios Napo e Amazonas, canoas carregadas de pessoas e frutos que ultrapassam um barco considerado muuuuittto rápppiiiiiido como se fossem iates a jato.
Em Iquitos tem uns táxis que parecem aqueles "paxas" (acho que é assim que se escreve) indianos, só que puxados por motos. A parte central até que é bonita. Só o porto que é feio de se ver.
E o pior é que quando mais se navegava,mais parecia que tinha Amazonas para percorrer.
Bom agora é ir para Lima e depois para Arequipa e depois para Cusco, finalmente.

O bom deste tipo de atraso é que acabamos conhecendo pessoas que estao na estrada como a gente, seja a negócios, turismo ou trabalho. O barco, que pela averia foi trocado por uma lancha furreca, parecia um festival de sotaques da Amazonia.

Também se aproveita para refletir um pouco sobre a vida. Mas só um pouco, que cansa.

Bom, agora, da selva para os andes.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

Um Pemón na estrada

De Tabatinga, uma outra fronteira


Se fosse de barco, demoraria 3 dias para chegar aqui. Mas nada que um investimento numa passagem de avião não resolva para ser possível cobrir 1.105 km em linha reta em duas horas e meia. Por água, a distância sobe para 1.607, segundo o portal da cidade. Somando com o trecho de ônibus de Boa Vista a Manaus (mais ou menos 800 km), já fiz quase dois mil km. Ou seja, tô rodado.
Tabatinga é abafada, como todas as cidades amazônicas. Tem moto-táxis que rodam sem capacete, tem contrabando de um monte de produtos que vão para Letícia, a cidade a lado, como importação (ou seja, mais baratos) e voltam sem pagar impostos. O comércio de confecções é agitado. O porto também. Muitos índios pobres na beira do mar vendem farinha que trazem em "baldes" feitos de palmeiras. É outro mundo, o que me lembra que se metade do que o poder público alega investir fosse usado para melhorar a qualidade de vida das pessoas chegasse até elas, o mundo estaria melhor.
A passagem para Iquitos, a próxima parada, custa 50 dólares por barco, numa viagem que demora 12 horas. Tem uma empresa de aviação que faz a rota duas vezes por semana, mas não descobri o preço.
O barco sai às 5 da manhã. Tomara que não vire. Afinal, ainda não sei nadar e ainda quero chegar em Floripa para comer peixe na beira do mar...
Esta é a terceira cidade fronteiriça que conheço. Em todas, por coincidência, há uma grande concentração de indígenas. Mas aqui é difícil saber quem é colombiano, peruano ou brasileiro. Sei que todos são índios pelos traços, principalmento o nariz adunco. Isso me lembra como o conceito de nação e país é abstrato, mais ocidental de que outra coisa.
Me sinto no entroncamento do fim do mundo, mas próximo ao teto do mundo.

(Aos amigos que vão me ler e tem seus blogs e fotologs, vai ser complicado retribuir a gentileza. Mas espero que continuem mandando força positiva.)


sexta-feira, dezembro 10, 2004

Alturas de Macchu Picchu,

do livro Canto Geral, de Pablo Neruda

Então na escada da terra subi
entre o emaranhado atroz das selvas perdidas
até a ti Macchu Picchu.
Alta cidade de pedras escalares,
por fim morada do que o terrestre
não escondeu nas adormecidas vestimentas.
Em ti, como duas linhas paralelas,
o berço do relâmpago e do homem
embalavam-se de espinhos.

Mãe de pedra, espuma de condores.
Alto arrecife da aurora humana.
Pá perdida na primeira areia.

.........................

Tomara que consiga pensar em alguma coisa parecida quando topar com as pedras escalares.

A cada viagem, sempre o receio:se alguma coisa ruim deve me acontecer, que seja depois e não antes ou durante a caminhada.

A cada viagem, o desconforto de deixar o conforto e a excitação de encarar o desconhecido.

A cada viagem, a tentativa de saber como retornarei, a fim de tentar validar a lei do Saramago: todo aquele que começa alguma coisa não é o que a começou.

A cada viagem, pensar na próxima viagem.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Da série Redatores da Fronteira, Bruno Garmatz, tomador de chimarrão, escritor à procura de uma editora e zen foto-jornalista chefão do fotolog Veja Roraima.



Sumário

O que eu não gostava em você
Não eram os teus ataques histéricos
Nem teus porres homéricos
Nem teu jeito maluquinho de ser.

Também não eram tuas roupas esquisitas
E os cabelos vermelhos
E toda hora dando conselhos
Pelo telefone em conversas infinitas.

Nem tampouco os teus peneuzinhos
E o vício de mascar chicletes
Ou aqueles enormes joanetes
Que enfeitam teus pezinhos.

Também não era teu umbigo saltado
E nem a tua celulite
E essa tal sinusite
Que não saía do teu lado.

E nem as rugas do canto do olho
Que chamam de pés-de-galinha
E aquela tua comidinha
Sempre tão cheia de molho.

O que eu não gostava em você
Não era a tua mania de tirar sarro
E sim o maldito cigarro
Que você não conseguia esquecer.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Falando de uma viagem

Ao entrar na Venezuela, no posto de fiscalização, a revista do Guardia Nacional:

Desça de carro
Documentos
O que tem no bolso?
O que tem na pochete?
O que tem na carteira?
Que tipo de moeda você carrega?
De onde você vem, para onde vai?
Você é deste, daquele ou do outro estado? Parece.
O que você faz na vida e no Brasil?
Ok. Pode guardar. Fulano, vai checar o senhor? Sim, por ali, por favor.

Na tenda militar, quente e abafada:
Documentos
O que tem na pochete?De onde você, para onde vai?
O que você faz na vida e no Brasil?
Tem crachá? Posso ver?
Hum, jornalista é periodista? Tudo bem, pode ir. Nós levamos isso, quer dizer, eu levo em conta quando a pessoa tem uma profissão definida. Você sabe que tudo isto é procedimento rotineiro.

Na saída, depois que pego a bagagem, pela segunda vez neste ano ouço a frase, dita em tom de voz leve e esclarecedor aos outros Guardias: el chamo es periodista.

E aí eu lembro que a fronteira é uma rota de tráfico internacional de cocaína e me pergunto o que os Guardias fariam se fosse alguém sem um crachá, diploma ou profissão para ser referenciado.