sexta-feira, julho 16, 2004

Salsa e ciúmes


 
Uma da manhã. A pista está cheia na boate mais animada da cidade. É sempre assim na quinta-feira, quando é noite de salsa, merengue e caribe. Suor escorre da maioria dos rostos. Homens e mulheres, mulheres e homens, todos exibem-se para todos.

No balcão do bar, Ricardo e Drica discutem. Ele está cansado e ela quer mais. Ele quer ir embora para dormir, acordar cedo e ir trabalhar. Para ela, que também trabalha daqui a pouco, o final de semana o momento ideal para descansar. "A noite não espera para acabar e o trabalho sempre estará lá quando o procures", afirma a jovem.

Do outro lado da pista, Alberto mexe-se desajeitadamente ao som do mais novo sucesso de  Gilberto Santa Rosa. Alberto não dança uma vírgula, mas gosta de freqüentar a boate para ver as apresentações dos bailarinos profissionais à meia-noite. Depois, sempre fica mais um pouco para tentar descobrir alguma mulher sem par, coisa das mais difíceis na boate, e sem esperança de encontrar alguém melhor que Alberto para dançar.

Mas hoje a noite parece ser muito ruim. Nem sequer Ana Rita, sua amiga e eterna salvação na dança apareceu. Deve ser por conta do namorado novo, pensa o aprendiz de dançarino enquanto se dirige ao bar para comprar uma bebida e ir embora.

Lá, surpreende-se ao encontrar Ricardo e Drica, seus monitores na escola de dança que começou a freqüentar na terça-feira passada. "Olá, como vão, gostei do espetáculo. Um dia chego lá", brinca. Percebe que o clima não é dos melhores, pede sua bebida e quando vai dizer adeus, estendendo a mão para o casal, Drica aproveita a deixa e o puxa para dançar. A bebida Drica põe na mão do atônito Ricardo enquanto o olha desafiadora.

Na pista cheia de bons dançarinos, Alberto usa tudo o que aprendeu na única aula de salsa e merengue que teve na vida. Drica diverte-se com o esforço e ri, linda, divinamente, enquanto seus cabelos lisos e negros grudam na pele morena e seus olhos parecem refletir toda a luz da boate. 

Mas uma noite assim não pode terminar bem. Ricardo, o sonolento bailarino que durante o dia é bancário, também acumula conhecimentos de boxe para ocasiões como esta. Na sua opinião, Alberto merece uma lição não de salsa e sim de ringue. Começa a atravessar a pista para iniciar a aula enquanto, alheio ao risco que corre, o futuro aprendiz de luta empolga­-se com o bailado de Drica e começa a apertá-no ritmo certo, puxando para um lado e para outro, do jeitinho que ela ensinou. 

A três passos do casal, o celular de Ricardo, o violento, toca. É a mãe de sua namorada, perguntando a que horas vão chegar. Afinal, ela tem de ir trabalhar cedo. "É tua mãe", diz, cavernoso. "Oi, mãe. Meu celular? Acho que ficou dentro do carro. Está bem, sei que é tarde. Vou agora. Beijos. Bem, Alberto, valeu pela dança. A gente se vê na próxima aula. E continua praticando. Você esteve ótimo", fala a moça para o rapaz, antes de beijar-lhe a face, pegar a mão do namorado e caminhar para a porta da boate.

Na pista, Alberto, só e ligeiramente menos desajeitado, continua balançando-se, desta vez ao  som de um antigo sucesso de Tito Rojas. "A noite não fui tão ruim assim", acredita, "e ainda bem que o professor não levou a mal nem ficou com ciúme. Ele é gente boa". 
 
 

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