terça-feira, janeiro 23, 2018

Autodescrição


Eu sou do bem. Não procuro encrenca com ninguém, não me meto na vida dos daqui nem daqueles do além. 
Acho que sou do bem. 
Não sei...
Vivo nessa incerteza de me autodefinir tão generosamente.
Não fico remoendo ódios contra quem me incomoda. 
Prefiro lembrar das coisas boas da vida. 
Das risadas e bons momentos tidos com os amigos e com os amores.
Mas...
Sou frio com os que me incomodam
E carrego em mim rancores eternos, guardados em cofres que só precisam de um toque para abrir. 
Carrego-os sem querer, tentando esquecê-los em quartos lá no fundo do quintal, mas eles estão alertas, sempre dispostos a acordar quando o motivo de terem nascido aparece ali na esquina, no bar, no próximo sinal. 
Sou mais o cinza que o preto e branco. 
Sou binário dia sim, dia não, noutros talvez
Oscilando entre o muro do meio e a curva pra esquerda
Sou cinismo temporário, por vezes estabelecido, esperança renascida, desilusão permanente, improviso constante. 
Sou procrastinação, rei do depois e para que tanta pressa.
Sou preocupação sem agonia, pura tensão contida.
Anoto os compromissos do dia para saber das obrigações do futuro enquanto olho o presente como se nada, pensando em como seria se ontem tivesse agido diferente. 
Sou confusão mascarada, sonolência no meio da tarde, agitação ao sol nascente.
Eu sou da sombra, fugitivo do calor, senhor do vamos mais tarde depois que esfriar, amante das brisas noturnas de janeiro.
Sou o silente que incomoda e faz acreditar que nunca estou ou estive ali.
Sou lembrança de amores que se assustaram, voaram, ficaram.
Olho fechado, asiático, indígena, sangue nativo, América do Sul fazendo o coração bater, a vida pulsar, desejos correrem nas veias. 
Sou o meio do mundo 
Sou observação, observador de incertezas
Sou olhar desatento, fugidio
Sou o meio do mundo 
Cansaço
Motivação
Aguardo
Movimentação
Cinzento como a vida é
Lentidão e fome ao acordar 
Sou o andar lento da antropofagia
Sou o que somos e sou o que seria

4 comentários:

E. Cortez disse...

Edificante, Edgar!

A autodescrição, resultado de uma autoanálise, é um movimento laborioso para executar em nossos dias, acredito, porque todos os sons - ou ruídos, da vida, disputam cada espaço em nossas respectivas mentes.

Em geral à noite, nós outros queremos silenciar esses ruídos na esperança de ouvir a nós mesmos. Uma prece. Uma meditação. Um pensamento. Ou toda uma tormenta... É uma bravura necessária. Evidentemente para a identificação das virtudes e dos vícios que todos fomos agregando às nossas personalidades.

Avançamos nesta senda de perquirições interiores e, talvez, as brumas elevadas por uma incógnita fundamental ainda sature nosso ambiente íntimo e perturbe nosso encontro conosco mesmos: se as questões existenciais clássicas alguma vez são respondidas em plenitude, enquanto ainda estamos aqui...

Edgar Borges disse...

Obrigado, Efraim. Teu comentário me parece muito melhor e mais bem elaborado que o meu texto.. hehehehe

Mirian Santos disse...

Muito Bom Edgar, Parabéns!

Edgar Borges disse...

Obrigado, Mirian. Volte outras vezes!