sexta-feira, abril 10, 2020

Diário da covid-19: rotinas, sustos e os casos aumentando em Boa Vista, a cidade do rolezinho

Domingo, 5/4.



 Ontem caminhamos Zanny e eu. Levei ela para conhecer a avenida de barro.Quase compramos essa TV, mas o dono disse que não é smart.

Quis levar o Edgarzinho, mas ele anda em assembleia permanente com os amigos pelo whastapp. Ficam em chamadas de áudio e vídeo jogando e trocando ideias como se estivessem todos no mesmo quarto. Menos mal para ele.

Não tem jejum aqui em casa para que deus mande a cura da covid-19. Fodam-se o Bolsonaro e todos os idiotas religiosos que ainda vivem com a cabeça na idade média.

Os números de casos positivos para a covid-19 passaram de 37 para 42.
Leio em algum lugar que Santa Catarina registrou uma morte pela doença e mesmo assim volta tudo à normalidade na segunda.  


Boa Vista é anormal. As pessoas se recusam a seguir as recomendações de distanciamento social e enchem as praças com passeios noturnos. Resultado: a prefeitura vai desligar as luzes para se diminuem os rolezinhos. Será que dá certo?

Mãe visitou a vó ontem. Ficou afastada, toda limpa no álcool, só para ser vista e diminuir a saudade que a velhinha tinha dela. Me conta que está perguntando por mim. Que dó não ir lá, mas é muito estranho chegar e não encostar, beijar sua mão, pedir a benção e receber um beijo na cabeça. Melhor evitar.

Chuviscou.

Há dias vinha notando: os venezuelanos não passam tanto agora aqui na rua oferecendo seus serviços.

André L. Souza fez uma thread legal sobre o porquê da galera entristecer no isolamento. Não importa se tu é rico, pobre, advogado ou balconista, saudável ou não. A parada é dentro de ti, não no bolso.



Terça, 7/4.
Fui dormir bem tarde, lá pelas 1h30, vendo (finalmente) a segunda temporada da série Titans. Achei superior à primeira, que se arrastava. Faltando poucos minutos para desligar a TV, apareceu um fantasma chamado Edgarzinho na sala...Foi dormir em nosso quarto. Enorme, agora ocupa quase metade da cama quando se esparrama. Que delícia quando ele deita no meu braço e bota sua perna no meu joelho. Chega me aqueço. E nesta noite de chuva e ventos fortes que fizeram o telhado tremer, isso foi bom demais. 

Pensei que ia dormir até tarde, somando frio mais TV madrugada adentro. O relógio biológico quase deixou, mas o Balu só espera eu me mexer na cama para começar a bater nela, como que dizendo "ei, ei, ei, eu tô aqui. Levanta pra me fazer carinho e abrir a janela, a porta, qualquer coisa. Se não levantar, faço xixi. Ei, ei, ei..."

Amanheceu frio. Como eu brinco, amanheceu quase Londres de tão frio:

Frio em Roraima


Dias bonitos


Depois chuviscou. Ainda bem que desde ontem havia decidido não ir correr hoje.

Vou trabalhar no artigo da Leila, dou uma olhada num conto da Vanessa e leio Os Diários do Isolamento para ver como o pessoal anda vivendo a quarentena por aí.

Quarta, 8/4.

Corro. Hoje já não está tão frio. O frio é bom, mas atrapalha a minha disposição. Me dá preguiça.

Minha avenida e eu

Leio no jornal e
nas redes que Boa Vista está em nível de emergência. Tipo “uau, estamos entre os tops dos tops da covid-19”.

O Ministério da Saúde faz o cálculo baseado no número de casos confirmados dividido pelo número gerado, dividindo a população por 100 mil. Por exemplo: Boa Vista tem 42 casos confirmados e uma população estimada de 400 mil habitantes, então o cálculo é o seguinte: 42 casos dividido por 4 (4 x 100 mil), totalizando 10,5 como índice registrado pelo MS.

Nas redes, ainda vejo muita gente divulgando seus encontros com a turma. E o tanto de gente que não posta os rolezinhos?

Morreu o pai do querido Paulo Segundo. O velhinho estava há um tempo em crise já, não lembro o motivo, mas faz tempo. Nestes tempos difíceis, velórios não são mais momentos de encontrar as pessoas para reconfortá-las.

O cantor Joemir Guimarães teve um AVC ontem à noite e hoje já estavam espalhando que havia morrido, o que foi desmentido pela sua esposa, a Cleide.

Se ontem tava frio, hoje não se teve mais lembrança disso.

Amanhã é ponto facultativo e sexta é feriado. Ou seja, sem trabalho remoto, sem redes para monitorar e ordens para seguir até segunda. A alegria do pobre quarentenado é ficar quieto. Talvez correr, se pode. Talvez beber, se pode. Ou se tem. Aqui em casa não tem nada para beber. E o pior é que eu só gosto de beber conversando e na rua. Talvez eu compre umas latinhas e converse comigo mesmo. 

 9/4, quinta.

Mandei uns áudios para a Leila pedindo mais explicações sobre o que devia fazer para melhorar o fucking artigo. Pedi que se imaginasse dando uma orientação presencial. Aí ela me mandou um podcast bem explicativo. Tudo isso ontem. Hoje fui decupar as informações. Era para tocar o projeto, mas fiquei cansado. Estou cansado, mentalmente cansado, e isso afeta o físico.

Hoje nem corri tanto, mas fiz umas flexões de peito como sempre. Quer dizer, fiz as que o Balu deixou que fizesse. Basta esticar o tapetinho de borracha no chão e ele já vai ocupando-o, como dizendo “obrigado, humano, por pensar no meu conforto. Agora me deixa à vontade”. Aí, quando ele não faz isso e eu começo a flexionar, corre e me lambe as mãos, quer me beijar, me mordiscar... Tipo “oba! Vamos brincar de termos a mesma altura ou quase!”. 

Até gravei uns vídeos hoje com ele fazendo isso. Já falei alguma vez no blog que o Balu tem uma pasta no google drive só para ele? Amores, amores.

Ah, não trabalhei no artigo, mas fiz uma crônica sobre café. A ideia é participar de um concurso com ela. Tenho que fazer outra. Quer dizer, não tenho, mas aí as chances aumentam.


Publiquei esta foto nas minhas redes sociais. Uma lembrança da oficina de literatura que ajudei o Marcelino Freire a fazer em Boa Vista há muitos anos.  Tempos bons, de aglomeração sem riscos. 

Os casos de contaminação aumentam. O governo divulga que uma senhora morreu, depois desconfirma, a imprensa registra, o perfil da prefeita se queixa das dificuldades para obter informação. No grupo de whastapp dos jornalista (entrei em um nesta semana. A quarentena faz a gente cometer loucuras), os assessores discutem sobre os caminhos das narrativas do governador e da prefeita.




Na internet, as lives bombam. Todo mundo tem o que cantar, contar, dizer, comentar, compartilhar. Eu quero ver, mas não tenho paciência. Fico apenas tentando terminar de ler os contos do Scliar e depois ver alguma série leve. Terminei hoje a segunda temporada de Altered Carbon. Gostei. Agora fiquei sem o que ver. Talvez seja um bom momento para retomar as temporadas atrasadas de The Walking Dead.
Sexta, 10/4.

Rolou insônia ontem e de madrugada estávamos Edgarzinho e eu vendo notícias sobre a NBA. A gente nunca vê nada de esportes e quando vemos já é sobre o que menos vemos.


Sexta-feira da paixão. Feriado. Acordei umas 6h40, tudo claro, quente. Decidi apenas comer e ficar quieto. Amanhã, se der, corro. Ou invisto energia em limpar a casa.

Feriado na quarentena é tipo, sei lá, tipo mais do mesmo (não consigo pensar em nada inteligente para criar uma cena mental). 

Fomos no Goiana comprar frutas e legumes. Quase todo mundo de máscara. No caminho lembro Zanny que devemos providenciar as nossas, mesmo que sejam de pano. Ela fica de ver com um contato que o irmão vai passar. No super, as pessoas me lembram aquelas cenas de notícias chinesas. Muitas com luvas, muitas com máscaras, algumas poucas sem. O mundo ficando cada vez mais igual nas cenas de jornal. 

Leio nos sites que o presidente saiu ontem e hoje para dar voltas em Brasília, foi tomar café em padarias, parou em farmácias, ajudou a aglomerar gente. Como um homem em um cargo tão importante pode demonstrar tanto desprezo pelas recomendações médicas e pelo histórico de situações que o mundo está enfrentando por ter desprezado as recomendações de distanciamento social? Como ainda há gente concordando com ele publicamente e nos redes sociais e ao mesmo tempo prevenindo-se da doença que o cara diz não existir? Essa falta de cognição, essa falta de sinapses mentais é fruto do que? Ajuda em que? Como é que tem servidor público quarentenado defendendo a volta do comércio, li em algum lugar.


As perguntas sobre bom senso que não deveríamos estar fazendo


Já vinha sendo alertado, mas agora acendeu a luz vermelha: a covid-19 vai ser um desastre entre os povos indígenas. A morte do garoto yanomami aqui em Boa Vista aponta isso. O menino ficou ao leu até morrer. Quantos parentes ele pode ter contaminado? 

Estresse familiar. Minha mãe fez um peixe assado e mandou pra gente, pois meu pai estava preocupado, achando que não tínhamos o que comer, já que não estamos, na cabeça dele, saindo para canto nenhum. De fato, tirando a corrida na avenida de barro e eventuais idas ao supermercado, não vamos a canto nenhum mesmo. Enfim, dona Neide fez o peixe e mandou. O pai veio, estacionou no quintal, desceu com as coisas no carro e enquanto eu estava indo guardar no banco de trás umas vasilhas, ele foi foi dar um abraço no Edgarzinho.

Carai.

Ficamos sem ação todos. Zanny ainda tentou argumentar que Edgarzinho é grupo de risco, mas ele disse que com fé nada pega. Eu só não dei uns berros porque Zanny sempre fala para ser mais gentil nessas situações e a minha mãe também já disse que fica triste quando eu discuto com ele por conta desses comportamentos. Só atinei a mandar ou pedir para Zanny mandar o menino tomar banho imediatamente.

Segurei para não ligar pra dona Neide, mas ela ficou sabendo lá pela voz do pai. Aí, foi conversar de mãe para mãe com Zanny, que me contou bem depois do almoço. Pediu desculpas pelo comportamento do velho. Como a mãe já sabia, reclamei com ela e expliquei todas as medidas de segurança que estamos tomando aqui para evitar que o moleque se contamine. Longas mensagens de áudio sobre nossa rotina de cuidados com o guri ela recebeu. Pelo que a Zanny contou, já haviam rolado uns gritos lá. A ideia das mensagens é estimulá-la a dar outros. Rio da minha intenção, mas rio de nervoso. 

As pessoas, mesmo as mais próximas, esquecem que o Edgarzinho é asmático, teve cinco pneumonias nos cinco primeiros anos de vida e quase morreu numa crise respiratória. A covid-19 é mais uma das muitas ameaças que ele vai enfrentar no mundo. Mundo este que a gente só bota agora dentro de casa depois de limpar direitinho com álcool.

Tarde quente. Quente não, abafada. Se estivesse ventando seria show. 


O mapa que o google fez/divulga/não sei bem para apontar os casos de coronavírus no mundo aponta que agora são 1.052 mortes no Brasil por conta do covid-19. No mundo inteiro já são 102.026. Isso obviamente registrando os casos que foram analisados. Vi um vídeo de prisioneiros enterrando caixões de novaiorquinos em uma vala comum. Uma cena de filme de pós-guerra, daquelas que a gente pensa "carai, ainda bem que não tá tendo mais dessas coisas no mundo". Mas aí tu se toca que a parada é real, presente e pode ocorrem em qualquer lugar. 

E ainda não chegamos no meio do pico de abril. 

Antes de publicar o diário, venho para o computador revisar as anotações. No final, vou ver a Folha para saber dos casos locais da doença, já que o relatório da Sesau não estava disponível quando abri o site. 

O que vejo: 

"Tenho medo da luz apagada na praça. Liga para espantar o bandido e poder passear

Gente canalha e sem escrúpulos tem em todo lugar e toda profissão, inclusive na que deveria ser um farol nestes momentos de crise na saúde. Mas não...vamos vender curas milagrosas que não dá nada. Só uma suspensão.O povo nem vai saber o nosso nome. 

Roraima fecha o dia com 75 casos confirmados e três mortes por coronavírus. 


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Este é o quarto registro dos meus dias de quarentena e distanciamento social durante a pandemia da covid-19. Tem outras postagens aqui.

Se você também está escrevendo sobre isso, deixa o link nos comentários que quero saber dos teus dias.

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