sexta-feira, maio 01, 2020

Diário da Covid-19: oferendas, promessas de chuva e mais mortes pelo coronavírus em Roraima

Domingo, 26.04

O passarinho continua na mesma posição há quase uma semana. Só penso na sede e na fome que deve estar passando.

Cheguei aos seis quilômetros e não tropecei com ninguém nas ruas. Agora quero 6,5 km.

Metas são engraçadas. Parei de traçar a sério as metas há anos. As anotava e não cumpria pq outras coisas apareciam e as solapavam. Vamos levando. Não se chega a lugar nenhum, mas também não há dramas por isso.

Metas na quarentena: tirando correr, não tenho, não quero, não sou obrigado. O papo coach de mantenha o foco na produtividade me cansa. Se fosse mantenha o foco na criatividade talvez fosse melhor.

Cedasso li no grupo dos jornalistas que morreu mais pessoa em decorrência da Covid -19. Logo hoje que acordei pensando que talvez fosse bom a gente retomar a vida. Paramos tudo em casa no que se trata de continuar mexendo na eterna reforma. Nas últimas semanas queimaram um ventilador e um chuveiro. Não queremos chamar nem levar para evitar riscos. Estamos cansados mentalmente já. O bom é que não brigamos por isso.


O Rui falou no Facebook sobre o senhor que morreu. Na quarta foi no Palácio do governo trabalhar, no sábado deu entrada no HGR e morreu em poucas horas. Só penso no choque pra família. De uma hora para outra nessa condição.

A Isadora me mandou um lindo texto dela no wpp. Uma crônica de esperança na passagem segura pela pandemia misturada com histórias sobre suas filhas. Eu gosto dos textos dela. O dia que for a Belém vou comprar um livro de sua autoria e pedir o autógrafo enquanto tomamos um açaí.

Segunda, 27.04.

Passamos a tarde ontem no escritório, Zanny desmontando as caixas que o entulhavam desde que voltamos para casa. Eu, fiscalizando para saber onde ia colocar o que tirasse delas. Podia não parecer, mas havia uma ordem no caos. Balu nos acompanhou fielmente. Ou acompanhou o ar condicionado, nunca sabemos.

Hoje não tem corridinha, tem varridinha e passada de pano na casa. É tipo fazer remada. No final, saio esgotado.

Troca de stickers com a Adenice. Me divirto. É ela e a Cláudia para aumentar meu arquivo. E a Mirella.

O passarinho sumiu. Não está no chão, não está nos galhos abaixo. Será que o gavião pegou ou conseguiu voar? Acho que deve ter sido o gavião. Tantos dias parado...de onde ia tirar forças para voar?

Lembramos hoje dos planos que tínhamos para o Edgarzinho no mês passado, logo após os novos exames médicos de alergia: aulas de natação, aulas de inglês, aulas de desenho. Aí veio a pandemia, aí veio o isolamento, aí se foram os planos para segundo plano.

Hoje acordei cansado de ficar em casa novamente. Porque tirando a corrida solitária não vamos a lugar algum (ou nenhum, sei lá). E então, vendo os status da Sâmia, vejo que a imprensa mundial aponta que o Brasil pode ser novo epicentro mundial da covid-19...Dá umas tristezas...

Cansaço. Durmo. Almoço. Trabalho. Tarde quente. No grupo dos jornalistas chega a notícia de que o prefeito de Rorainópolis quer pedir na Justiça Federal que fechem a BR-174, impedindo a passagem de carros pequenos. Parece que os casos na cidade estão sendo importados do Amazonas. Há uma ironia nisso: sempre falaram que as correntes na terra indígena Waimiri Atroari seriam (uma entre muitas, de acordo com o momento) as causas do não desenvolvimento de Roraima. Agora podem ser a salvação.

Venezuelanos estão sendo transferidos para o hospital de campanha que foi montado para reforçar o atendimento na pandemia. O hospital, entretanto, "não possui data para funcionar por falta de equipamentos e profissionais". Que bosta de estado é este que demora tanto para se preparar para as coisas mas sempre é rápido na hora de achar culpados para suas incompetências?


Terça, 28.04

O passarinho voltou! Peguei um susto quando olhei, por força do hábito, para o galho e o vi, mofino como sempre. Contei pra Zanny e ela me disse que o nome dele é Osvaldo (não sei se com V ou W), de acordo com o Edgarzinho.


Osvaldo voltou ao seu galho

Metas de exercícios: aumentar uma flexão por semana. Agora estou em 3 x 16. Estou orgulhoso de meu combate ao sedentarismo Quando acabar o período de distanciamento em quanto estarei?

Eu não sei que horas acordei de tão cedo que foi, mas foi cedo que olhei o relógio: 4h40. Bom para evitar gente nas ruas. Quando estava na corrida vi que fizeram ofertas de novo na avenida de barro. Exatamente o mesmo da outra vez e no mesmo local: três carteiras de cigarro até o talo de estouradas, três latas de cerveja e duas garrafas de ice vodka. Essa parte eu não entendi. Um dos entes do além não bebe destilado (se forem três entes) ou é um só e não aguenta misturar muito? O que será que a(s) pessoa(s) pede(m)?


Oferendas no Paraviana. Ah, se eu fumasse...
Quis fazer algo do artigo e descobri que perdi as anotações digitais que fiz dia desses. Tive que ler tudo de novo para lembrar o que havia decidido acrescentar.

O governo do estado disse que não vai fornecer dados detalhados diariamente sobre os casos de covid-19 em Roraima. Só o básico. Aí, uma vez por semana vai liberar mais informações.

Passamos da China nos casos oficiais de mortos pela Covid-19. São 5.017 falecimentos agora. Triste recorde. Roraima aparece com seis mortes. E não falemos em subnotificações.

"E daí?".
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em 28.04.2020, sobre os 5.017 mortos por covid-19 no Brasil (conforme dados oficiais).



Quarta, 29.04

Vamos cedo para o Atacadão comprar coisas de higiene, principalmente. No caminho até lá, vemos lojas fechadas, mas lembramos que ainda não são oito horas. Vemos muitas abrindo e outras já abertas e lembramos que o comércio está praticamente todo liberado para funcionamento.

Vemos aglomerações de migrantes venezuelanos em uma área comercial na frente da rodoviária. Muita gente. Vemos os trabalhadores da construção ao lado de um igarapé na avenida Brasil em sua labuta e sem máscaras para proteger-se. Vemos na frente do abrigo Rondon ao lado da Polícia Federal aglomeração na porta de entrada....

Chegamos no Atacadão e já tem gente fazendo compras. Não fomos os únicos a pensar em evitar os horários de pico. Tem álcool em gel na entrada, muitos funcionários de máscara, mas alguns sem. Destacam-se por isso.

Vemos quase toda a clientela de máscara. Há exceções, a maioria homens. É cômico isso: casais em que só um se protege. Vemos um sujeito de uns 60 anos, com a cabeça toda branca, fazendo suas compras como se não houvesse nada de anormal nisso. E o pior é que nos tropeçamos em vários corredores.

Tem uma hora em que usar a máscara incomoda. Começa a doer a orelha. Nunca é rápido fazer compras no Atacadão. Enchemos o carrinho, pagamos, os caixas tem uma proteção de acrílico que os isola dos clientes. Bom para eles. Só queremos voltar daqui a dois meses aqui. Na saída, lembramos do tempo em que saíamos e abríamos um chocolate com a mão suja mesmo e comíamos felizes pela sensação de tarefa cumprida. Bons tempos em que só tínhamos medo de bactérias e dor de barriga.

Na volta, vemos a Guarda Municipal conversando com os migrantes no local onde estavam aglomerados na frente da rodoviária. Penso: tomara que ninguém adoeça desse grupo.

Chegamos em casa, limpamos todos os itens da compra, tomamos banho do lado de fora, já deixamos lavada a roupa. Saudades do tempo em que era só chegar e, no máximo, tirar os sapatos antes de entrar em casa.


Osvaldo no galho


Quinta, 30.04


Tem dias que são cópias de outros dias que já copiaram outro dias. Algo do tipo:
Acorda no escuro/acorda no meio claro.
Procura pelo Balu/Balu já está no pé da cama.
Osvaldo está no galho/ Osvaldo finalmente voou
Faz chá/ faz chá e café
Navega nas redes sociais, come e corre/Fica em casa
Mexe no notebook e no celular/ mexe no celular
Come, cochila/Come, entra direto no trabalho remoto
Se irrita com o trabalho/acha bacana ter o que fazer
Faz planos de produzir algum vídeo/não produz/nem pensa nisso
Estuda no app de inglês/faz vídeochamada pra mamãe/lê na rede/lê na cadeira de balanço
Vê um filme ou um episódio de série por inteiro/quase durmo no meio do vídeo
Dorme/acorda cedo/checa se o Osvaldo tá no galho/Pensa em quebrar a rotina/Deixa pra lá tudo e se conforma.

A quinta prometeu chuvas, mas foi só ventania e depois calor novamente

Sexta, 01.05.2020
Osvaldo, o pássaro meditador, alçou voo. Será que amanhã ele aparece de novo no galho?

Hoje é feriado. Nunca antes os feriados foram tão inúteis. Ou talvez sejam bons ainda: não ser obrigado a ficar na frente do computador por conta do trabalho remoto também é relaxante como um feriado em tempos sem pandemia.

Manhã: pesquiso referências para o artigo, Zanny organiza as compras em caixas, Edgarzinho joga no celular e vê programas de auditório e seus mistérios narrativos que prendem a atenção, dona Alba faz palavra cruzada.

Tarde de muito calor e algumas nuvens de chuva no céu. Desde ontem isso: apenas promessas e nada de água.

Começa a noite e Osvaldo não voltou. Chuvisca um pouco e abafa ainda mais.

O Ministério da Saúde divulga: agora são oito óbitos por Covid-19 em Roraima. No começo da semana eram quatro. No Brasil, são 3.629 falecimentos registrados nos dados oficiais.

Chegam os vídeos: enfermeiros protestavam em Brasília pedindo melhores condições de trabalho e fanáticos bolsonaristas, vestidos com roupas amarelas e bandeiras do Brasil, começaram a xingá-los e empurrá-los. A loucura desse povo é algo surreal.

Na internet, o dia foi de ataques à deputada Joice Hasselmann. O gabinete do ódio não perdoa. Por outro lado, ela sabia no que estava se metendo quando se juntou com essa turma. Queimem juntos.

Mandei o que pude para Leila ver. Conversamos um pouco. Anda como eu: entre o riso desesperado e o cansaço desta situação sanitária-política.


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Este é o sétimo registro dos meus dias de quarentena e distanciamento social durante a pandemia da covid-19. Tem outras postagens aqui.

Se você também está escrevendo sobre isso, deixa o link nos comentários que quero saber dos teus dias.

3 comentários:

Georgina Sarmento disse...

Muito louco, nesse ritmo eu tenho medo do q ainda estar por vir e o q se aguarda pra Roraima... eu sou/estou atendente de farmácia lá no hospital da clínicas e é muito angustiante a sensação de não saber se fiz td certinho, se me protegi direito, se n cometi nenhum erro... no cotidiano o medo a cada tosse vazia, a cada espirro solitário... só uma pergunta vem a minha mente:"será se estou com covid19?". Depois tenho q me controlar para tentar não surtar. "estou bem. "estou bem"

Vanessa Brandão disse...

Ir ao supermercado é uma tensão total. Muito carinho pelo pássaro meditador, Oswaldo. Acho que é com W. Você tem corrido de máscara? Eu corri dois minutos e quase morri. Abraço, amigo.

Edgar Borges disse...

Georgina, meu medo todo vez que saio de casa é justamente esse: será que não estou carregando um pedaço de vírus na roupa? Será que não colei ele na mesa onde todos comemos? É agoniante.

Vanessa, estou indo o mais cedo possível para a rua para não tropeçar com ninguém. Como é solitário e comprido, quando vejo alguém atravesso para o outro lado. Nâo é o ideal, eu sei.