sexta-feira, maio 29, 2020

Diário da Covid-19: 11 semanas vivendo no distanciamento

Entre 22.05 e 28.05.2022

 

É sexta. Mais uma semana de trabalho remoto se foi. Mais uma semana de estudo remoto pro Edgarzinho se foi. A noite traz chuva, a tarde trouxe uma encomenda. Os Correios, na verdade. Bonequinhos. Wolverines e Diabo Azul para mim, outros quatro Marvel Select para o Rubem, que rachou o frete. Uma taça de vinho, trechos do vídeo da vídeo da maligna e boca suja reunião ministerial, dois episódios de comédia norte-americana com uma metade de comédia colombiana. 22 de maio de 2020. As notícias tristes chegam nos grupos de whastapp. A de hoje é a morte da radialista Márcia Seixas. Câncer, dizem. Vão cremar seu corpo em São Paulo. Era doce, gentil, carinhosa sempre. O ano está cruel? O ano não tem nada a ver com isso, penso e parafraseio a entrevista do Karnal que estava ouvindo mais cedo. O ano não tem nada a ver, mas alguém precisa ser culpado. Me jogo numa pesquisa musical sobre vallenato enquanto escrevo parte disto. O sono chega. Não liguei pra minha mãe, que sofre de saudades da mãe dela...


Acorda, diz Balu. Acordo "tarde". Entre o café da manhã, a zapeada nas redes sociais, sites de notícias e conversas no PV, parte da manhã passa ora lenta, ora rápida. Quando escrevo sobre isso é que percebo meus pequenos privilégios: tenho algo de paz e não vamos sair hoje para fazer nenhuma compra, disse Zanny, abandonando a ideia de ir pegar o saco de terra preta para o canteiro. Evitemos a rua, determinou a preta, sonhando nesta quase madrugada. Faço pequenas coisas, planto acerolas à espera de mudinhas, ouço música ranchera, mando fotinhas para mamis. O sábado vai lento e li que são mais de vinte mil mortos por Covid-19 no país. Nas redes alguém muge "cloroquina neles".

 

A vida é mais que sopro em tempos estranhos e mortais como estes. Amar, ter amor, fazer amor, sentir amor. Algo de amor é necessário para não cair. Abraço sempre que posso a Zanny e o Edgarzinho. Já o fazia antes e muito, mas agora me parece fundamental, necessário, pois tem muito mais no mundo além de Covid-19 para nos afastar. Quando fico sabendo que outros pais, como o Adrian, não terão mais seus filhos por perto, me dói, ainda mais sabendo por quantos perrengues ele vem passando há anos, ainda mais lembrando que a menina tinha idade parecida com a do meu filho... Dona Maria José está melhorzinha, reclamando da  falta de cigarro, aperriando minha tia por isso. A vó sempre foi impaciente se lhe faltava o cigarro. Como culpá-la, se fuma desde criança, desde quando Roraima nem existia? Minha tia é minha comadre. Lembrando disso, atento: minhas duas comadres estão na marca da suspeita do corona. Torço pelas duas, grandes mulheres, lindas e maravilhas filhas, minhas afilhadas. Uma delas, a Bia, faz 19 anos amanhã.

 

Com o cansaço de estar parado o dia todo, estava morrendo de sono às 9h da noite. Aguantei para não cair da cama às 4h. Deu meio certo: desde as cinco minhas costas já doíam de tanto dormir. Quase seis, já ouvindo os passarinhos anunciarem a segunda-feira, levantei, agoniado para queimar correndo a energia acumulada. A chuva não deixou, o chuvisco serviu de pretexto. Ainda olhei pro quintal, fiz as contas de quantas voltas teria que dar e quase vou, assim como quase vou pra avenida de barro. Nem um, nem outro. A balança registou mais umas gramas, falando nisso.

 


Jornalistas e publicitários questionando os levantamentos de como o vírus se espalha nas aglomerações, gente insistindo que "fulana não morreu disso, eu falei com a família", mesmo depois de mostrarem mensagens da família comunicando que a Covid-19 levou mais uma pessoa. O negacionismo adota várias narrativas e mostra o tamanho do fanatismo... A tarde é quente, com uma luz linda às 17h. Vontade de sair correndo, mas mesmo que pudesse sair de boas, de tarde trabalho e de tarde, sei lá por quais cargas d'água, sempre doem as minhas pernas quando corro. Melhor fica em casa e planejar o amanhã em segurança. Hoje completamos nove dias sem sair para nada, tirando as minhas corridas na rua de barro. Se não fosse o carteiro e um entregador de hambúrguer no sábado, seriam nove dias apenas olhando os nossos rostos.

Percebi hoje que levo a conta dos dias da semana pelos dias da coleta de lixo: terça, quinta e sábado. E percebi também como devem sentir-se os aposentados: mesmo não gostando de trabalhar todo dia, talvez o trabalho fosse o que os fazia passar melhor o tempo. Quando chega o final de semana fico meio vazio. Eu deveria estar fazendo como as pessoas de Boa Vista e indo jogar bola nas praças, sendo feliz, aproveitando a vida? Não, com certeza. Aí fico entre a ociosidade e o ranço do discurso do “renove-se na quarentena”.

Vovó está bem. Quer dizer, sem covid, mas com problemas respiratórios ainda.  

Nosso isolamento em datas e números, para um dia lembrar e rir do ano de 2020:

17.03.2020 - Edgarzinho teve as aulas suspensas, inicialmente por apenas 15 dias. Havia 290 confirmados de Covid-19 no Brasil e uma morte registrada. Roraima estava feliz: zero casos, zero mortes.

20.03.2020 - Comecei no trabalho remoto.

17.04.2020 - Fechamos o primeiro mês de distanciamento e o Brasil já tinha 33.682 casos confirmados de Covid-19 e 2.141 mortes pela doença.

18.04.2020 - Dados de Roraima: 222 casos confirmados e 3 óbitos.

24.05.2020 - Dois meses após começarem as ações de distanciamento social, mas também de reabrirem comércios, Roraima tem 2.439 casos confirmados e 86 óbitos. Não temos o Hospital de Campanha funcionando e o HGR está lotado em mais de 100 de sua capacidade.

27.05.2020 - Covid-19 em Roraima: 2.959 casos acumulados, 190 internados, 715 recuperados e 102 óbitos, de acordo com o boletim da Sesau.

28.05.2020 - O Brasil já é o novo epicentro mundial da doença e cidades como Boa Vista já anunciam que planejam reabrir tudo oficialmente (porque extraoficialmente o mundo nunca parou).

Esta semana fiquei feliz por várias pessoas conhecidas de longe ou de perto. Vi que tiveram textos selecionados no concurso literário Devair Fiorotti, que ajudei a organizar. Entre várias coisas da organização, fiquei conectando os títulos dos textos aos nomes dos autores nas tabelas dos selecionados. A cada ficha com nome familiar, um "olha, fulan@, foi selecionado. Que bom" ecoava na minha mente. Teve até uns "eu conheço esse nome de algum lugar", seguido de pesquisa nas redes sociais e o encontro com o perfil da pessoa entre os meus amigos virtuais. É bem reconfortante saber que faço parte de uma ação responsável por alegrias e satisfações aos outros.

A chuva cai, quase não corro mais, o peso está voltando e queria encontrar gente, passear um pouco, visitar minha mãe e comer hallaca na casa dela. Mas não tem como se jogar nisso sem riscos e assim chegamos ao final da 11a semana de distanciamento social, isolamento, quarentena, vida normal sem visitas e saídas, nova rotina forever.

Choveu muito ontem. Muito mesmo e com força. Com tanta força que a água decidiu passar pelo telhado, mesmo tendo mandado arrumar tudo lá em fevereiro. Apareceram duas goteiras na sala, uma delas justamente no lugar onde sento no sofá. Linhas de água também escorreram pela parede, a mesma parede que o pedreiro supostamente havia vedado. Que ódio disso.


Com tanta chuva, a noite foi fria. Amanheceu gostoso. Bom para esquecer por alguns momentos que a semana foi tensa no Brasil tanto na área política como na sanitária. Entre os ataques da milícia bolsonarista à democracia e as mais de 25 mil mortes por Covid-19 no Brasil vamos fechando mais uma semana com saúde física aqui na maloca. Já a mental não sei muito bem como anda, mas vamos arrastando até onde der. 


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Este é o nono registro dos meus dias de quarentena e distanciamento social iniciados em março para tentar passar sem danos pela pandemia da covid-19. Tem outras postagens aqui.

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