Entre as diversas atividades das quais participei no Sesc
Literatura em Cena 2018, que aconteceu entre os dias 6 e 8 de junho no Sesc
Mecejana, decidi destacar a minha fala na mesa redonda de encerramento do
evento.
Acompanhando os escritores Elimacuxi e Eliakin Rufino e a professora
universitária Mirella Miranda, com mediação do escritor Aldenor Pimentel, falei
sobre “As influências migratórias na literatura de Roraima”.
Montei a minha fala no celular e praticamente
fiz apenas lê-la, com alguns cacos inseridos para explicar ou acrescentar algo.
O público foi basicamente formado por alunos do ensino médio de uma escola
militar (ou militarizada, não sei). Para deixar o registro do que disse, vou publicar
o que disse aqui. Quem sabe não gera um outro debate por aí ou aqui mesmo?
Depois da fala, virão algumas fotos do
evento.
Fala Edgar Borges sobre “As influências migratórias na
literatura de Roraima”
Boa noite! Buenas noches!
Pensei em começar minha fala pela minha biografia de
migrante, pela história de minha família migrante, pela formação demográfica de
Roraima migrante...
Muitas opções... Desisti de buscar uma opçao
só e abracei todas.
Meu tataravô
materno era espanhol, vindo da Venezuela descendo o rio Uraricoera.
Meu bisavô paterno tinha uma ascendência italiana.
Meu avô materno era paraense.
Minha avó paterna é wapichana.
Meus pais são roraimenses.
Eu? Sou o único estrangeiro da família. Também Sou o
único escritor da família.
Fui Criado lendo livros em espanhol, HQs do Chile e do
México, lendo HQs da Marvel, DC,
Conan o bárbaro, ouvindo música
caribenha e centro-americana falando de
amores fantásticos, dor de cotovelo, bebidas, recomeços e parrandas.
O quanto de mim é de um país só?
De repente, voltamos, eu e minha mãe, depois de uma
década e meia, depois de uma vida toda fora, mas não fora de Roraima. A gente ficou fora do Brasil.
Roraima não existia. Roraima era só Boa Vista. Boa Vista
era a Ville Roy, onde meus avós moravam.
O tempo passa, domino o idioma e de repente, pouco a
pouco, livro a livro, contato a contato, começo a escrever e me identifico em
cada publicação, seja impressa ou digital: sou metade brasileiro, metade
venezuelano... acho até que latino-americano seria melhor... Mas estamos ainda
tão presos a isso da identidade nacional que me rendo...
O que tem de cada país em mim, se lá eu era daqui, e aqui
eu sou de lá?
Quão migrante é minha literatura se o português não é
minha língua materna e se a minha língua materna foi abandonada?
Quão roraimenses são meus poemas, contos e crônicas se eu
não vivo falando de lavrado, se não vivo citando cidades de Roraima, se não
boto onça fazendo amor na beira do
igarapé? (O que não deixa de ser uma boa ideia, por sinal).
Minha literatura é mais ou menos roraimense que as letras
de música do Mike Guybras, que fala cheio de sotaque do vento que vem do monte
Roraima; do Eroques Gaudério que faz poemas tradicionalistas gaúchos há 30 anos
sob o sol escaldante do verão aqui no meio do mundo?
Quando Zanny Adairalba, Rodrigo de Oliveira e seu Otaniel
Souza produzem e divulgam a arte da literatura de cordel falando daqui e de lá
do nordeste, eles fazem literatura em Roraima, para Roraima ou de Roraima (E
esses “em”, “para” e “de” são hoje uma das discussões teóricos lá na UFRR, para
vocês saberem)?
Hoje fiz com o Felipe Thiago, poeta da nova geração,
usuário de plataformas alternativas para publicação, como paredes e fanzines,
um levantamento de quantos autores que a gente conhece e convive, com livros
impressos ou não, são daqui ou de fora.
Chegamos a uns 30 nomes de cabeça. Deu uns 60, 70%, de
gente que veio de fora... Gente que só...
Os migrantes fazem rodar a máquina da literatura
de/para/em Roraima... Ou Roraima ajuda a fazer dos migrantes pessoas
escritoras?
Não tenho posicionamento definitivo.
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Máscaras em exposição no evento. Feitas por alunos do ensino médio da escola do Sesc |
Prevejo apenas que
o impacto dessa onda migratória venezuelana que tanto horror provoca neste
nosso estado feito de migração - horror inclusive compartilhado por escritores
e artistas migrantes - esse impacto a gente começará a sentir em uns cinco
anos, quando essa turma e seus filhos começarem a ocupação progressiva dos
espaços culturais.
Eu mesmo ando planejando escrever usando aquela ideia do
portunhol selvagem, imitando o que já foi feito no centro-oeste.
Trago uma música sobre migração pra gente refletir sobre
isso da migração. Chama-se “Movimiento”, e é do uruguaio Jorge Drexler:
Mal ficamos em dois pés
Começamos a migrar pela savana
Seguindo o rebanho do bisonte
Além do horizonte, para novas terras distantes
Somos uma espécie em viagem
Nós não temos pertences, mas a bagagem
Vamos como o pólen
no vento
Estamos vivos porque nos estamos movendo
(...)
Yo no soy de aquí, pero tu tampoco
Yo no soy de aquí, pero tu tampoco
De ningún lado, de todo y, de todos
Lados un poco
Los mismo con las canciones
Los pájaros, los alfabetos
Si quieres que algo se muera
Déjalo quieto
......
Encerrando:
Sobre movimento na literatura, na oralidade, que mais
poesia híbrida que esta, dita inconscientemente por um vendedor venezuelano de
bandeiras brasileiras fabricadas na China divulgando uma copa do mundo que vai
rolar na Rússia?
Una bandeira por seis
Duas banderas por diez
Una bandeira por seis
Duas banderas por diez
Buenas noches.
..................................
Bem, agora vamos a algumas fotos no evento:
Fui mediador de três bate-papos intitulados Diálogos
Literários, uma ideia que tive para uma feira de livros do Sesc em 2010 ou 2011
e decidi resgatar para este novo evento literário. Puxei a conversa com esse povo bonito aí:
Elimacuxi e Zanny Adairalba:
Rodrigo de Oliveira e Aldenor Pimentel:
Tana Halu e Marcelo Perez
Também fui, mas agora como escritor e não como mediador,
para um Diálogos coordenado por Elimacuxi. O outro escritor foi o Aldenor
Pimentel.
Fotinha de lembrança e prova de que estive feliz no Literatura
em Cena
Momento de foto geral com todos os participantes escritores:
Cartaz mostrando algumas das coisas que iria fazer:
Nós, no jornal Folha de Boa Vista:
Programação geral (bom para consultas e pesquisas no futuro sobre eventos literários dos quais participei):
Com Felipe Thiago, Zanny Adairalba, Tana Halu e Elimacuxi em um descanso das atividades:
Aqui você pode ler um relato sobre a primeira edição do Sesc Literatura em Cena, realizado em 2017.
Aqui tem a programação da feira de livros que cito lá encima. Foi em 2011 e foi legal.
Pesquisando o termo "feira" aqui no blog, achei esta postagem sobre a feira de livros do Sesc em 2006.
Aqui é a postagem que falava do que iríamos fazer eu e o jornalista Nei Costa nessa feira.