Choveu.
E muito. Choveu como se não fosse outubro esta semana. Ainda bem, ainda bem.
Domingo o ar parecia estar sumindo, muito quente. Aí então choveu como se o
mundo fosse desabar, com raios e trovões que fazem Balu, meu cachorro lindo, sair louco
pela casa atrás do bicho que está fazendo “bruuuum” em nosso quintal.
Choveu
e minhas articulações parecem que enferrujam. Como será o dia em que for mais
velho e vá morar em um lugar frio? Chegará esse dia? A da velhice, digo. E se
algo acontecer e, de repente, apenas traçando hipóteses, assim que levantar
desta mesa eu escorregar lá na varanda molhada pela chuva? E se na queda bater
a cabeça numa quina qualquer e tudo acabar ali, de maneira tão boba, tão
irrelevante, uma cena improvisada de um filme ruim?
E se
acaso morto, já em outra esfera, eu ainda ter consciência do mundo terrenal e
ficar pairando por Boa Vista, vendo os desenrolares após a minha partida
(partida é um nome bonito para eufemizar algo tão natural como a morte. Melhor
que bater as botas, é verdade)?
Possivelmente não vai acontecer assim, mas e se
minha maior preocupação for saber o destino de meus textos não publicados? Ontem
ou anteontem ou agora, dependendo de sua relação com o tempo, estava pensando
nos livros que ainda não publiquei e deveria ter jogado ao mundo há muito
tempo.
O
primeiro é de antes de 2010. Seria uma coletânea de crônicas, poemas e contos
divulgados inicialmente aqui no blog. E teria ilustrações de um ciclista passeando
por todo o livro. A capa também seria um ciclista. Não lembro o nome que lhe
daria, mas recordo-me que cheguei a propor à Rosana Santos, que dirigia o setor
de cultura do Sesc nesse então, a publicação da obra. Ela pediu para levar a
boneca do livro. Aí começou a caminhada sem fim. Demorei para separar o
material. Então passei, não me lembro da ordem, para o jornalista Nei Costa
ajudar na diagramação (ou revisão, talvez). Acho que antes havia dado ao também
jornalista Plínio Vicente para ajudar em algo.
Por último, sei lá quanto tempo
se passou até isso, ficou com a designer Lidiane dos Santos a montagem, o
tratamento das imagens (produzidas pelo ilustrador Two, hoje vivendo em local
não identificado por mim) e a capa. Ah, essa capa seria uma foto minha numa
bicicleta, feita por Zanny Adairalba, à época ocupando o status de namorada. Pelo
projeto gráfico da Lidiane ficaria linda depois de trabalhada como se fosse uma
pintura. Resumindo: vai e volta, vai e volta, o mundo girou muito, perdi a
chance do patrocínio, perdi o arquivo e hoje não sei onde está o material.
O
segundo livro seria apenas de poemas. Os textos não sei quando foram escritos,
mas a produção começou numa fase difícil para mim, no auge da crise de minhas
hérnias. Lembro que pedi para Zanny, já no status de esposa e mãe do
Edgarzinho, digitar os textos escritos a mão. Aí a gente instalava o data show e projetava na
parede do quarto os poemas para fazer a revisão e diminuir o risco dela ter
trocado alguma letra e eu deixar passar. Acho que o ano era 2010, 2011. Foi um
tempo difícil para mim, com as dores nos braços limitando muito a minha vida. Livro
revisado, cheguei a inscrevê-lo em um ou dois concursos de poesia para livros
originais. Não foi selecionado, dei uma nova olhada nos textos e já passei a
gostar menos deles, achando-os pouco poéticos, muito “duros”. Larguei em algum
lugar digital e esqueci, sem querer, a localização da pasta. Esse livro,vale
destacar, foi uma intenção, um devaneio. Diferente da coletânea, não nasceu com
possibilidades concretas de ser impresso.
No
intervalo entre os dois quase livros veio em 2011 a publicação do Sem Grandes
Delongas (se não baixou ainda, é só clicar aqui), uma série de projetos e ações
feitas com o Coletivo Caimbé (quem produz sabe o extenuante que é fazer a pré e
a pós-produção cultural, sobretudo os registros de memória), o trabalho da vida
real, cansaço mental e as dores, tratadas com choques elétricos, gelo,
aparelhos desinflamatórios, acupuntura, RPG e, o Santo Graal, os alongamentos
no pilates.
O
terceiro livro não publicado quase chegou lá no ano passado. Foi escrito
totalmente a mão, no silêncio do meu antigo apartamento, com pouca luz e muita
reflexão. Escrevia a primeira versão e já passava a limpo o rascunho, mexendo
na estrutura caso não me agradasse mais. Depois de ter um monte de poemas prontos,
passei para o computador, alterando novamente os textos. Ficou alguns anos
parado na gaveta virtual até aparecer um edital do governo do Estado de Roraima
prometendo uma grana para publicar cinco livros de autores radicados aqui. Fiz
um projeto conforme as regras do edital, imprimi o material, fui selecionado,
botei a Zanny (sempre ali, parceirassa) para me assessorar na busca da editora,
aguardamos o pagamento e... tomamos calote na veia. A gestão da Suely Campos,
governadora da época, não ligou pra gente e desprezou a própria iniciativa.
Ficamos a ver navios (no final desta postagem quilométrica vou copiar a matéria
que saiu no Jornal Folha de Boa Vista com as nossas reclamações em outubro de
2018). Ainda bem, aindaaaaa bem que não levei pra frente uma ideia que me
chegou de repente no meio desse processo e que seria bem a minha cara de abestado
confiador de que os outros vão sempre honrar seus compromissos: imprimir o livro
por conta e gasto próprios, depois receber e ficar elas por elas de boas. Ainda
bem que fiquei quieto...
Esse
livro de poemas quase impresso em 2018 é o que acho mais bacana de todos,
inclusive mais bacana que os contos do Sem Grandes Delongas. Estou pensando em
bancar uma impressão independente dele ainda neste 2019, aproveitando que não perdi
o arquivo ainda. Tem até prefácio já, feito pela poeta Elimacuxi.
Quantos
livros foram até agora? Três. Ok. Não cansado de quase publicar sempre, aproveitei
este ano para, no intervalo entre um parágrafo e outro da dissertação, escrever
um novo livro de poesias, bem mais curto que o quase livro de 2018.
Esta semana
fiz a revisão dele, cortei uma coisas, mudei outras, arrumei ali, organizei
ali. Vou ver se inscrevo ele em alguns concursos. Se nada rolar, tentarei publicar
ano que vem. Se não der certo, serão quatro livros quase publicados por mim, o
que deve me transformar num dos maiores autores quase publicados de Roraima.
Voltando ao começo do texto, já
pensou tudo isso me atormentando numa pós-vida? Que agonia seria, que agonia...
P.S. : O colega escritor Aldenor Pimentel me lembrou lá no grupo de Whatsapp dos Escritores de Roraima que antes do Sem Grandes Delongas tive o e-book Roraima Blues como primeiro livro solo publicado. Eu acho que em algum momento da redação pensei nele, mas o meu pensamento é meio linear às vezes-quase sempre-já passei vergonha por isso- e disse (ele, meu pensar, ou eu, dono do pensamento?) "estamos falando só dos impressos. Apenas dos impressos, não viaja...". Bem, descartei lá na hora, mas depois dessa observação do Aldenor, acho válido apontar que em 2008 a revista portuguesa Minguante publicou esse livro digital de microcontos. O site saiu do ar, eu não havia pedido nenhuma cópia do material e apenas anos depois consegui um arquivo com os textos selecionados, mas sem a capa, que pode ser conferida nesta postagem feita por mim à época. Ah, e para variar, não sei em que canto está o arquivo...
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A
seguir, a matéria falando sobre o calote do Governo de Roraima. Por desgosto e
vã esperança de receber e esquecer o assunto nunca havia falado disso aqui no
blog, mas sempre citava por aí nas conversas sobre literatura.
CARTA DE REPÚDIO
Escritores reclamam de falta de pagamento
Escritores e agentes culturais de Roraima publicaram uma carta de repúdio nas redes sociais reclamando da falta de cumprimento do edital
Escritores e agentes culturais de Roraima publicaram uma carta de repúdio nas redes sociais reclamando da falta de cumprimento do edital l 07/2017 de incentivo e fomento a literatura da Secretaria de Cultura de Roraima.
De acordo com a carta, sete meses após a divulgação do resultado final, o Governo de Roraima ainda não entregou a premiação. A lista dos projetos aprovados foi publicada no Diário Oficial do Estado em fevereiro de 2018. Os autores dos projetos a serem premiados são: Edgar Borges, Eroquês Velho, Aldenor Pimentel, Lindomar Bach e Danilo Santos. O valor total do edital é de R$ 100 mil, sendo R$ 20 mil para cada um dos cinco projetos de livro selecionados para publicação.
“O edital estipula prazo máximo de 30 dias para a premiação, o que ainda não foi feito, ainda que as despesas tenham sido encaminhadas à Sefaz, para pagamento, em abril deste ano, pela Secult”
Confira na íntegra:
Nota de repúdio
Nós, escritores e coletivos literários abaixo assinados, repudiamos a não entrega da premiação em dinheiro, pelo Governo de Roraima, dos cinco projetos aprovados no Edital N. 07/2017 – Incentivo e Fomento a Literatura, da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), cujo resultado final foi divulgado oficialmente por meio da portaria N. 022/2018, de 23 de fevereiro de 2018, publicada no Diário Oficial do Estado de Roraima N. 3186, em 26 de fevereiro de 2018.
Destacamos que o mesmo edital estipula prazo máximo de 30 dias para a entrega da premiação, que, até o momento, sete meses após a divulgação do resultado final, não foi efetuada, ainda que as respectivas despesas tenham sido liquidadas em abril deste ano pela Secult e encaminhadas à Sefaz para pagamento, conforme despacho daquela secretaria.
Repudiamos ainda a postura da Secult, que em ofício, “lavou as mãos” em relação à entrega da premiação, eximindo-se de sua responsabilidade como coordenadora do certame, ao orientar estes escritores a procurarem a Sefaz, com o argumento de que os procedimentos por aquela secretaria “competem somente até a fase da liquidação da despesa”, o que é contraditado pelo próprio edital, cujo texto diz que a Secult pode, intervir mesmo após a entrega da premiação, ao, por exemplo, “acompanhar o desenvolvimento das atividades e, após a conclusão dos trabalhos, verificar o cumprimento das condições fixadas”.
Repudiamos também a desculpa do Governo do Estado de que está impedido de entregar a premiação em razão do bloqueio de suas contas, quando sabemos que o Governo pôde, mas não efetuou o pagamento deliberadamente. Prova disso é que em junho e julho deste ano foi realizado o Arraial do Anauá, quando foram realizadas diversas despesas da área da cultura.
Entendemos que o não investimento dos referidos recursos representará grande perda para o próprio Governo, a literatura e a cultura locais e, principalmente, a população.
Lamentamos tamanho atraso na entrega da premiação em dinheiro, o que apenas reflete o descaso histórico do Governo do Estado com a promoção de políticas culturais, em especial voltadas ao desenvolvimento da literatura e da leitura, enquanto no mesmo período este Governo firmou contrato para a destinação de R$ 89 mil, na modalidade de inexigibilidade de licitação, com o objetivo de adquirir obra artística de um único produtor cultural, autor de dezenas de outras obras, que, desde 2015, foram adquiridas ou estão em processo de aquisição com recursos do Estado, sem contar que a gestão atual abriu inscrições para edital cultural de outro segmento, mesmo alegando não haver recursos para o edital de literatura, cujo resultado já foi divulgado.
Assim, solicitamos a imediata entrega da premiação em dinheiro do Edital N. 07/2017 – Incentivo e Fomento a Literatura, aos projetos que tiveram, pelo próprio Governo do Estado, por meio de processo público de seleção, reconhecidos o mérito cultural e a qualidade técnica, para que se atinjam os objetivos do certame de “disseminar o conhecimento e a cultura do Estado de Roraima, e levar o leitor para novos caminhos”.
Outro lado – A Sefaz (Secretaria de Fazenda) informa que as contas do governo encontram-se bloqueadas, em cumprimento de decisão judicial, o que impede qualquer tipo de pagamento. Tão logo haja o desbloqueio, os pagamentos pendentes serão normalizados de acordo com a disponibilidade de recursos.