No começo de agosto de 2014 tirei as minhas primeiras férias do emprego novo
e embarquei numa aventura literária com Jonas Banhos, capitão da Barca das
Letras. Direcionamos a navegação para o interior do Estado da Bahia, a sete
horas de Salvador, e caímos no Território Indígena Kiriri Canta Galo.
Esta foi a segunda viagem que fiz com Jonas. A primeira foi para as
comunidades ribeirinhas do Amapá, em 2011. A ideia era novamente ajudá-lo em
seus trabalhos, desligar do cotidiano jornalístico-enfurnado-em-salas e
conviver com os parentes indígenas do Nordeste.
Fiz várias anotações no bloco de notas do celular, ingenuamente pensando em
montar um diário de viagem para publicar aqui depois que retornasse. Insisto em
me iludir. Estava quase claro que não ia rolar pegar no material e
transformá-lo num texto. Meia preguiça, meia outras coisas para fazer, minha
vida é quase inteira procrastinação. E olha que considero o blog como o
depósito de minhas memórias...
Como apareceram outras viagens depois dessa, decidi, quase cinco meses
depois, resgatar as anotações e usá-las para poder registrar minha vida
publicamente em um post sem muita arrumação. Vamos lá, sem muita edição ao que
anotei:
5 de agosto de 2014
11h56
Susto em Salvador: cadê a bagagem? Só ficamos eu e o funcionário na esteira.
Parecia que a mala tinha ficado em Boa Vista, mas meia hora depois apareceu. A
Gol tinha jogado no meio das malas de outros voos.
16h deixamos Salvador. Chegamos em Ribeira do Pombal às 22h10. Muitos
vilarejos no meio.
6 de agosto de 2014
Amanhecer frio. Depois esquentou. Tem pinheiros e uma fonte na praça. Ao
meio-dia saímos de ônibus para a aldeia Cajazeira.
Cerca de uma hora depois chegamos. A aldeia é formada por casas ao longo de
uma rodovia entre duas serrinhas.
Teve passeio para a missa do Bom Jesus da Lapa, na aldeia Baixa da
Cangalha, uma antiga vila de posseiros.
Noite de vento frio. Jonas ronca em cinco estilos diferentes.
7 de agosto de 2014
Chuvisco. Frio. Começam os trabalhos. Muito vento. Serras cobertas pelas
nuvens.
Dia de atividades na escola estadual indígena Índio Feliz. A wi-fi me
ajuda a agilizar umas questões. Muito frio e chuvisco o dia todo.
Começamos a montar um blog para a comunidade, mas a net cai e o trabalho
para.
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Na escola Índio Feliz, da aldeia Kiriri Cajazeira-
Bahia
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Biblioteca
da escola estadual indígena Índio Feliz. Espaço de consulta e crescimento |
8 de agosto de 2014
Noite incrivelmente fria na casa baixa do Dernival, nosso anfitrião, e eu,
que sempre penso em praia e calor quando imagino a Bahia, reconfiguro minhas
ideias sobre o mundo.
"Tem que caminhar antes de morrer. Se não caminhar, ninguém
vê", frase de dona Lucia, mãe de Dernival.
Banho gelado, estilo serra de Pacaraima.
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Trabalhos literários com o black quilombola Jonas Banhos, da biblioteca itinerante Barca Das Letras, e o professor-liderança Dernival Kiriri, na aldeia Baixa da
Cangalha. #SelfieNaBahia
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Atividades na aldeia Segredo, que fica nos limites do Território
Kiriri, ao lado da “vila dos brancos” Segredo Novo.
Muitas crianças. Fui falar de cachorrinho de origami e uma delas pediu que
fizesse. Fiz um enjambre e ela disse que não queria mais. :-(
Daí fiz um avião de papel e uns dez pediram para fazer. Rolou uma mini
oficina de avião de papel.
No final da tarde conheci a cidade de Banzaê, a uns cinco quilômetros de
Cajazeira.
Amanhã vamos a mais duas comunidades.
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Cordel de Zanny Adairalba embelezando a biblioteca da escola Índio Feliz na aldeia
Cajazeira
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9 de agosto de 2014
Amanheceu com o céu aberto, mas logo fechou...
Vamos para Baixa da Cangalha e Baixa do Juá. O dia todo nas duas. Na
Cangalha entramos na mata para ver as olarias e as barreiras. Voltamos para
Cajazeira cansados e suados. Clica aqui e vê um
álbum de fotos de Jonas Banhos no Flickr
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A quarta intervenção da Biblioteca Itinerante Infantil Barca Das Letras em Território Kiriri aconteceu na Aldeia Baixa Cangalha |
10 de agosto de 2014
Dia dos pais.
Passeio no interior da aldeia, pelos caminhos da Cajazeira.
"Menino mal ouvido", frase de D. Lúcia para um de seus netos que
está desobedecendo. =)
.........
As anotações pararam por aqui
Sei que foram dias de reencontro com coisas que havia muito tempo não fazia,
como debulhar feijão, comer castanha de caju assada na mesma hora, dormir
cedo...
Foram quatro aldeias visitadas, muitas histórias de lutas pela posse da
terra, leituras da história dos Kiriri, cafés da manhã regados a cuscuz,
caminhadas pelo sertão e esse frio estranho na Bahia.
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O octógono do território Kiriri. Conheci quase tudo
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Serra da Toca Grande - lar de abelhas bravas
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E depois?
Depois, em datas que agora não me lembro mais, voltei com o Jonas para
Salvador, via Ribeira do Pombal, e fomos parar na Praia do Forte, onde ficamos
dois dias. Deu para visitar uma das bases do projeto Tamar, encantar-se com as
lojinhas do área e pegar uma praia tranquilamente.
Na volta, fiquei em Salvador menos de 24 horas. Graças à dica de um colega,
fiquei em um hotel bem em frente ao fórum, perto da cidade velha. Na
tarde-noite inicial deu tempo de conhecer o Mercado Modelo no final de tarde,
entrar no Elevador Lacerda, no palácio Rio Branco e passear um pouco pelo
Pelourinho. Não vi festa e voltei cedo para o hotel. Foi a sorte, pois choveu
muito.
Na outra manhã saí cedo para o Pelourinho. Que ruas são aquelas, com tanta
subidas? Consultando um guia que o pessoal do centro de informações turísticas
havia me entregue no dia anterior, consegui rodar um bocado e ver, de relance,
pelo menos boa parte dos pontos turísticos da área: Igreja de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos, Fundação Casa de Jorge Amado, Igreja de Nosso Senhor do
Bonfim, Igreja e Convento de São Francisco, entre outros.
Tive a oportunidade de pegar uma missa na igreja do Rosário dos Pretos e o
prazer de ver a turma do afoxé Filhos de Gandhy no Pelourinho. Lamentavelmente,
como era sábado, muitos museus só iam abrir à tarde. Mesmo assim valeu muito o
passeio.
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A máquina de escrever de Jorge Amado, rascunhos de
suas obras e um boneco dele. Valeu o dia no Pelô. #ÍndioNaEstrada
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Como é mesmo a letra? "Pra fugir da rotina,
praia" do Forte? #ÍndioNaEstrada
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Elevador Lacerda e o mar...
"Salve Salvador/ Me bato, me quebro/
Tudo por amor..."
#ÍndioNaEstrada
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"A canoa virou, marinheiro, oh no fundo do mar
tem dinheiro...". #ÍndioNaEstrada
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Pelourinho: quem se esforçar conseguirá ver Michel
Jackson por aí. #ÍndioNaEstrada
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Arte de rua nas ladeiras de Salvador - Bahia, em
direção ao Pelourinho (2014) #StreetArt
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A placa profética, com a seta indicando a próxima
parada
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Almocei em um restaurante caseiro que abriu cedo, fui para o hotel e peguei
um táxi para o aeroporto. Deu R$ 100 a corrida. Ou seja, táxi é caro em
Salvador e o aeroporto fica longe que só (e tem uma entrada linda, coberta por
bambus, vale destacar).
Peguei o avião e no outro dia estava almoçando em Florianópolis com minha
amiga linda, galega e jornalista Carla Cavalheiro, a quem não via desde o
começo de 2009. Ao seu lado e em seu coração, o fotógrafo Rubens "Rubinho" Flôres, uma
das vozes mais queridas do rádio catarinense e dono de uma das risadas mais
gostosas que conheço.
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Cinco anos sem ver esse povo lindo: Carla Cavalheiro e Rubinho Flôres |
Dei a sorte de pegar um veranico bacana na ilha, o que me liberou para
passear sem medo de ficar congelado. Consegui pegar uma peça do Fita (Festival
Internacional de Teatro de Animação) no teatro da UFSC, conhecer uma feira
bacana de comida, hortifrúti e arte que rola toda quarta no campus da
universidade, passear no Centro da cidade e sentar à sombra das árvores da
praça da Figueira, visitar outra feiras de artesanato que não conhecia e ainda
curtir a festa da cultura açoriana de Santa Catarina, realizada na região de
Santo Antônio de Lisboa.
O mais importante da viagem, no entanto, foi reencontrar a linda família
Cavalheiro e conversar com eles, almoçar com eles e desfrutar, destaque alto de
cada ida a Floripa, do churrasco de seu Nery Cavalheiro, premiado
internacionalmente como o melhor assador de carne de toda a América do Sul e
adjacências planetárias. Além disso, pude encher a pança com dois pratos da
mocotó que a aniversariante Lulú da Serrinha fez para comemorar a data de seu nascimento.
Ainda rolou uma ida a Curitiba, num bate-volta comandado pela Carlinha, que
estava querendo ver uma exposição da Frida Kahlo no Museu Oscar Niemeyer (que
espetáculo de lugar!). Saímos cedaço, totalmente empolgados, e quando chegamos
lá, veio a decepção. Não eram quadros da Frida e sim fotografias da pintora e
de sua família...
Checamos o restante do acervo e das exposições (tinha uma linda do
fotojornalismo na revista O Cruzeiro), almoçamos lá mesmo museu, partimos para
o Jardim Botânico, o GPS parou de funcionar, nos perdemos, ficamos mais de uma
hora desorientados, curtimos o jardim e decidimos voltar para Floripa no mesmo
dia. Maratona, né? Obrigado, Carlotinha, por ser tão legal. =-)
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Florianópolis, cinco anos passados desde a última
vez, em um dia de sol e vento frio. .. #ÍndioNaEstrada
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Vou confessar: quando ainda era um #ÍndioNaEstrada, dei umas beijocas na Frida lá em Curita. Acho que lá pelas
tantas ela me falou: Hermanito, tu sabes que com mulher de bigode ninguém pode?
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Arte nas paredes de Santo Antônio de Lisboa,
Florianópolis (2014). #StreetArt
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Dia de sol em Floripa e me encontro com um dos primos
dos bichinhos de estimação da Amazônia. #ÍndioNaEstrada
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12a edição do prêmio IGK, com Guga Kuerten e
Alexandre Pires quebrando tudo no samba e pagode.
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Carla Cavalheiro, eu e Frida... |
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Lulu da Serrinha, rainha do mocotó, Carla Cavalheiro e Rubinho Flôres |
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Feira de artesanato e outros produtos no centro de Florianpólis. Rola todo sábado |
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Toda vez que vejo a figueira da Praça XV, com essas
forquilhas segurando seus imensos galhos, penso: se fosse em Boa Vista já
tinham dado a ordem de cortar tudo e plantar uma palmeirinha... #ÍndioNaEstrada —
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#Partiu Espírito Sant...opa, é outra Vitória essa aqui...Pensei que
fosse propaganda turística. #ÍndioNaEstrada
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Rubinho Flôres, eu, Guga Kuerten e a loira linda Carla Cavalheiro na 12a edição do prêmio IGK |
Enfim, essas foram as primeiras férias de meu novo trabalho: nove cidades e
comunidades indígenas em 20 dias, um tour Nordeste/Sul, contatos com a cultura
indígena nordestina e a herança açoriana em terras catarinas, o mar e o sertão,
o frio e o veranico.