sexta-feira, novembro 19, 2004

Euzébio, o contador

(De G. Guarabyra, publicitário, jornalista e amante de futebol e da boa cozinha)


Em seu quarto alugado, Euzébio era o retrato da solidão. Sozinho desde que a mulher confessou, em lágrimas, que não agüentava mais aquilo, passou a viver com a metade do coração. Procurava um emprego, desesperadamente, ainda alimentando a esperança de que um dinheirinho - pouco, mas certo - seria o suficiente para arrumar as camisas no guarda-roupa e a vida nos trilhos. Calças e camisas amarrotadas se espalhavam sobre a cama sempre desarrumada, a pia do banheiro repleta de cuecas mergulhadas na água.

Acordara cedo, disposto a arriscar na passagem de ônibus os últimos trocados emprestados por um amigo. Não é possível que nessa cidade ninguém esteja precisando de um contador habilidoso e experiente com eu, injetava confiança em si mesmo. Tentava desamarrotar a camisa usando as mãos como se fossem um ferro de engomar.

A barriga não cabia mais dentro da calça. Em todas as peças romperam os botões. Havia encontrado um grande alfinete que servira para prender as fraldas da pequena Camila, quando ele, a filha e a mulher, Marilza, ainda viviam juntos. As duas partes da calça que precisavam ficar presas corriam para os lados, mas acabavam contidas pelo grande alfinete, uma peça formada por duas hastes de metal, uma delas presa por uma presilha na ponta.

Na parte mais abaixo o zíper permanecia aberto até o meio da braguilha, mas as bordas da camisa encobriam o alfinete, um detalhe, para ele, fundamental. A exibição daquele arranjo seria o mesmo que anunciar publicamente o estado de humilhação em que vivia. Por isso mesmo, habituara-se a caminhar pelas ruas sempre com uma das mãos segurando a camisa na altura do alfinete, de modo a impedir que um vento levantasse a roupa e expusesse aos passantes sua penúria.

Ônibus cheio, como sempre, ficou em pé bem no meio, pronto para avançar quando se aproximasse o ponto onde deveria descer. Uma mão segurando o suporte colado ao teto, a outra impedindo que a camisa levantasse muito.

- É um assalto!
O grito veio do fundo do ônibus. A freada brusca jogou algumas pessoas sobre Euzébio, ele segurou firme o corrimão do teto e, mais firme ainda, manteve a camisa no lugar. Duas portas de emergência foram abertas num piscar de olhos, passageiros caíam no asfalto e corriam em desespero, dois policiais militares surgiram não se sabe de onde, armas em punho, um entrando pela porta da frente, outro pela porta de trás.

No ônibus praticamente vazio os policiais avistaram Euzébio com uma cara suspeita. No empurra-empurra, ele percebeu que o alfinete se abrira. Rápido, meteu a mão por baixo da camisa para impedir que a calça fosse ao chão.
- Ele tá armado!
O cabo Oliveira, campeão de tiro da 8ª Companhia, não teve dificuldade para acertar um disparo bem no meio do peito gordo do contador.
- O elemento ia atirar, Oliveira!
- Se eu não sou ligeiro, hein, sargento!

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