segunda-feira, março 14, 2005

Cronista temporariamente sem histórias reais

ou ficcionais para contar some na maior

Da redação

Os leitores do site www.edgarb.blogspot.com estavam assim, meio de banda, com a falta de novas histórias no Crônicas da Fronteira. As reclamações iam da falta de atualização à péssima vontade de Edgar em responder os comentários ou visitar outros blogs, como mandam os bons costumes do cyberuniverso.


"É um folgado. Mô segunda-feira e nada de atualizar o blog. Deve estar de ressaca. E olha que não foi na minha cantina. É isso que me deixa mais irritado", declarou Nei Costa, chefe da Cosa Nostra em Boa Vista.

Blogueira de longa data, assídua visitante do Crônicas e mineirinha comedora de queijo com breja, Luma pisa no calo e quebra tudo: "na real, o Edgar nunca me enganou. Já havia reparado que só atualizava no máximo três vezes por semana. Mesmo assim, estou preocupada com o seu sumiço."

Nossa equipe de reportagem entrou em contato com o Avery, mas ele mandou avisar que estava desfrutando da brisa que bate em sua varanda e por isso não iria comentar o sumiço. "Só sei que fui um dos principais incentivadores do rapaz. Agora, o que ele faz com o domínio não é problema meu. Mas vou mandar uma epístola para ela", afirmou o pesquisador e cybernavegante inveterado.

A equipe de reportagem gastou dinheiro pra caraca afim de tentar achar o folgado do Edgar. Ligou até para os produtores do filme Inimigo de Estado pedindo emprestado aquele sistema loucão de fiscalização espacial, mas os caras pediram muitas garantias.

"Tão loucos. Imagina que vou hipotecar meu carro pra achá-lo. Aliás, quem foi mesmo que pautou meus repórteres pra fazer isso", interrogou Luiz Valério, editor do Linha de Frente, antes de quebrar a cabeça de seu chefe de redação.

A solução foi pagar uma extra para uns policiais de folga do serviço. Em dois tempos, os eficientes funcionários estavam com a localização do cronista. ?A casa é até bonitinha, mas se fosse eu mandava pintar de outra cor?, comentou um dos investigadores.

Edgar foi encontrado deitado numa rede, na casa de um parente. Questionado pelos repórteres sobre os motivos do sumiço, olhou para os profissionais, fez cara de sono e disse que o estavam desconcentrando. "Hoje tô muito cansado. Passei o dia inteiro vendo esse caracol andar na varanda. Agora quero descansar, meu rei, que estressei e o dia foi muito quente", bocejou, antes de avisar que ia tirar um cochilo no quarto. "Lá tem ar, sabe? É mais gostoso."

Com seu estilo mordaz, Ismael diz que ficou sabendo tarde da procura. Não fosse isso, teria colocado em seus comentários ácidos de toda segunda-feira. "Já vi blogueiros fazendo coisa pior. Deve ser o clima. Mas até abril deve voltar a chover", disse o dono de O Malfazejo.

A internautas que pretendam processar Edgar pelo consumo vão de impulsos eletrônicos, Rah, sua advogada, avisa das praias do Nordeste: "não se metam com o bichinho, não. Vão caçar encrenca com outra advogada, por favor. Se largar o meu coco, vocês vão ver."

Flogueira das mais gatonas da rede e correspondente de O Diarinho, jornal mais malcriado do mundo, Carlotinha Cavalheiro diz ser da mesma gangue da Rah. "Não se metam com meu indiozinho. Quem tocar no filho único de dona Neide e tio postiço do Bê, vai levar uns muque nos chifres."

quinta-feira, março 10, 2005

As aventuras de Chicão

A cantada


Chicão - Tenho algo para te dizer. Quando você está perto, não consigo deixar de notar a tua presença. Há algo em ti que te faz diferente, que chama a atenção e te destaca no meio de qualquer grupo de pessoas. Enfim, é impossível não te perceber.
Maria - Nossa! (suspiro) E o que é, Chiquinho?
Chicão - Teu mau hálito...

quarta-feira, março 09, 2005

Sob o sol

Pulsa intermitente, no peito do homem,
Legítima fúria de animal acuado.
Sob o sol das quatro da tarde
Chora no corpo da amante.
Dúvidas passam na cabeça do homem.
É fantasia maligna ou crueldade real?
Desvario da idade, garrafas a mais,
Efeito das marés ou do orgulho do possuir?
O medo cresce
Tomando membros e tronco do homem ajoelhado
Na poça de lama tingida de vermelho.
O vento traz mensagens
De espíritos vingativos e traiçoeiros.
O homem não as entende
É só tristeza o que forma as suas lágrimas.
Agora, a justiça deve ser concluída,
Murmuram fantasmas.
Esqueça felicidades passadas,
Risos, beijos, promessas.
Esqueça tudo o que disseram sobre amor,
Seja o divino, o próprio ou o dedicado aos outros.
Esqueça a beleza do amanhecer depois de uma noite de paixão,
Sussurram no seu ouvido zombeteiros deuses.
O vazio toma conta dos pensamentos do homem
E as palavras perdem o sentido original.
Agora tudo está fora de alcance
E pode ser visto apenas de relance.
Então, com apenas um movimento,
Rápido, brusco, surpreendente,
O homem consegue sua paz.
Pulsa, sufocando o ambiente,
Permanente e estranha paz sob o sol das quatro.

(publicado originalmente há muito tempo no Zhuada)

terça-feira, março 08, 2005

No Dia Internacional da Mulher, com todas as suas motivações históricas, sócio-econômicas e culturais, com todas as pessoas escrevendo belos poemas e loas, só me resta escrever isto:

Desejo do fundo de meu coração que todas as mulheres que são casadas, namoradas, amantes ou caçadoras tenham uma boa sessão de amor neste dia.
Desejo que nenhum chefe brigue com elas;
Desejo que tenham aumento de salário;
Desejo que possam comer o quanto quiserem de seu adorado chocolate sem medo de engordar;
Desejo que o biquíni as deixe mais bonitas;
Desejo que a autoconfiança as leve até onde quiserem chegar;
Desejo que se quebre o pulso de todos os homens que batem em mulheres;
E que a coragem de denunciar agressores tome conta das mulheres agredidas.

sábado, março 05, 2005

Da série Ouvidos na rua


Declarações a respeito de confiança e amizade, por duas adolescentes pedalando em uma só bicicleta.

- Ô, sua traíra, tu trairou comigo.
- Não, não. Nada a vê essa parada.
- Trairou sim. Mô trairagem que tu fez.

(E viva a flexibilidade da linguagem oral.)

sexta-feira, março 04, 2005

Latinidade

Uma amiga disse-me certa vez que todas as canções latinas eram de dor-de-cotovelo. Exageros descontados, é certo que por conta disso, separei alguns trechos de músicas de vários estilos para ver se a teoria bate.
Da Colômbia, Juan Pablo Valencia, compositor de vallenato, gravado por Carlos Vives, teorizando sobre confiança e amizades:

Como Dios en la tierra no tiene amigos
como uno no tiene amigos anda en el aire

O guatemalteco Ricardo Arjona, apesar de ser um romântico full time, também faz outros tipos de letra, questionando o que alguns chamam de imperialismo e outros de integração:

Las barras y las estrellas se adueñan de mi bandera
y nuestra libertad no es otra cosa que una ramera
y si la deuda externa nos robó la primavera
al diablo la geografía se acabaron las fronteras.

Outra aqui, para aqueles que gostam de ajudar e ser ajudados:

no es bueno el que te ayuda
sino el que no te molesta


Abrindo passagem para o romantismo de Shakira Mebarak:

cuántas veces he intentado
enterrarte en mi memoria
y aunque diga ya no más
es otra vez la misma historia
porque este amor siempre sabeh
acerme respirar profundo
ya me trae por la izquierda
y de pelea con el mundo


E para suas pragas jogadas contra aquele que a trocou por outra:

cuando las arrugas le corten la piel
y la celulitis invada sus piernas
volverás desde tu infierno
con el rabo entre los cuernos
implorando una vez más


E agora, um canto do panamenho Rubén Blades contra a opressão:


¿Adónde van los desaparecidos?
Busca en el agua y en los matorrales.
¿Y por qué es que se desaparecen?
Porque no todos somos iguales.
¿Y cuándo vuelve el desaparecido?
Cada vez que los trae el pensamiento.
¿Cómo se le habla al desaparecido?
Con la emoción apretando por dentro.

(Essa aqui é cantada pela banda Maná no Acústico MTV)

quarta-feira, março 02, 2005

Ando mais prosa que verso.
Correndo contra o tempo e perdendo sempre.
Ando mais verão que chuva.
Ou menos face que pensamento.
Menos letra que imaginação.
Se não ando, me arrasto.
E caio, e me lambuzo.
Enlameio.
Afogo.
E ressuscito.
Para nada.
Então...
Ando, apenas.

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Almoço zen



Na seção de poesias, a moça do balcão pergunta se o senhor vai querer comprar alguma produção. Desiludido, responde que está a fim de um pedaço de sonetos. Bota também umas gramas do haicai mais barato que houver, completa.

Ah, este mundo cão, onde a imagem não vale mais o que custava antes do reajuste governamental. Agora o preço subiu. Imagem real, tanto; real, porém manipulada, tanto a mais.

Nem o sexo é como antigamente. O bom senhor, cuja única religião foi sempre um corpo de mulher, apela agora para uma simpática boneca inflável e umas pílulas que lhe perturbam o coração, na avaliação insistente do médico da família.

Com a poesia na sacola de plástico, pensa na filha, fugitiva de amor, cruzando o estado às pressas para entocar-se nos braços de um escritor liberal e dândi, autor de crônicas imorais, verdadeiros atentados à família, aos bons costumes e à gramática. Melhor, sobra espaço na casa.

Será que não teria sido melhor comprar um pouco de concretismo e versos alexandrinos?

Talvez hoje saia para fumar um cigarro com os outros bons senhores da vizinhança. Nada muito exposto, que não convém. Depois, um cineminha, pipoca, refrigerante e gritos para que ninguém assista ao filme em paz.

Vai fazer um belo almoço. No cardápio, tem poética, metafísica e religiosidade. Para temperar, pitadas de infantil crueldade cotidiana. Pensa até em escrever à editora do cunhado e mandá-lo para o inferno. Mas hoje não. Hoje não tem sobremesa, só um drinque de muito cinismo e descaramento.

Parece que vai ser bom.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Às vezes

Às vezes, é melhor não fazer nada, esperando apenas que o tempo traga a sua resposta definitiva aos questionamentos. Só a idade, para exemplificar, mostra como muitos adolescentes comportam-se como idiotas enquanto pensam agir como senhores do mundo. Também te lembra que aquele cabelo estranho invejado por todos, hoje não passa de uma feia foto que se esconde na última gaveta.
Às vezes é melhor pensar mais antes de agir e reagir. É bom lembrar que o eu de hoje é diferente do eu de ontem e de anteontem. Por isso, não adianta mais falar ?se fosse em outro dia, você veria?.
Às vezes, é melhor ficar indiferente e não acreditar muito na humanidade, que alguma coisa ela fez para chegar aonde está. Esquecer que aquele a te afundar já recebeu tua ajuda para nadar. Ficar apenas lembrando do entardecer da cidade pequena, tão longe da fumaça de outras terras.
Às vezes, o bom mesmo é rir das palhaçadas do teu vizinho, do guarda que não sabe multar, da buzina estridente do carro daquele velho senhor. Sentir a vida valendo a pena mesmo quando a chuva prejudica o teu encontro com aquela pessoa especial.
Às vezes, as melhores conversas são as tidas sob a chuva, sem segundas intenções, sem cobranças de decoro ou excesso de intimidade, apenas no equilíbrio de um bom papo.
Às vezes, o melhor é terminar aquele caso de amor e deixar o coração correr livre, à procura de um novo porto, ouvir música clássica e beber vinho, permitindo-se a extravagância de colocar gelo na taça sem pensar na cara de horror dos amantes da bebida.
Às vezes, é melhor engolir o orgulho e pensar em como é bom pedir desculpas por aquela bobagem (no seu entender) que os outros consideraram grave ofensa.
Às vezes, bom mesmo é bater, é verdade, desprezando a teoria do amor ao próximo.
Todas as vezes, escrever um bilhete elogiando a ação do próximo é melhor do que telefonar para gritar pelos erros cometidos.
Às vezes, mas só às vezes, rir não é o melhor remédio e cantar não espanta os males.

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Da série Ouvidos na Rua

Florianópolis, janeiro de 2005, verão. Na loja da Americanas no centro da cidade, procuro discos em promoção. Atrás de mim:

- Ei, mulher tu tá sumida!
- Oi, meu amor! Tudo bem contigo?
- Nossa, como tás queimada, bronzeada.
- Pois é, querida. Vou todo dia à praia. Desempregada, mas em alto estilo.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Classificados

Na seção de vendas do jornal, o anúncio de uma cama tubular branca sem nenhum arranhão, um colchão de boa espuma e travesseiros que adoçam o sono.
Na perspectiva de vender, João, que deseja livrar-se das recordações de seu último caso de amor. A cama, o colchão e os travesseiros ele adquiriu para ter conforto nas muitas horas que passariam juntos, mas não deu certo. Ele descobriu que toda a estrutura atendia não somente a ele, mas a terceiros, a quartos...
Bem, pensa João ao beber um copo de cerveja na mesa do bar, talvez não valha a pena desfazer-se de tudo. Afinal, a morena que está piscando para ele não vai querer conhecer seus beijos deitada no chão ou na rede da varanda.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Figuras


É tão irritadiça que xinga o vento quando este desarruma seus cabelos na rua.


É tão calmo que só percebeu seu enfarte depois de três dias e uma briga com o vizinho.


É tão bonita que a maioria dos homens broxa quando vê o seu corpo nu.


Era tão rico que acendia seus charutos com notas de cem dólares.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Histórias reais no dia do repórter


Atendimento nota 10

-ALÔ!!
- Oi, é da TV?
- É SIM!!
- Alô, sinal de fax, por favor.
- Quem?
- Sinal de fax, por favor
- Como?
- Si-nal de fax, por fa-vor?!
- Trabalha aqui não.

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Escambo

- Oi, tudo bem. Meu nome é fulano de tal. Quanto custam as aulas para tirar carteira de motorista?
- Tantos reais.
- Olha só. Fulaninho, jornalista do jornal TAL, quer saber se você não topa trocar umas aulas para uma jovem em troca de divulgação de teu negócio com notinhas elogiando o serviço daqui.
- Hum...pode ser. Quem é a moça?
- Ah, é uma afilhada dele. Já, já, te dou o nome. Você não vai se arrepender.

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Solidariedade

- Oi, amigos! Tudo bem?
- Ahã.
- Poxa, queria pedir para vocês não filmarem a mulher do doutor. Poxa, olha para ela, tão abatidinha com a história dessa prisão. Imagina como deve estar a cabeça da coitada, sendo acusada de ser chefe de gafanhotos. São essas acusações escandalosas que envergonham nosso estado.

domingo, fevereiro 13, 2005

Segunda-feira, dia dos namorados no restante do mundo. Para celebrar a data e falar sobre relacionamentos, comentários de meus leitores, em mais uma edição da série Apropriações Indébitas:


Aprendi que romances românticos só existem nas pontas das canetas dos poetas, que o sexo do domingo começa na segunda pela manhã, que rotina é um fel na relação e uma profunda saudade na alma dos separados, que estar bem ou mal acompanhado depende do quanto vc bebeu, que estar sozinho depende do q vc tem por dentro, que amar sua vida e se valorizar é o melhor fortalecimento para qualquer relação e que comprar flores é tão importante quanto comprar feijão.
Anderson, no post Às mestras, de 3 de novembro de 2004



É cara, nesses últimos anos aprendi um monte de coisas. A principal foi descobrir que não há possibilidade de uma vivência de 17 anos com uma companheira sem que haja diálogo 60 segundos por minuto, 60 minutos por hora, 24 horas por dia, 365 dias por ano. E o mais gostoso é ver, no dia seguinte, que você conseguiu transpor mais algumas barreiras que tentavam impedir esse diálogo. Falô!!

Nei Costa, no mesmo post.


Eu acredito que o melhor amor é sempre o próximo, assim como as viagens. Agora para quem está com a mesma pessoa há vários anos, vale recordar o comentário de Albert Cammus, a saber: "o inferno é a rotina". Portanto,tomem cuidado!!!
Humberto Almeida, também no mesmo post


Mas sobre os romances que tive, apesar de fazer um tempinho que não tenho ninguém e nem pretendo algo daqui a pelo menos dois anos,sei que o que aprendi não sai.Aprendi a ser amiga e companheira, que as pessoas não são perfeitas e que nunca serão. Que ciúmes é uma grande bobagem e só quem não confia em si e no outro pode sentir tal sentimento.E conviver com as diferenças. Também veio as descobertas mais lógicas, como não é somente a mulher que é romântica e que gosta de cafuné na cabeça.Eles me ensinaram a ver a rotina como uma forma de amar. Também a ser menos exigente e menos ranzinza quando as coisas não saiam como eu queria.O melhor de tudo é que vou poder compartilhar tudo isso com meu esposo.
Adenice, na mesma leva.


Esses são os dramas dos nossos romances modernos. Não há entrega, não há vontade de se ir além, de se doar por inteiro. Hoje, isso é vergonha. Nenhuma garota fala disso com as amigas. Nem nós homens... Achamos isso uma frescura. falar de amor hoje é cafona, acreditem!!! Por isso acabamos ficando com a mesmice dos dias. Até que um dia nos damos conta de que a vida passou e não fizemos nada que realmente valesse a pena.Sábios e felizes são os que se dão conta disso a tempo

Ricardo Pcapuleto, no post Cenas Românticas, de 26 de novembro de 2004.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Lembranças de sumpaulo


Depois de conhecer a Praça da República, com seus pintores, artesãos, loucos, velinhos conversando, capoeiristas (na verdade, esses eu vi outro dia) e espertalhões, atravessei a rua seguindo meu inesperado guia.
Caminhamos uma quadra, passamos por duas bancas de vendedores de CD?s piratas, o bolso coçando para comprar alguns, e paramos na esquina.

- E aí, tu sabes onde estás, perguntou Avery.
(pensei que ele estava zombando de mim, marinheiro de primeira viagem na maior cidade do país. Mesmo assim olhei para aquele cruzamento, com seus edifícios feios, seus carros barulhentos, seus mendigos e cineminhas pornôs).
- Não, Avery.
- Olha para cima. Lê a placa.

(na placa, os nomes que fazem daquele lugar a esquina mais famosa do país graças a uma música de Caetano)

- Quer dizer que foi por aqui que o baiano andou quando escreveu Sampa? Esperava mais da Ipiranga e São João.

E nesse momento descobri como é difícil ver poesia na cidade de São Paulo e como é fácil andar encantado pelas ruas do centro velho. Encantado com a novidade, certo, mas com as duas mãos no bolso para dificultar o roubo do relógio.

Update

Roraima é a terra das operações da Polícia Federal atrás dos figurões que passam a mão no dinheiro público usando a mesma tática: contratam seu Pedro por alguns milhares, mas ele só fica com algumas centenas. O restante é repassado para procuradores e empregadores. Os envolvidos são chamados de gafanhotos, caçados nas operações Praga do Egito e Faraó.
Agora, com a Operação Pretorium, que trata de um esquema no Tribunal Regional Eleitoral, surgiram os besouros (por conta da cor das togas dos juízes.)

Tudo isso só confirma uma teoria para detectar quando alguém pode estar envolvido em mutretagem: apareceu muito em coluna social, desconfie.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Histórias da folia

Num desses carnavais da vida passados e trabalhados em Boa Vista, comentei com o Tiago que, por mais que tentasse, nunca havia conseguido um amor na folia de Momo, dessas que todos meus amigos e amigas conseguiam por poucas horas. Ele, na maior naturalidade, explicou tudo.
- O problema é que tu és venezuelano e quer ficar conversando com elas. O negócio é chegar, puxar para dançar, dizer que quer beijar e pronto. Se não quiser, parte para outra. Simples assim.

Sobre essa dificuldade, acho que a melhor explicação para a falta de sorte no carnaval foi-me dada pelo meu primo Oliver, também venezuelano, na cidade de El Callao, onde se celebra a melhor festa do sul da Venezuela, com até 20 mil turistas pulando alucinados ao ritmo das comparsas tocando calipso.
Pouco mais de 30 minutos depois de chegados na cidade, ele já estava pendurado no pescoço de uma menina que nunca havia visto na vida. Sumiu com ela, transou e voltou para a folia. Na outra noite, passaram um pelo lado do outro como se nada. E essa facilidade para conquistar todo tipo de mulher ele tinha desde entrado na adolescência.
- Acontece que eu tenho carisma e tu não. Sem carisma, não se consegue nada.

Na mesma cidade de El Callao, talvez no mesmo carnaval, estávamos os dois esperando uma carona à uma da manhã para voltarmos às nossas casas em Guasipati. De repente, Oliver, que estava deitado no capô de um carro, saiu atravessou a rua e fez sinal para eu também fosse. Cansado, fiquei parado, olhando o dono do carro abrir o porta-malas e balbuciar algumas palavras em minha direção. De repente, puxou uma pistola prateada, de cabo preto, e a apontou para mim, que estava hipnotizado pela beleza da arma, pensando que o infinito estava concentrado no negro daquele cano.
- É assim que acabo com as ratazanas, disse-me o sujeito, que só não atirou na minha cara pq seu amigo o fez abaixar o braço, tirou a arma dele e me pediu para sair dali. Só fui perceber o quanto estive perto da morte no outro dia, quando comprava uma Pepsi-Cola.
E o pior é não ia ter carisma que desse jeito.




sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Da série "Ouvidos na rua"

(Contribuição de Zanny Adairalba)

Dois pedreiros, cada um em sua bicicleta, discutem, possivelmente, dificuldades dos relacionamentos amorosos. A frase:

- Rapaz, entre mulher e comida, fico com a comida, que a gente coloca no armário e fica quieta, sem aperriar ninguém.

(E aí, é isso mesmo?)

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Colóquios

Ela disse, apaixonada:
- Tu és muito lindo, meu amor.
Ele, modesto, porém fugitivo dos bancos escolares, respondeu:
- Que nada, tu que é daltônica.


segunda-feira, janeiro 31, 2005

Reflexões de segunda

Quem zomba do perigo é valente ou idiota?
Quem foge do perigo, é covarde ou precavido?
E se, em vez de zombar ou de fugir, o fulano fingir que não é com ele, como pode ser definido?

sexta-feira, janeiro 28, 2005

A morena desce a ladeira

Lá vem a morena, descendo a ladeira. Pensativa, como todos os dias a esta hora, enquanto olha o rio no final da rua e parece relembrar praias, festas, a adolescência bem vivida.
É mais um final de tarde, final de expediente. Pena que hoje é feriado e ela não vai receber nenhum extra pelo serviço. Mas isso agora já passou. Quem sabe da próxima?
A morena já dobrou a esquina. Do outro lado, olhares a seguem. Ninguém sabe assobiar para conseguir chamar a sua atenção. De repente, de trás do balcão surge um megafone. Passa de mão em mão e quando alguém descobre como usá-lo, ela já está distante, passando em frente à casa dos padres. E apesar de o mundo estar quase perdido, ainda há respeito pelos representantes da religião.
E então, como se fosse um passe de mágica, no mesmo momento em que a morena abre o portão de sua casa e olha para trás, o sol parece concentrar sua luz somente nela, ofuscando quem a acompanhou em pensamento.
É hora de esperar o final de outra tarde na ladeira.